21 Setembro 2022
"A bolha da abstenção não é um partido, mas uma perigosa inclinação do nosso tempo que reflete a mais extrema caracterização do individualismo hipermoderno, que, negando qualquer forma de dívida simbólica, considera que tudo o que não diz respeito diretamente ao meu Eu e à sua corte de interesses mais imediatos não tem valor. Mas é evidente que se trata de uma miopia patológica porque, como diziam quando eu era garoto, 'tudo é política'", escreve Massimo Recalcati, psicanalista italiano e professor das universidades de Pavia e de Verona, em artigo publicado por La Repubblica, 20-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O fenômeno da abstenção eleitoral caracterizou constantemente as últimas décadas da nossa vida coletiva e anuncia-se ainda mais sintomaticamente relevante nas agora iminentes eleições. Trata-se de um fenômeno que exige uma leitura em vários níveis. O primeiro nível é o do grande tema da evaporação da política, ou seja, a falta de uma ideia de política elevada, ideal, nobre e militante da política. Nós vivemos, de fato, em um tempo que se caracteriza por um descrédito generalizado em relação à política. Já não é mais, como pensava Aristóteles, a arte das artes, aquela que torna possível a vida da polis, mas tornou-se a triste sombra de si mesma.
A segunda camada, profundamente ligada à primeira, é a da desideologização do voto. Há tempos assistimos ao declínio da adesão ideológica do eleitorado. Se, por um lado, esse declínio levou a uma maior liberdade de juízo e a uma maior fluidez dos eleitores que já não estabelecem mais vínculos de fidelidade "religiosa" com o seu partido, por outro, também implicou uma fatal redução da percepção subjetiva do próprio empenho civil. O voto desideologizado tende a ser não apenas um voto pragmático, mas também um voto que pode tender a se desvincular do próprio exercício do voto.
O terceiro nível é o da crítica radical do sistema que se torna uma crítica radical de todas as formas de representação e compartilhamento. É uma expressão extrema e regressiva da antipolítica. Se a política é um lugar de negócios escusos e de corrupção, se sua distância do país real se tornou farsesca e intolerável, se os políticos representam uma casta separada e injustamente privilegiada, muito distante dos problemas que afetam a vida real, então recusar-se a votar configura-se como uma reação instintiva que expressa um juízo de rejeição e de condenação sem apelação contra a política.
Um quarto nível diz respeito à indiferença. Um exemplo desconcertante disso é o fato de que, para muitos jovens, a iniciação na vida política pela experiência do primeiro voto é vivida sem qualquer desejo.
A evaporação da política é um fenômeno que implica também a perda de todo impulso ideal para a participação na vida coletiva. O problema é perceber que as gerações mais jovens estão se distanciando drasticamente da consideração de que o empenho político é uma condição fundamental da vida civil. Não se trata, portanto, de alargar o direito de voto aos jovens de 16 anos, mas, talvez, de fazer com que sejam eles próprios que o solicitem com força, de fazer nascer o desejo pela política e pela participação ativa na vida do nosso país.
Um quinto nível diz respeito à remoção da nossa história. A conquista do direito ao voto foi uma conquista banhada de sangue na Itália. Isso deveria ser ensinado nas nossas escolas. Uma dívida simbólica nos liga profundamente às gerações que o conquistaram. Deste ponto de vista, a bolha da abstenção não é um partido, mas uma perigosa inclinação do nosso tempo que reflete a mais extrema caracterização do individualismo hipermoderno, que, negando qualquer forma de dívida simbólica, considera que tudo o que não diz respeito diretamente ao meu Eu e à sua corte de interesses mais imediatos não tem valor. Mas é evidente que se trata de uma miopia patológica porque, como diziam quando eu era garoto, “tudo é política”.
No sentido de que não é possível abster-se de ser chamados em causa, mesmo na vida mais íntima, pela política, pois suas decisões recaem inevitável e pesadamente sobre a nossa existência e aquela dos nossos filhos, bem como a de nosso país. Por essa razão, até mesmo decidir pela abstenção de decidir por qual partido votar é inevitavelmente uma forma de decisão. Chegamos aqui ao último nível do problema do abstencionismo, aquele mais psicológico. Abster-se é quase sempre uma reação de tipo infantil a uma situação de frustração vivenciada como insuportável. Em vez de tentar mudar uma condição de dificuldade, prefere sair do jogo.
Obviamente, sem registrar que essa autoexclusão não só não pode interromper o jogo que continuará mesmo sem nós, mas corre o risco de dar uma vantagem aos nossos adversários. Também neste caso o olhar do abstencionista continua sempre voltado narcisicamente para o seu próprio umbigo.
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A evaporação da política. Artigo de Massimo Recalcati - Instituto Humanitas Unisinos - IHU