08 Setembro 2022
O caminho do diálogo e, portanto, para a unidade cristã, requer (também) coragem. Conhecer-se sem preconceitos, raciocinar como irmãos e, sobretudo hoje, encontrar-se quando tudo ao redor parece convidar à prudência. Alicerça-se precisamente nessa coragem, enraizada na fé e amadurecida pela oração, a escolha da comunidade monástica de Bose de voltar a organizar a tradicional convenção ecumênica internacional de espiritualidade ortodoxa. E isso apesar da guerra na Ucrânia que, com o apoio do Patriarca Ortodoxo Russo Kirill à ofensiva desencadeada por Putin, produziu feridas profundas no cristianismo oriental e não só.
“Uma aposta - explica o prior de Bose, Sabino Chialà, que abrirá a convenção esta manhã - sobre a qual refletimos bastante e até hesitamos. Por um lado, parecia fora de propósito pensar em um encontro enquanto a Ucrânia está pegando fogo. Uma terra tão cara a todos que participam dos nossos encontros ecumênicos de espiritualidade oriental há quase trinta anos. E depois houve a pandemia, que nos obrigou a suspender a nossa agenda por três anos e que continua a ser ameaçadora. No final deixamos de lado es dúvidas, encorajados também por muitos amigos, que viram na nossa convenção uma mensagem de esperança.”
A XXVIII Convenção Ecumênica Internacional de Espiritualidade Ortodoxa será, portanto, realizada de hoje a 9 de setembro, que será inteiramente dedicada a Santo Isaac de Nínive e seu ensinamento espiritual. “As nossas convenções - acrescenta o Irmão Chialà - nunca tiveram um carácter de oficialidade, o que continua sendo a prerrogativa dos diálogos teológicos levados adiante pelas várias Igrejas. Eles sempre foram apenas um espaço aberto para se encontrar e aprender a se conhecer, a partir do rico patrimônio espiritual das tradições orientais. O nosso é um diálogo da amizade para cultivar um conhecimento mútuo cada vez mais profundo. Conhecer-se é de fato o primeiro passo para voltar a se reconhecer como irmãos e irmãs. Isso é o que vimos florescer em tantos anos de encontros.”
A entrevista é de Riccardo Maccioni, publicada por Avvenire, 06-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
No centro dos trabalhos, como mencionado, Santo Isaac de Nínive (ou o sírio). Por que essa escolha?
Por dois motivos primeiro. Porque é uma figura "disruptiva". De fato, embora pertença a uma Igreja que não está mais em comunhão com nenhuma das outras, Isaac é um dos padres mais amados por todas as tradições cristãs. Seus escritos - um caso único na história - foram traduzidos desde a antiguidade para todas as línguas faladas pelos cristãos. Mas também pensamos nele pelo caráter imediato e eficaz de seu ensinamento. Ele se dirige para solitários como ele. Mesmo assim, suas palavras são capazes de atingir o ser humano de todos os tempos e lugares, com um frescor e uma capacidade comunicativa raras.
Entre as pedras angulares de seu ensinamento estão a humildade e a misericórdia. Temas extremamente atuais.
A humildade para Isaac equivale a autenticidade, adesão à própria humanidade e falibilidade. O humilde é aquele que se reconhece pelo que é, que se reconcilia com seu limite ao invés de negá-lo. E ali encontra seu Senhor que se fez humilde, isto é, homem, para alcançá-lo nas profundezas de seu abismo. A misericórdia é o outro grande tema de Isaac, pelo qual foi amado por gerações de crentes pertencentes a todas as condições de vida. A misericórdia de um Deus que não falha com sua promessa mesmo quando a criatura o rejeita. Um Deus que não muda de sentimentos diante do pecado humano, mas tenta de todas as maneiras atrair tudo para si. Uma misericórdia, aquela de Deus, que nos pede para vir à luz sem medo. Humildade e misericórdia chegam, assim, a se entrelaçar. A humildade de quem reconhece corajosamente seu pecado, sua miséria, processo essencial para a cura. Misericórdia que cobre de ternura e renova toda vida.
Também participa da convenção uma voz russa, aquela de Maksim Kalinin. Um sinal importante, mesmo que no passado tiveram como convidados figuras importantes da Igreja Ortodoxa Russa.
Como estão as relações com Moscou hoje? Esperavam também outras presenças?
As relações com os muitos amigos russos que aprendemos a conhecer e amar ao longo dos anos permanecem vivas e sua ausência, devido à dificuldade dos deslocamentos, nos entristece, assim como a de muitos amigos ucranianos que não poderão comparecer. Sabemos do sofrimento de muitos russos pelo que está acontecendo na Ucrânia, para além das posições oficiais. Vários deles expressaram seu dissenso e por isso sofrem repressões. Presumimos que eles não poderiam estar conosco. Alguns escreveram para nos falar isso. Nós os sentimos próximos e os recordamos.
A Convenção vai acontecer enquanto em Karlsruhe, Alemanha, se realiza o Conselho Ecumênico de Igrejas. Diferentes planos para um mesmo empenho pela unidade. Qual é a contribuição específica que a tradição monástica pode dar nesse sentido?
A de uma partilha da vida quotidiana que comunica para além das diferenças teológicas. O monarquismo sempre foi uma via privilegiada de trocas capaz de derrubar barreiras. Mesmo que – é bom lembrar - algumas rigidezes antiecumênicas venham justamente de ambientes monásticos. Mas minha experiência é que, quando nos encontramos na vida concreta, o diálogo é fecundo, porque descobrimos uma proximidade insuspeitada.
O que Santo Isaac de Nínive diz especificamente aos homens e mulheres de hoje?
Ele nos entrega aquele convite à esperança que volta repetidamente em seus discursos, escritos em um momento de grande convulsão política e grande incerteza, um pouco como o nosso. Isaac, em virtude de sua fé inabalável no Deus amigo dos homens, nos convida a não desesperar, a olhar além, a ousar.
Um convite muito precioso, acredito, neste momento em que nos sentimos tão fragilizados diante dos desafios do momento e que corremos o risco de ver esmorecer nosso desejo de futuro.
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Em Bose, diálogo da amizade sobre a espiritualidade ortodoxa. Entrevista com Sabino Chialà - Instituto Humanitas Unisinos - IHU