24 Agosto 2022
Dez anos antes da adoção do francês “iel”, a Suécia tentou introduzir o pronome “hen” na linguagem cotidiana. Considerado tanto prático, como militante, seu uso permanece, no entanto, limitado.
A reportagem é de Henrik Lindell, publicada por Alternatives Économiques, 30-11-2021. A tradução é do Cepat.
Enquanto o novo pronome “iel” acaba de fazer sua entrada triunfal no Dicionário Le Petit Robert, revivendo a guerra cultural francesa, pode ser interessante olhar para um dos raros precedentes e estudar sua evolução. Na Suécia, por exemplo, o equivalente de “iel” (hen, que se pronuncia [hɛn], com um h aspirado) foi introduzido na linguagem corrente há quase 10 anos, não sem debates acalorados.
Hoje, encontra-se nas mídias, nas instituições e principalmente no mundo da educação, sem que seu uso suscite particular controvérsia. Parece ter entrado nos costumes, mas grande parte dos suecos, inclusive dentro das instituições e nas mídias, hesita em usá-lo no dia a dia ou até se recusa a fazê-lo, enquanto predomina seu significado.
É usado quando tem uma utilidade real. Por exemplo, se alguém evoca uma pessoa cujo gênero não é conhecido ou não importa no contexto ou, mais raramente, quando a própria pessoa não deseja ser chamada de homem ou mulher. “Em vez de escrever ‘ele ou ela’, eu uso ‘iel’. É prático”, diz Johan Tollgerdt, jornalista freelance sueco na França.
No entanto, toda a história de sua adoção é marcada pelo ativismo de suas promotoras feministas e LGBT engajadas na crítica das normas, o que, sem dúvida, explica a polêmica inicial ligada ao seu uso. O próprio propósito desse pronome de gênero neutro era de fato substituir “ele” (“han”) e “ela” (“hon”) por uma palavra não binária, um objetivo que não foi percebido como uma urgência pelos suecos. A princípio, foi até entendido como uma injunção ideológica por parte da população.
Historicamente, o pronome foi proposto em 1966 pelo linguista Rolf Dunås, que queria enriquecer o sueco com uma palavra que pudesse significar dois gêneros ao mesmo tempo, não a ausência dos dois. Ele se inspirou em “hän”, um pronome neutro existente no finlandês, uma das línguas que o possui naturalmente, como o chinês, coreano, indonésio, persa e turco. Mas nenhuma das línguas escandinavas (germânicas) o tinha.
Para sua surpresa, a palavra proposta foi então adotada por algumas organizações feministas radicais. No entanto, seu uso permaneceu marginal durante várias décadas, inclusive nesses ambientes. Foi somente nos anos 2000, graças às organizações LGBT, que começou a ser popularizado.
Uma das primeiras mídias a fazer uso sistemático do termo foi a revista feminista queer e artística Ful (palavra que significa “feio” em sueco) a partir de 2007. Pouco a pouco, também entrou na universidade, especialmente nos departamentos de ciências sociais, onde muitos pesquisadores o adotaram em seus textos e no ensino, julgando-o condizente com a necessidade, segundo eles, de desconstruir as normas ligadas ao gênero. Seus estudantes seguiram o exemplo e difundiram seu uso, principalmente na escrita.
Outro foco importante para o uso desse pronome foram os jardins de infância privados que empregavam (e ainda empregam) a pedagogia de gênero neutro, um fenômeno muito em voga na Suécia nos círculos burgueses urbanos a partir da década de 2010 e fortemente incentivado pelo Ministério da Educação. A ideia era “contrariar os padrões e os papéis tradicionais de gênero”.
A publicação do primeiro livro infantil de gênero neutro em 2012 foi um grande sucesso: Kivi och Monsterhund (“Kivi e o cão-monstro”), de Jesper Ludqvist. Destinado a crianças de 3 a 6 anos, este livro também gerou uma das primeiras grandes polêmicas nacionais sobre o assunto. Além de usar apenas “hen” como pronome na terceira pessoa, o autor substitui as palavras “papais” e “mamães” por “mapas” e “pamans”. Uma criatividade ideologicamente motivada, que chocou muitos intelectuais e pedagogos tradicionais, inclusive de esquerda.
Estes últimos, graças à comoção gerada nos grandes meios de comunicação, também contribuíram para a notoriedade de “hen”, contra a sua vontade. Porque a partir de 2012, toda a elite cultural do país é convocada a se manifestar sobre o assunto. Até então, quase ninguém usava espontaneamente o termo, exceto os círculos LGBT e culturalmente informados, mas os debates e posicionamentos da mídia tiveram o efeito de popularizar o uso do termo.
Alguns jornais, incluindo o mais conhecido, Dagens Nyheter, foram palco de verdadeiras batalhas internas. Quando o editor-chefe decidiu proibir seu uso, isso provocou um espetacular movimento de protesto online.
Foi neste contexto, e para surpresa de todos, que a palavra foi subitamente integrada na versão digital da Enciclopédia Nacional sueca em 2012, o que deu origem a um novo debate, desta vez envolvendo os membros da Academia Sueca.
Não é preciso ser um purista ou um ideólogo conservador para ver que a criação de um novo pronome não é um evento linguístico trivial. Contudo, é preciso remontar ao século XVII para encontrar uma mudança comparável nos pronomes suecos.
O dicionário da Academia Sueca finalmente integrou o pronome em 2015. Este trabalho se refere à Suécia e pode ser comparado ao Robert francês. Ele dá duas definições de “hen”, sendo a primeira um pronome, a segunda um substantivo: “1. Palavra de gênero neutro que designa uma pessoa conhecida, ou implicitamente conhecida, no contexto. 2. Pessoa que não quer ou não pode ser categorizada claramente como homem ou mulher”. Para a forma em substantivo, o dicionário dá este exemplo: “Prefiro que você fale de mim usando ‘iel’”.
Nessa época, o governo começou a utilizá-lo nas suas propostas legislativas, sem contudo impor o seu uso. Em outras palavras, a palavra é oficializada, definida e “autorizada” pelas autoridades linguísticas normativas da Suécia porque é difundida na mídia e utilizada por uma parcela da população. A título de comparação, o Robert interveio muito cedo, já que o pronome “iel” é usado muito menos na França hoje do que “hen” era usado na Suécia há seis anos.
Hoje, o novo pronome está perfeitamente estabelecido como tal. Na Educação nacional sueca, ele é ativamente promovido, mas sem obrigar os professores a usá-lo. Alguns ministros socialdemocratas o usam, outros não.
Pode ser um marcador ideológico, já que os políticos da direita, especialmente os populistas do Partido dos Democratas Suecos, nunca o usam. Ao contrário dos ambientalistas eleitos e também dos políticos do Partido da Esquerda.
Na Igreja Luterana da Suécia, que continua sendo a principal comunidade religiosa do país, muitos pastores agora se obrigam a dizer “hen”, outros deliberadamente nunca usam o termo, mas sem que isso provoque especiais reações. (A principal questão que cria divisões na Igreja da Suécia é antes a “masculinidade” de Deus que é sugerida em expressões como “o Senhor”, que leva os pastores a se recusarem a evocar “o Senhor”, não sem irritar aqueles que querem que a Bíblia seja citada ao pé da letra.)
Na mídia, vimos que os jornalistas da direita agora usam “hen”, ao passo que os jornalistas da esquerda nunca o fazem. Como se tudo fosse uma questão de preferência pessoal. Assim, o jornalista sueco Johan Tollgerdt o utiliza porque o considera prático e porque permite respeitar os desejos de pessoas que não querem ser consideradas como mulheres ou homens. Também permite que proteja suas fontes, ocultando o gênero de uma pessoa.
Segundo ele, é especialmente importante que uma língua evolua de acordo com as necessidades e costumes. “Quando pudermos dizer ‘iel’ em francês, eu o direi, sem qualquer hesitação, nos confidencia. Acho que os suecos estão certos em desenvolver a linguagem dessa maneira. Os franceses não devem ter medo disso. Não é uma revolução, apenas uma adaptação”.
Na Suécia, porém, nem todos concordam com a utilidade dessa adaptação. “Eu nunca usei ‘hen’ e nunca usarei”, diz o jornalista Mathias Pernheim, que trabalhou para uma rádio pública durante muito tempo antes de escrever para a mídia impressa regional de Gotemburgo. “Acho o pronome ‘hen’ altamente politizado, forçado e desnecessário.”
Antes de enfatizar: “Podemos evitar o uso dos pronomes de gênero, se a pessoa solicitar, mas sem passar por ‘hen’. Podemos dizer 'o indivíduo', ou 'esta pessoa', em vez de usar o pronome. Não somos obrigados a usar um pronome ideológico imposto por ativistas para controlar, dirigir e educar as massas.”
É também o que emerge da experiência sueca. Cada um faz o que quiser fazer. Mathias Pernheim nunca foi obrigado a usar o ‘hen’ contra sua vontade: “Nunca a direção de uma redação me impôs isso. Ela sabe que sempre se pode contornar o problema, que é, afinal de contas, bastante artificial.”
Artificial? É o que a maioria dos suecos parece pensar. Eles às vezes usam “hen” porque acham que é justificado, especialmente na escrita. Eles também sabem usá-lo como um marcador quando necessário. Mas a grande maioria deles nunca usa o novo pronome oralmente ou em um ambiente informal.
O termo, portanto, parece reservado ao uso público e oficial. É encontrado surpreendentemente pouco nos últimos romances policiais suecos, um gênero literário particularmente popular e apreciado no país e rápido para integrar as novidades da língua.
Johan Tollgerdt, que se sente muito à vontade com o termo, acredita até que os jornalistas suecos o usam cada vez menos. “Gosto de usá-lo, insiste, mas tenho a impressão de que já está perdendo um pouco do uso.” Será porque a necessidade de um novo pronome de gênero neutro na língua não é compartilhada por um número suficientemente grande de suecos, quando lhes é dada a liberdade de escolha? Não podemos excluir esta hipótese.
Partindo do exemplo sueco, podemos, portanto, sugerir aos franceses que protestam contra esta novidade que há tempo para tudo. A criação de um pronome e seu uso realmente requer mais do que a ação de uma minoria influente para ser assumido pela maioria.
A mudança proposta também deve corresponder a uma necessidade compartilhada por um número significativo de usuários da língua. Não é certo que este número tenha sido finalmente atingido na Suécia. Sendo a sociedade deste país particularmente liberal e cujos principais representantes políticos querem ser pioneiros em termos de inclusão, não tenho certeza de que funcione melhor na França.
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Na Suécia, o pronome neutro encontra dificuldades para se impor no cotidiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU