05 Agosto 2022
O aumento da demanda por água será a maior ameaça à segurança alimentar nas próximas duas décadas, de acordo com um novo relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura - FAO, que pede a colaboração de cientistas e responsáveis políticos para aumentar a resiliência dos sistemas alimentares mundiais.
A reportagem é de Dann Okoth e Aleida Rueda, publicada por SciDev.Net, 01-08-2022. A tradução é do Cepat.
Cerca de 828 milhões de pessoas passaram fome em 2021, em comparação com os 811 milhões estimados em 2020, e cerca de 11,7% da população mundial sofreu insegurança alimentar grave, segundo os novos dados.
Não são só as secas relacionadas à mudança climática que estão aumentando a concorrência entre os agricultores por água, o relatório também destaca que a crescente demanda pelo líquido por parte das populações está reduzindo o acesso à água limpa, às águas subterrâneas e à irrigação sustentável.
Ao mesmo tempo, os conflitos em curso, como a guerra na Ucrânia e as repercussões econômicas da pandemia de COVID-19 estão revertendo décadas de progresso e ameaçam desfazer as metas de acabar com a fome, a insegurança alimentar e a desnutrição, em todas as suas formas, até 2030.
Outro estudo revisado por especialistas e publicado em One Earth também identificou a seca e as ondas de calor na África subsaariana, o dano aos ecossistemas e a alteração das monções e da água do degelo na Ásia como as principais ameaças à segurança alimentar mundial. As ameaças foram identificadas pelos membros de um painel de especialistas e depois classificadas e priorizadas.
Zia Mehrabi, principal autor do estudo e professor adjunto de estudos ambientais do Mortenson Center in Global Engineering, da Universidade de Colorado, em Boulder, disse que a insegurança alimentar é mais um problema de pobreza, distribuição e acesso limitado aos alimentos, do que de sua produção.
De acordo com Mehrabi, os efeitos da mudança climática são cada vez mais graves e as políticas devem se concentrar em criar uma resistência sistêmica, em vez de responder a casos individuais de condições meteorológicas extremas. “É aqui que a sociedade deve concentrar seus esforços para aumentar o nível de vida em geral. Só assim podemos esperar que os fenômenos extremos não afetem os mais vulneráveis”, disse.
“Da mesma forma, temos que cuidar de nossos ecossistemas, porque fornecem a tábua de salvação para a agricultura: se os perdermos, nossa capacidade para enfrentar os eventos extremos diminui massivamente”, acrescentou.
A equipe de pesquisadores internacionais destacou que, mesmo antes da guerra na Ucrânia e a atual guerra civil na Etiópia, que interromperam as cadeias de fornecimento e produção de alimentos, conflitos como os da Síria e do Iêmen ameaçavam a segurança alimentar regional e mundial.
Esses distúrbios se veem agravadas por fenômenos climáticos extremos cada vez mais frequentes, como ondas de calor marinhas, inundações e secas.
Apesar dos dados do estudo, na América Latina, as preocupações com as ameaças à segurança alimentar ainda não estão diretamente relacionadas à escassez de água.
“Vivemos no paradigma da falsa abundância, em muitas regiões se pensa que existe água suficiente para a agricultura. As principais políticas estão mais focadas em abastecer as grandes cidades do que nos possíveis impactos para a produção agrícola”, comentou Francisco Javier Lemus Yáñez, professor da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais, da Universidade Autônoma do México.
Uma das características da região é que a maior parte das terras agrícolas é irrigada sazonalmente, dependem das chuvas, por isso as mudanças no clima que afetem os padrões de precipitação são particularmente preocupantes, argumentou.
“Já estamos vendo estragos. O clima está mudando, mas por enquanto são situações temporárias, mas isso não significa que não será um problema nos próximos anos”, acrescentou Lemus Yáñez. “Especialmente, em locais onde há má gestão da água, corrupção e má distribuição do recurso”.
Em muitas partes da região está ocorrendo uma mudança no uso do solo para ganhar mais área para a agricultura e produzir mais produtos exportáveis. Hoje, a região é o segundo ponto com o maior índice de desmatamento (atrás apenas do sudeste asiático). Foram perdidos milhões de hectares de floresta devido à agricultura ilegal e o cultivo de soja, carne bovina e óleo de palma, principalmente.
É o mesmo que disse Jessica Hernández Ortiz, ex-assessora da Comissão Nacional da Água do México: “devido às secas e eventos extremos, como furacões, chuvas, nevascas, a produção se vê periodicamente afetada”, mas “ainda não é uma crise” que coloque em risco a segurança alimentar.
Os autores do artigo publicado em One Earth pedem maior colaboração e coordenação entre os pesquisadores que estudam as ameaças específicas aos sistemas alimentares, para que os responsáveis pela tomada de decisões tenham informações abrangentes, modelos atualizados e ferramentas pertinentes, conforme forem surgindo as ameaças.
Os países precisam passar de políticas protecionistas e nacionalistas a formas colaborativas de governança, e precisamos começar a nos fazer perguntas como: “qual é o impacto da governança para sistemas alimentares resilientes?”, disse Mehrabi.
Lemus Yáñez também está convencido de que a governança dos sistemas alimentares e a gestão da água devem ser colaborativas. “A única forma de conseguir isso é gerando acordos horizontais, onde todos os atores, sobretudo os de baixo, realmente se comprometam. Podemos gerar muitas leis, mas se as pessoas não se sentirem parte delas, não as respeitarão”, afirmou.
Segundo Mehrabi, a governança colaborativa “é uma ideia impopular, mas a realidade é que, a longo prazo, o mundo todo se beneficiará. Precisamos de políticas que se concentrem em estabelecer confiança entre os atores dentro dos países e entre eles, uma confiança que permita abordar os grandes problemas com seriedade”.
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Escassez de água ameaça a segurança alimentar global - Instituto Humanitas Unisinos - IHU