01 Julho 2022
Duas exposições de fotografias no formato online contempladas pelo XVI Prêmio Marc Ferrez de Fotografia, da Fundação Nacional de Artes (Funarte), chegam ao público com temas atuais e de grande impacto no Brasil atual. Elas abordam assuntos como o contraponto às narrativas colonizadoras sobre a identidade indígena no país e as queimadas que destruíram parcialmente biomas brasileiros.
A reportagem é de Alicia Lobato, publicada por Amazônia Real, 29-06-2022.
Com valor de R$10 mil, o prêmio contemplou 50 projetos. Alguns dos contemplados pretendem também levar as exposições também para o formato presencial. O prêmio busca incentivar a nova produção fotográfica e a transversalidade com as artes e outras áreas do conhecimento, em especial aspectos do patrimônio, meio ambiente e turismo sustentável.
Um dos projetos contemplados foi o “Álbuns Originários” (confira aqui), de Santarém, no Pará, de autoria dos jornalistas Leonardo Milano e Júlia Dolce. Durante dois meses, Leonardo e Júlia se uniram às lideranças indígenas de três povos (Borari, Munduruku do Planalto e Tupinambá) para visitar aldeias e realizar pesquisas para resgatar e valorizar a memória em registros fotográficos de famílias indígenas. O objetivo foi retratar uma cultura além de uma linguagem exótica e colonizada.
Júlia conta que a pesquisa fotográfica começou a partir do interesse de encontrar outras narrativas da história e, assim, surgiu a ideia de trabalhar com álbuns de famílias indígenas. “A narrativa que hoje é feita sobre os povos originários e amazônidas em geral precisa mudar”, afirma Leonardo, lembrando que muitas vezes o que se sobrepõe na mídia é uma narrativa embranquecida e desconectada com as realidades.
Segundo Júlia, o caminho para ir nessa contramão surgiu da “ideia de que a fotografia doméstica feita pelos próprios povos indígenas é uma representação de como esses povos se enxergam, em oposição às lentes brancas que historicamente retratam e constroem os arquétipos em volta das identidades indígenas”.
O acervo fotográfico, que pode ser acessado livremente, além de retratar a vida de várias famílias é uma forma de mostrar a história indígena de Santarém e revelar que essas comunidades estão presentes no município há muito tempo, comprovando a presença em seus territórios, até hoje não demarcados pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
A exposição “Álbuns Originários” é uma oportunidade para as próximas gerações de indígenas recuperarem lembranças familiares. Júlia conta que a cada visita feita o sentimento era diferente. “Eu me sentia muito privilegiada por estar tendo contato com documentos tão íntimos e raros. São relíquias familiares e as famílias foram muito generosas em compartilhá-las com a gente”.
Algumas imagens encontradas são datadas do anos 1990, ou seja, são historicamente recentes. As datas de muitos dos álbuns de fotos de famílias indígenas coincidem com um período em que os equipamentos analógicos se popularizaram, para logo em seguida serem substituídos pelos celulares e imagens digitais.
“A fotografia sempre foi um privilégio de famílias brancas de classe média e ricas do sul e sudeste do país”, diz Leonardo. “Acho que minha maior surpresa, negativa, foi constatar que essas histórias estão se perdendo, desbotadas e diluídas na umidade amazônica”, lamenta.
Fotos dó projeto "Álbuns Originários" de Leonardo Milano e Júlia Dolce. (Foto: Reprodução | Amazônia Real)
Para os dois autores do projeto, é importante que a exposição das fotos faça sentido para as famílias indígenas e que elas entendam o processo como uma valorização da memória indígena ou até como algo que pode auxiliar no fortalecimento identitário territorial em relação às ameaças que vivem.
O projeto, realizado em 2022, quando grande parte da população já estava vacinada contra a Covid-19, poderá ser levado presencialmente às comunidades que tiveram fotos utilizadas, em uma exposição na escola Borari, em Alter do Chão, em Santarém.
Para Leonardo, existem muitas diferenças entre a imagem vista no celular e a foto impressa. “Acho que é outra emoção, a do tato associado à visão. Para mim, isso ficou evidente no olhar de encantamento dos alunos com as fotos antigas”, diz. “Esperamos que sirva de referência, não só para as próprias famílias que muito generosamente contaram um pouco das suas histórias, mas para estudantes e pesquisadores”.
Imagem da série "Open Fire" de Marilene Ribeiro. (Foto: Reprodução | Amazônia Real)
Outro projeto contemplado pela premiação foi a exposição “Fogo Aberto” (confira aqui), da fotógrafa Marilene Ribeiro, de Minas Gerais. Ela criou uma plataforma multimídia com fotografias que acompanham áudios e textos com foco nos incêndios que aconteceram recentemente no território brasileiro, muitos deles criminosos.
A autora fotografou, com câmera analógica de médio formato, áreas naturais consideradas relevantes para a conservação do Brasil. Depois de revelar as películas fotográficas, as queimou, reproduzindo a representação da agressão aos locais registrados. Após a queima, o material resultante foi digitalizado, editado e colocado em diálogo com reflexões e situações que a artista vivencia no cotidiano em relação ao tema.
A exposição debate questões socioambientais no país, lembrando ocorrências como o “Dia do fogo”, em 2019, no Pará, quando fazendeiros queimaram grandes áreas de floresta. Marilene conta que a ideia para o seu projeto surgiu justamente desse acontecimento:
“Foi um dia que representou oficialmente o que vem acontecendo na Amazônia há muito tempo, um momento dramático, nacional e internacionalmente do ponto de vista de repercussão. Todo mundo ficou comovido, foi uma coisa absurda e aquilo mexeu comigo. Como artista estamos sempre absorvendo essas situações”, diz.
A fotógrafa conta que outras violações a incentivaram a retratar o tema. Em 2020, quando ocorreu outro grande incêndio no Pantanal, a ideia começou a ser formatada.
Por conta da pandemia, a exposição encontra-se apenas online e disponível em dois idiomas (português e inglês). Dessa forma, o trabalho ganha ferramentas de acessibilidade. A ideia de uma exposição multimídia é fazer com que o interlocutor se sinta dentro das imagens. “Fotografia de paisagem dá trabalho, é uma logística muito grande, eu queria que todo esse processo fosse transmitido, percebido também pelo interlocutor”, afirma.
Para ela, falar sobre o fogo é falar sobre a destruição que ocorre nos biomas brasileiros e, apesar de ser dolorido, o processo de violar as fotografias é uma forma que encontrou de transmitir o que observou em relação aos crimes ambientais. As imagens interagem com os textos e possibilitam que os visitantes da exposição virtual tenham a dimensão da magnitude da destruição que estamos vivendo.
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Exposições de fotos impactam com representações de incêndios e histórias de famílias indígenas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU