08 Junho 2022
Veneno lançado de avião caiu sobre lavouras que ajudam a preservar floresta em pleno arco do desmatamento.
A reportagem é de Murilo Pajolla, publicada por Brasil de Fato, 07-06-2022. A edição é de Felipe Mendes.
Não é fácil ser pequeno agricultor de alimentos orgânicos na Amazônia. A falta de infraestrutura de transportes e a distância dos grandes centros consumidores impõem desafios logísticos proporcionais ao tamanho da maior floresta tropical do mundo. Para piorar, nos últimos anos a expansão desenfreada da fronteira agropecuária tornou mais comum uma prática contra a qual esses produtores não têm defesa: o despejo de agrotóxicos por aviões, que envenena cada vez mais as lavouras familiares e a vegetação nativa.
A pulverização aérea é usada como método rápido para desmatar e preparar o solo para soja ou pecuária. Entre 2010 e 2020, a “chuva de agrotóxicos” caiu sobre 30 mil hectares de áreas rurais em todas as regiões do Brasil. O dado é de um levantamento da Repórter Brasil e Agência Pública divulgado no fim do ano passado, com base em dados da fiscalização do Ibama.
Em Apuí (AM), dez produtores do assentamento Rio Juma ainda estão sob impacto psicológico do primeiro caso de “chuva de agrotóxicos” na região, registrado em fevereiro deste ano.
À Polícia Civil, os moradores relataram que um dos primeiros sinais de contaminação foi o desaparecimento de pássaros e insetos que se alimentam das plantações. Dias depois, folhas começaram a amarelar.
Um dos produtores, que cultiva café orgânico por meio de Sistemas Agroflorestais (SAFs), terá que comercializar a produção sem a certificação orgânica, após anos de dedicação às adequações necessárias à modalidade de produção.
O Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), que presta assessoria para agricultores na região, informou que o despejo de agrotóxicos pela aeronave não chegou a inviabilizar a safra orgânica, mas vai deixar prejuízos ao agricultor.
“São produtores familiares, que não têm uma grande produção. O impacto do valor, às vezes, para outras pessoas, não é tão grande. Mas para eles é muito significativo por eles dependerem daquela produção”, afirma o diretor técnico do Idesam, André Vianna.
Áreas afetadas por veneno são últimos remanescentes da agricultura familiar em Apuí (Foto: Brasil de Fato | Reprodução/Wikipedia/Incra)
Logo após o atentado em Apuí (AM), a Polícia Civil do Amazonas (PC-AM) divulgou que, em outras propriedades, a substância química causou danos em culturas de laranja, limão, mandioca, abóbora, gergelim e eucalipto.
Pelo menos dez pequenos agricultores sofreram intoxicação. Eles resistem às pressões do agronegócio para vender as terras, em um município marcado pela grilagem, onde há 160 mil cabeças de gado, sete vezes mais do que a quantidade de moradores.
“A gente entende que a agropecuária pode ser praticada respeitando a legislação vigente. Mas hoje há muitas ações de grilagem. Isso ocorre muito pelo custo baixo da terra que vem da informalidade”, avalia o diretor do Idesam.
“Então é importante que se tenha programas efetivos de regularização fundiária para evitar vendas, ocupações e disputas por territórios. E que isso venha acompanhado por medidas de comando e controle”, completa.
Cercados pelo agronegócio, os pequenos produtores remanescentes em Apuí evitam enfrentar o poder econômico. O mandante da “chuva de agrotóxicos” foi identificado pela investigação, mas nunca teve seu nome revelado pela polícia.
Ao Brasil de Fato, a PC-AM se limitou a informar que “os autores irão responder pelo crime de uso indiscriminado de agrotóxicos, dano e lesão corporal culposa”, sem informar se eles foram presos. O inquérito policial foi concluído e remetido à justiça.
Junto com o comércio e a ocupação ilegal das terras, vem a sensação de que o crime ambiental compensa. Segundo levantamento da Agência Pública e da Repórter Brasil, foram pagas apenas três das 14 multas aplicadas pelo despejo de agrotóxicos por aeronaves no período de 10 anos. O valor total das autuações é de R$ 72 milhões.
Os pequenos produtores de Apuí estão no chamado “arco do desmatamento”. É uma região de intensa degradação ambiental que vai do Acre ao Maranhão, onde a vegetação nativa e a agricultura familiar estão sendo rapidamente substituídas por pasto e commodities agrícolas.
O uso de pesticidas para derrubar a floresta foi comprovado por um estudo da pesquisadora Larissa Bombardi, da Universidade de São Paulo (USP). O trabalho, denominado Geografia da assimetria: o ciclo vicioso de pesticidas e colonialismo na relação comercial entre o Mercosul e a União Europeia, mapeou as áreas onde o uso de agrotóxicos e o desmatamento mais aumentaram.
Uso de agrotóxicos no arco do desmatamento (Foto: Larissa Bombardi | Reprodução/Brasil de Fato)
A agricultura familiar na Amazônia é essencial para manter a floresta de pé e ajudar na regulação do clima no planeta, conforme já reconheceu o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) das Nações Unidas.
“Se a gente entende que é importante conservar a floresta por razões ambientais, de garantia de de recurso hídrico, garantia de de clima e de segurança climática, então é importante que governos e o mercado contribuam com esse com esse serviço que os produtores familiares, extrativistas, ribeirinhos, quilombolas e indígenas estão prestando”, pondera André Vianna, do Idesam.
Na Amazônia, esse papel é feito por produtores, cooperativas e associações, que produzem com técnicas ancestrais aperfeiçoadas ao longo das gerações. “Se o produtor ou o extrativista não estiver tendo o retorno necessário para ele, ele vai acabar migrando para outro modelo de produção”, alerta o diretor técnico.
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Chuva de agrotóxicos afeta produção orgânica de pequenos agricultores na Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU