07 Junho 2022
"Seja onde for, esse é um pouco do retrato do Brasil neoliberal, onde o agro é pop, e o país se destaca na exportação de 'commodities', um produto que a maioria dos brasileiros e brasileiras sequer conhece por duas razões: uma, porque não sabe inglês; depois, porque essa 'coisa' não chega à mesa do povo. Triste país em que 'commodities' engordam animais no estrangeiro, enquanto a gente de casa passa fome!", escreve Edelberto Behs, jornalista, que atuou na Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil – IECLB de 1974 a 1993, como repórter e editor do Jornal Evangélico e depois como assessor de imprensa.
O sinal no cruzamento da Avenida Theodomiro Porto da Fonseca com a Rua Presidente João Goulart, em São Leopoldo, fecha. Do canteiro salta um homem, aparentemente de uns 35 a 40 anos de idade. Veste uma calça puída, um casaco velho e traz na cara uma máscara com nariz de palhaço, óculos de criança cor vermelha, lentes esverdeadas, e um chapéu com uma cabeleira postiça.
Pois este ser parou-se em frente aos carros e começou a jogar um pano velho para o ar, atacando-o na queda. Não é preciso qualquer habilidade para esse “malabarismo”. Mas é o que restou a esse cidadão, neste mercado uberizado, num país em que pessoas seguem o caminhão do lixo para ver se conseguem algum osso de galinha e frutas e verduras passadas, jogadas fora.
Sobe pano e desce pano, e o palhaço a fazer malabarismos em busca de um “troquinho”, uma moeda qualquer. Sabe-se lá se o palhaço é solteiro, casado, tem filhos, mora numa espelunca ou sob os vãos que sustentam os trilhos do Trensurb, onde consegue um frágil abrigo contra a chuva. Seja como for, ele deve guardar muito bem os óculos, o chapéu e a máscara para amanhã continuar o seu show.
Abre a sinaleira da Rua Bento Gonçalves, esquina com Avenida Theodomiro Porto da Fonseca. O rapaz corre de carro em carro torcendo para que o sinal não abra logo. Ele coloca no espelho duas barras de torrone. Volta para o primeiro carro e recolhe o produto ou recebe os 2 reais de quem fica com o doce.
Sábado de Aleluia, Rua Grande, artéria central de São Leopoldo, ladeada por casas comerciais de todos os tipos e tamanhos. Um casal caminha descontraidamente pela calçada. Ele com uma camiseta do Internacional, ela com uma calça preta e um casaco preto velho, comprido até a altura do joelho. Observam vitrinas e lojas com oferta de ovos de Páscoa. Mas não compram nenhum chocolate, sequer uma barra.
O casal passa em frente a uma loja de vestuário, com balões brancos e vermelhos presos por fita durex na marquise, enfeites para chamar a atenção de transeuntes. A mulher dá uma breve paradinha, puxa um balão vermelho pela corda suspensa e tenta arrancá-lo. Não o consegue na primeira tentativa. Mas não desiste, e puxa-o de novo, agora sim, vencedora.
A mulher segue pela rua principal da cidade, arrastando atrás de si o balão vermelho. Talvez o balão tenha sido o único presente que ela pôde alcançar ao filho, à filha, nesta Páscoa. Arrancar balões era, no passado, molecagem de gurizada. Também na Rua Grande, a cada quadra tem o garoto vendendo bala de goma, a moça oferecendo um bordado, o senhor de muletas esperando uma esmola e índias sentadas na calçada, rodeadas de filhos, expondo artesanato.
Ponta Grossa, no Paraná. Um garoto curioso, em idade escolar, caminha entre os carros parados na sinaleira, encara motoristas, na expectativa de ganhar uma moeda. Foz do Iguaçu, a mulher maltrapilha carregando um filho no ombro, que dorme, se arrisca entre carros, também em sinaleira, ofertando dropes de hortelã a dois reais. Mais adiante, outra sinaleira, a oferta encaminhada por adultos vai de bergamotas a capa de chuvas para quem se dirige às cataratas do Iguaçu.
Soledade. Parado em frente à padaria, um homem de seus lá 35 anos aguarda a saída de clientes para ver se sobrou algum pão, pacote de bolacha, um troquinho, um litro de leite...
Seja onde for, esse é um pouco do retrato do Brasil neoliberal, onde o agro é pop, e o país se destaca na exportação de “commodities”, um produto que a maioria dos brasileiros e brasileiras sequer conhece por duas razões: uma, porque não sabe inglês; depois, porque essa “coisa” não chega à mesa do povo. Triste país em que “commodities” engordam animais no estrangeiro, enquanto a gente de casa passa fome!
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Sobe pano, desce pano, o palhaço não desiste. Artigo de Edelberto Behs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU