Padres novos, Igreja antiga

Missa com Rito Tridentino | Foto: Reprodução - Twitter

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03 Junho 2022

 

"A Igreja se concentrou muito na figura do padre: era a paróquia 'tridentina' inteiramente centrada em seu 'pastor' e reunida em torno de sua torre sineira. Essa Igreja ainda existe um pouquinho, mas todos temos a sensação de que está acabando rapidamente. Não só está acabando, mas tem dificuldades para perceber isso."

 

A opinião é de Alberto Carrara, padre, Diocese de Bérgamo, Itália, em artigo publicado por La Barca e il Mare, 02-06-2022, comentando a ordenação presbiteral de cinco jovens. A tradução é de Luisa Rabolini

 

Segundo ele, "confirma-se uma sensação que já havíamos sentido em outras ocasiões. Esta: a Igreja caminha nos vértices, mas se arrasta na base. O Papa tem muito mais coragem do que os bispos e os párocos".

 

Eis o artigo. 

 

Cinco padres são “muitos”

 

“São muitos” é um dos comentários que se ouviram. Padre Francesco Pellegrini, meu coirmão canônico, lembrou-nos que quando foi ordenado padre em 1955, foram 44 novos sacerdotes (33 diocesanos, 7 do Instituto Paradiso, 4 religiosos: também todos de Bergamo). Outros tempos. Mas, justamente, eram outros. O que também significa que os nossos tempos são totalmente novos em comparação com o passado. Sabemos muito bem disso e isso nos leva a nos perguntar para onde estamos indo, que tipo de Igreja está nascendo diante de nossos olhos. Como viver uma Igreja que não ordena mais 44 padres, mas apenas cinco e mesmo assim acaba dizendo que esses cinco padres são muitos?

 

Não é um fato secundário porque a Igreja se concentrou muito na figura do padre: era a paróquiatridentina” inteiramente centrada em seu “pastor” e reunida em torno de sua torre sineira. Essa Igreja ainda existe um pouquinho, mas todos temos a sensação de que está acabando rapidamente. Não só está acabando, mas tem dificuldades para perceber isso. A atitude fundamental de muitos crentes e sobretudo de muitos padres não é aquela de se perguntar para onde estamos indo, mas de onde se partiu.

 

O Papa João não perguntou à base se deveria realizar o Concílio.

 

Veio-me espontaneamente comparar esses "dados" com as novidades que amadureceram na Igreja italiana nos últimos dias. O Papa Francisco escolheu como presidente da Conferência Episcopal Italiana o cardeal Zuppi, uma figura exemplar da Igreja em caminho, da outra Igreja que está mais preocupada em olhar para a frente do que para trás, de inventar o futuro em vez de conservar o passado. Confirma-se, portanto, uma sensação que já havíamos sentido em outras ocasiões. Esta: a Igreja caminha nos vértices, mas se arrasta na base. O Papa tem muito mais coragem do que os bispos e os párocos.

 

Eu tento encontrar algum consolo. O único que consigo formular é que, pelo menos nos tempos mais recentes, é quase sempre assim. Pelo menos algumas grandes reformas e alguns grandes eventos "vieram de cima". Se o Papa João (João XXIII) tivesse pedido à base da Igreja, e mesmo se tivesse perguntado à cúria de Roma se deveria ou não fazer o Concílio, o Concílio, muito provavelmente, não teria sido feito. Por outro lado, este é o preço a pagar pela centralização da Igreja que é um fenômeno recente.

 

“Não há profetas e não se sabe até quando”

 

Penso também no fato de que, especialmente na Igreja local, é difícil encontrar grupos, pessoas de cultura, teólogos… que promovam as grandes reformas. Primeiro, essas forças vivas desapareceram ou diminuíram e segundo, mesmo onde e quando existem, permanecem isoladas, sem força. Hoje, a força das ideias é fraca. “Todos os profetas armados vencem e os desarmados desmoronam”, diz Maquiavel. Muito verdadeiro. Hoje os profetas são poucos, e esses poucos não têm armas. E mesmo que, eventualmente, raramente, as tenham, estas acabam sendo armas impróprias.

 

Estou pensando, em particular, na Igreja de Bérgamo. Os homens de cultura, especialmente o seminário, usam as poucas forças à sua disposição mais para salvar a si mesmos do que para mudar a Igreja. E mesmo que quisessem mudar a Igreja, não conseguiriam porque o bispo e a maioria - não todos, espera-se, mas a maioria - de seus colaboradores consideram que já é uma grande empreitada salvar o que existe em vez de inventar aquilo que não existe.

 

E assim nos resignamos. Devemos nos resignar.

 

E assim o antigo lamento do Salmo 74 torna-se novamente relevante: “Já não há profetas nem há entre nós alguém que saiba até quando isto durará…”.

 

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