01 Junho 2022
A natureza tem a capacidade de nos unir também porque abre para uma dimensão da vida verdadeiramente aberta a todos, a “contemplação”: é possível ficar em silêncio diante de um panorama de montanhas ou de mares, independentemente do que se crê ou não.
A reflexão é de Ignazio De Francesco, monge italiano da Piccola Famiglia dell’Annunziata e delegado para o diálogo da Igreja de Bolonha, na Itália. O artigo foi publicado em Settimana News, 31-05-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Explode deste modo aquilo que, na minha total ignorância botânica, até a noite anterior, não passava de um anônimo arbusto esverdeado e desgastado. A surpresa, portanto, é de tirar o fôlego, também pela intensidade narcótica do perfume.
Eu vivo em uma terra dura, de pedras, lágrimas e sangue. Em todo esse esforço, da terra e de quem nela vive, porém, podem ocorrer coisas como essa, que não devem ser ignoradas, pois é como se aquele arbusto tivesse subido à cátedra para a sua “lectio magistralis”.
A emergência ambiental nos agarra, nos angustia, nos deixa sem fôlego (literalmente), mas também tem o poder de nos unir, para além das religiões e das culturas. Colegas na escola da natureza, damos voz a ela, cada um de acordo com aquilo que sabe e entende sobre ela.
O chamado “ecologismo islâmico”, por exemplo, tem coisas interessantes a comunicar, a começar pela ênfase posta na espécie humana como uma realidade “interna” à natureza, como parte de um todo, cujo maravilhoso equilíbrio deve ser preservado.
A tecnociência, com as suas repercussões industriais/mercantis, projetou a nossa espécie cada vez mais para fora do mundo natural, cada vez mais para a posição de Outra em relação a ele, um estranho explorador e tirano.
É muito interessante, então, a fatwa emitida em 2014 pelo Conselho dos Ulemás da Indonésia, para a proteção dos animais da floresta. Um pronunciamento único no seu gênero, que começa assim:
“Hoje existem muitas espécies em perigo, como tigres, rinocerontes, elefantes, orangotangos e outros tipos de mamíferos, aves e répteis, que estão à beira da extinção devido aos comportamentos humanos. O homem é criado por Deus como um vice-regente sobre a terra, que executa o mandato e é responsável pela prosperidade de todas as criaturas. Todos os organismos vivos, incluindo as espécies em perigo, são criados por Deus a fim de manter um ecossistema equilibrado e submetido aos interesses de um bem-estar humano sustentável. Consequentemente, a espécie humana deve proteger e preservar o equilíbrio do ecossistema, para que não sofra danos.”
Os sábios indonésios obviamente procedem a partir da sua fé em um Deus criador, mas a mensagem de fundo me parece válida também para espíritos seculares.
O fato de a “folha docente” ter o poder de nos unir também é demonstrado por Najma Mohamed, muçulmana da África do Sul e hoje líder da Green Economy Coalition (um agrupamento de mais de 50 organizações ecologistas). Na sua recente tese de doutorado (“Revitalising an Eco-Justice Ethic of Islam by way of Environmental Education”) ela recorre à fórmula “ecoteologia da libertação”, para contar como a experiência sul-africana do ambientalismo também foi valiosa como ponte entre as religiões: o Southern African Faith Communities’ Environment Institute é um dos frutos dessa orientação.
Na mesma direção vai a EcoPeace Middle East (fundada em 2014 como desenvolvimento de um processo iniciado em 1994 no Egito), com escritórios em Israel, Palestina e Jordânia: em uma área do mundo tão dividida e divisiva, operadores judeus e árabes mostram, entre outras coisas, o potencial do ecologismo para a construção de políticas de paz.
Até mesmo a ferida aparentemente incurável entre sunitas e xiitas pode encontrar nesse âmbito oportunidades de cicatrização, como bem ilustrado por um pesquisador paquistanês, Saleem Ali, sobre o Iraque (“Peace Parks: Conservation and Conflict Resolution”).
A natureza tem a capacidade de nos unir também porque abre para uma dimensão da vida verdadeiramente aberta a todos, a “contemplação”: é possível ficar em silêncio diante de um panorama de montanhas ou de mares, independentemente do que se crê ou não. O motivo é que a “folha na cátedra” não é apenas mestra de noções, mas também de emoções, não só professora, mas também poeta. É por isso que ela pôde inspirar o texto poético mais antigo (ao que parece) da literatura italiana, o “Cântico das Criaturas”:
“Laudato si’, mi’ Signore, per sora nostra matre terra, la quale ne sustenta et governa, et produce diversi fructi con coloriti flori et herba.”
“Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã, a mãe Terra, que nos sustenta e governa, e produz frutos diversos e coloridas flores e ervas.”
Nessa floração descrita pelo Pobrezinho de Assis, Francisco, filho de Bernardone, coloco também aquele anônimo arbusto palestino que, em uma manhã de maio, em meio a tanto esforço, explodiu de vida.
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Quando uma folha sobe à cátedra. Artigo de Ignazio De Francesco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU