28 Abril 2022
"Pessoalmente, continuo fascinado pela apresentação cristã de Jesus: a ideia de um Deus que transmigra de alturas sublimes para ser solidário com os perdedores, incluindo os maus, e voltar a subir com eles. Ao mesmo tempo encontro, nas fontes islâmicas, vestígios de uma ponte secreta entre as duas margens", escreve Ignazio de Francesco, monge dossettiano da Pequena Família da Anunciação, em artigo publicado por Settimana News, 27-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na atmosfera ainda amena do pequeno vilarejo palestino onde moro, as vozes das liturgias cristãs da Páscoa se entrelaçam com aquelas islâmicas do mês do Ramadã. O badalar triste dos sinos, trilha sonora da Paixão de Jesus, é ecoado pelos chamados à oração dos alto-falantes da mesquita construída no fundo do wadi.
Como se sabe, Jesus une e divide. O Islã o honra como profeta, mas nega categoricamente sua natureza divina. Com base em Cor 4,15, os estudiosos muçulmanos também argumentam que ele realmente não morreu na cruz. Para os cristãos, ao contrário, a divindade de Jesus e a morte para a salvação do mundo são pontos cardeais da reta fé.
Quem observa o debate de fora, com curiosidade secular, obviamente tem o direito de sugerir que ambas as posições nada mais são do que elucubrações humanas, fruto de cabeças em busca de sentido.
Pessoalmente, continuo fascinado pela apresentação cristã de Jesus: a ideia de um Deus que transmigra de alturas sublimes para ser solidário com os perdedores, incluindo os maus, e voltar a subir com eles. Ao mesmo tempo encontro, nas fontes islâmicas, vestígios de uma ponte secreta entre as duas margens.
Na carta que Hasan al-Basri (d. 728) dirigiu a 'Umar b. ʿAbd al-ʿAziz, o califa de Damasco que entrou para a história como modelo de piedade (bem como o primeiro autor de uma política sistemática de discriminação contra os cristãos), o sábio iraquiano apresenta Jesus como o ideal de santidade, fazendo-o falar na primeira pessoa: "Meu alimento é a fome, minha marca é o temor, minha veste é de lã, minha montaria os meus pés, a lua minha lâmpada de noite, o sol meu aquecedor para o inverno, minha fruta e minhas especiarias o que a terra faz brotar para os animais selvagens e os rebanhos; passo a noite sem possuir nada, mas ninguém é mais rico do que eu”.
Não é possível encontrar essa citação nos evangelhos canônicos, mas o contexto é claro: trata-se de uma reelaboração do Sermão da Montanha (bem-aventurados os pobres, bem-aventurados os mansos, bem-aventurados os que choram...) o texto que teria arrebatado até mesmo Gandhi.
No entanto, a citação torna-se explícita no Livro da Ascese (Kitab al-zuhd) de Abdallah Ibn al-Mubarak (d. 797), um mercador persa com vastos interesses literários: "Quando um de vocês jejuar, que unte sua cabeça e barba e limpe os seus lábios, para que não vejam que está jejuando. E o que ele dá com a direita, fique escondido da esquerda. E quando ele ora, faça correr a cortina de sua porta, pois Deus, o Altíssimo, distribui a boa reputação como faz com o alimento”. Deve-se notar que as palavras de Jesus chegam ao autor da obra através de uma cadeia de nomes árabes, sem uma referência explícita ao Evangelho (Mt 6).
O que tudo isso significa? Num momento em que o Islã estava testemunhando uma prodigiosa expansão territorial, uma colheita de riquezas materiais que fizeram Damasco e depois Bagdá capitais de mil e uma noites, com todas as implicações imagináveis de opulência, abuso, corrupção, exploração da religião para fins mundanos, como havia sido nas capitais do império cristão, a figura de Jesus "manso e humilde de coração" foi adotada pelos devotos do Islã como modelo de piedade e alento para resistir às seduções do século.
Se em Maomé os muçulmanos reconhecem o "selo da profecia", Jesus é apontado como o "selo da santidade". No Livro do ascetismo de Ibn Hanbal é relatada a afirmação de ῾Abd Allāh b. ῾Umar (d. 693), uma das personalidades mais eminentes do Islã primitivo: "A coisa mais amada por Deus são os estrangeiros". Perguntaram-lhe: "Quem são os estrangeiros?" Ele respondeu: "Aqueles que com sua fé fogem do mundo se reunirão com Jesus no dia de sua ressurreição".
Os textos citados são de La ricerca del Dio interiore (Paoline 2008) e Detti islamici di Gesù (Mondadori 2009) editados por mim (o segundo com Sabino Chialà).
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Aquele Jesus secreto entre o campanário e o minarete - Instituto Humanitas Unisinos - IHU