10 Mai 2022
A repórter de justiça climática do The Guardian publicou Quien mató a Berta Cáceres?, em que investiga o assassinato da ativista e a corrupção em Honduras.
A entrevista é de Elisanda Pallares, publicada por Climática-La Marea, 09-05-2022. A tradução é do Cepat.
No dia 02 de março de 2016, dois dias antes de completar 45 anos, um pistoleiro atirou em Berta Cáceres à queima-roupa em sua casa em La Esperanza. Um ano antes de ser assassinada, ela tinha recebido o Prêmio Goldman, o máximo reconhecimento para defensores da natureza, por liderar um movimento de oposição à construção de Agua Zarca, uma hidrelétrica financiada internacionalmente no rio Gualcarque, lugar sagrado para o povo lenca.
A jornalista britânica Nina Lakhani pensou que se assassinaram Berta Cáceres, seriam capazes de matar qualquer um. Publicou Quem matou Berta Cáceres?, livro que reúne sua exaustiva investigação do caso através de mais de cem entrevistas. Ao mesmo tempo, joga luzes sobre as áreas mais sombrias de Honduras após o golpe de 2009. Uma jornada em busca de justiça e uma homenagem à ativista ambiental mais conhecida da América Latina.
Quem matou Berta Cáceres? Em 2021, uma sentença condena David Castillo, diretor da empresa DESA, como um dos autores intelectuais. A justiça foi feita?
Acredito que parte da justiça foi feita. No primeiro julgamento, em 2018, sete sujeitos, os pistoleiros e vários intermediários, foram condenados. E no ano passado, David Castillo, fundador e presidente da DESA [Desenvolvimentos Energéticos S.A.], empresa que executava o projeto hidrelétrico Agua Zarca e ex-oficial de inteligência militar treinado nos Estados Unidos, foi condenado. Claro, ele teve um papel muito importante no assassinato de Berta, mas ainda faltam responsáveis.
Penso que não devemos ver o assassinato como um fato isolado. Também houve uma campanha de terror contra ela, outros assassinatos, assédio sexual, militarização na área por parte de acionistas da empresa e funcionários do Estado. Sabemos que a empresa tinha a possibilidade de convocar e exigir a presença de forças especiais treinadas para reprimir as pessoas. Há muitas camadas de responsabilidade. Agora temos alguns responsáveis condenados, mas ainda faltam os responsáveis estatais.
Ela não foi a primeira nem a última ativista assassinada em Honduras, mas representa um caso emblemático. Conte-nos sobre o trabalho que Berta Cáceres realizava em sua organização, o COPINH (Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras).
Ela fundou o COPINH em 1993 e concentrou-se nas lutas territoriais, mas desde o início soube vincular os direitos territoriais com os direitos humanos, os direitos das mulheres, o direito a serviços básicos e aos recursos naturais. Sua luta contra a barragem Agua Zarca representou um projeto emblemático porque tinha todos os eixos. Tinha financiamento internacional, presença de empresas de países como a China, acionistas da oligarquia do Estado... E, além disso, atuou seguindo as táticas da contrainsurgência que estavam sendo realizadas contra os movimentos sociais em Honduras.
E contra a população indígena…
Sim, claro. Muitos dos projetos dados em concessão na América Latina são executados em áreas rurais e provocam um deslocamento forçado da população indígena. No caso de Río Blanco, é um rio que dá vida às comunidades. Sem rio não há vida porque oferece água para os animais, peixes que os alimentam e até remédios, porque dele se alimentam espiritualmente. Com uma barragem, as pessoas seriam forçadas a sair.
O projeto da barragem de Agua Zarca foi executado?
Não, o assassinato de Berta interrompeu o projeto, mas a concessão continua válida e, portanto, a ameaça também.
Você teve a oportunidade de entrevistá-la em 2013. Como era Berta Cáceres?
Eu a conheci em um período muito complicado para ela e para Honduras. O golpe de Estado [que derrubou o presidente Manuel Zelaya ] foi em 2009 e a conheci no contexto das eleições de 2013. Ela estava vivendo a vida de uma fugitiva porque tinha mandados de prisão emitidos por acusações falsas. Ela me informou que havia uma limpeza social em Honduras. Ela me concedeu uma entrevista na casa da sua mãe em La Esperanza. Era uma pessoa séria, comprometida e muito inteligente. Tinha a capacidade de explicar a luta local de Río Blanco em um contexto regional e global, em um contexto econômico e social. Sem ter estudos formais, tinha essa capacidade de fazer análises muito profundas e de explicá-las a um camponês.
Você conta no livro que ela se sentia ameaçada. Um dia antes de morrer, despediu-se de uma de suas filhas no aeroporto como se tivesse uma premonição de que seria a última vez que o faria.
Sim. Muitos dizem que Berta Cáceres não tinha medo. Sim, tinha medo, mas era corajosa. Entristecia-a não ter os filhos com ela, não poder andar pelas ruas, não poder tomar banho no rio, o que para ela era como se alimentar. Ela me disse: “Quero viver. Amo meu país e devemos refundá-lo para que os jovens não sejam obrigados a emigrar”. Ela tinha um grande compromisso com Honduras, embora tivesse se ferrado várias vezes.
A criminalização de ativistas de direitos humanos é frequente. Na Espanha temos o exemplo de Helena Maleno.
A criminalização sempre foi uma das táticas de repressão. Podemos vê-lo nos piores momentos da Europa. O fascismo na Espanha, Itália ou Alemanha aconteceu em um contexto legal. A lei sempre foi mal utilizada por projetos de política econômica. A criminalização e a tentativa de corromper os ativistas são estratégias frequentes. Em Honduras houve mais assassinatos depois de Berta e mais casos de criminalização. Se você consegue prender um ativista, o movimento é forçado a se concentrar em sua libertação e fica enfraquecido. Há outro caso em Honduras, o de Guapinol, no qual vários ativistas foram presos.
Como podem se organizar para se defender da repressão de seus próprios Estados?
É muito difícil. Alguns vão para os Estados Unidos. No caso de Berta e de seus companheiros, a Anistia Internacional emitiu comunicados e os definiu como presos políticos devido à criminalização que sofriam. Acho que o mesmo acontece na Europa, cada vez mais a lei é usada contra os cidadãos. Durante a pandemia, por exemplo, era difícil manifestar-se no Reino Unido. Cada vez mais, estão sendo feitas tentativas para evitar as manifestações sociais, qualquer que seja sua natureza.
No livro você narra paralelamente a história de Berta Cáceres e a história recente de Honduras. Você afirma que é o país mais perigoso para as mulheres.
Se analisamos os números, sim. O golpe de Estado marcou um antes e um depois em Honduras, tornou-se um Estado criminoso em vez de ser um Estado de direito. Em primeiro lugar, aumentaram o tráfico de drogas e transformaram o país em um lugar não só de trânsito, mas também de produção. Os próprios políticos fizeram isso. E também queriam vender os recursos naturais. Após o golpe, tornou-se o país mais perigoso para os advogados, para defender o meio ambiente e para fazer jornalismo. E quando me perguntam por que isso está acontecendo em países como Honduras ou México, sempre digo que não se trata de maçãs podres, mas de sistemas políticos projetados para funcionar dessa maneira.
No mesmo dia do veredito do julgamento pelo assassinato de Berta Cáceres, o Partido Nacional é acusado de atuar como uma estrutura criminosa. E vários parentes do presidente Juan Orlando Hernández foram acusados de tráfico de drogas e corrupção.
Sim. Eu acho que muitas pessoas cometeram um erro ao rotular Honduras como um país quebrado; é um Estado criminoso. Agora Juan Orlando Hernández está em Nova York e terá que responder por tráfico de drogas e tráfico de armas. Seu irmão já foi condenado. Um dos bancos que cito no livro e que tentou impedir a publicação, o FICOHSA [Financiera Comercial Hondureña S.A.], enfrenta acusações de ter apoiado Juan Orlando Hernández para esconder seus bens e sua riqueza. A luta por justiça e verdade é longa, mas pode ser alcançada.
Talvez a parte mais difícil seja perseguir o rastro do dinheiro.
Como jornalistas, nos preocupamos muito com outras partes das histórias e, embora seja a mais difícil, seguir o rastro do dinheiro é a mais importante. Mais da metade dos investimentos da Corporação Financeira Internacional do Banco Mundial são realizados por meio de outros bancos ou empresas. Imagine como é difícil seguir o rastro do dinheiro quando um megaprojeto chega a uma comunidade da Nigéria ou das Filipinas. Falta transparência total. Sabemos o que sabemos do caso Agua Zarca graças à força de Berta, de sua família e da investigação, mas existem milhares de casos como este.
Xiomara Castro é a nova presidente de Honduras desde janeiro. A situação turbulenta dos últimos anos está melhorando?
Penso que o terror certamente diminuiu e que há esperança. Xiomara Castro foi a primeira-dama de Manuel Zelaya, o presidente deposto pelo golpe de Estado. Eu diria que não há políticos que sejam anjos. No entanto, agora muitas pessoas formadas que foram forçadas ao exílio voltaram e a presidente está formando uma boa equipe. Acontece que têm que reconstruir um país do zero. O Estado de direito foi destruído em Honduras; é preciso reconstruir o sistema educacional, o sistema de saúde... Tudo.
A família de Berta Cáceres continua com seu legado?
Sua segunda filha, Bertita, é a atual coordenadora do COPINH. Seus quatro filhos são pessoas comprometidas e a organização está se fortalecendo novamente depois que o assassinato de Berta conseguiu enfraquecer todos os movimentos ativistas. Quando foi morta, era a defensora dos direitos humanos mais reconhecida da América Latina. Ganhara o Prêmio Goldman, fora recebida pelo Papa Francisco no Vaticano. E ainda assim eles a assassinaram. Isso teve um grande impacto.
Você recebeu represálias por conta da publicação do livro?
Claro. Eles tentaram impedir sua publicação. Houve uma campanha em que fui rotulada de terrorista midiática. Acusaram-me de manchar o bom nome das Forças Armadas. Faz anos que não visito Honduras pelo ar, sempre vou por terra porque tenho medo de que me detenham no aeroporto. Durante o primeiro julgamento, lançaram uma declaração de um falso grupo de camponeses em que me declararam persona non grata. Tenho amigos que me dizem: em Honduras não vão me matar... mas pode acontecer um acidente comigo. E se me matarem, podem dizer que alguns membros de gangue fizeram isso porque me ligaram a um caso de crime organizado.
Há a cumplicidade de outros países nessa repressão?
As Forças Armadas recebem treinamento de outros países, de exércitos como os de Israel, Colômbia, Chile ou Estados Unidos. Eles não podem dizer que não sabem o que está acontecendo, há uma responsabilidade indireta.
Atualmente, você trabalha como repórter de justiça climática para o The Guardian, com sede em Nova York. Em quais temas você se concentra?
Eu tento contar as histórias das comunidades e povoados que estão sendo mais impactados pelas mudanças climáticas. O impacto das mudanças climáticas não é o mesmo em todos os lugares e está expondo as desigualdades que já existiam. Tento abordar isso também quando falamos de soluções para as mudanças climáticas, como a energia renovável. Se continuarmos impondo projetos de energia renovável, como no caso de Agua Zarca, vamos acabar com os povos indígenas.
Mas os interesses econômicos continuam a prevalecer sobre o bem-estar dessas comunidades. Você acha que existem alternativas?
Se continuarmos com o modelo econômico atualmente dominante, vamos acabar com a humanidade. O planeta sobreviverá, mas a humanidade não. Veja, no meu país, a British Petroleum (BP) acaba de anunciar lucros subjacentes de mais de seis bilhões de dólares nos três primeiros meses deste ano. Mas o discurso pede à BP que invista mais em energias renováveis. Por favor, são empresas mafiosas! Na minha opinião, precisamos democratizar a energia. E se tivéssemos prestado atenção às advertências dos cientistas há 20 anos, não estaríamos agora tão dependentes dos combustíveis fósseis da Rússia, da Venezuela ou da Arábia Saudita. Países que são petroditaduras. Agora Biden envia seu pessoal à Venezuela para implorar por mais petróleo. Quando vamos perceber que isso deve acabar?
Existem exemplos de democratização da energia?
Em Porto Rico, por exemplo, o furacão Maria destruiu, em 2017, o sistema de energia. Milhares de pessoas morreram devido à falta de energia nos hospitais. Agora existe um movimento muito interessante chamado Queremos Sol. Em Porto Rico há sol suficiente para gerar três vezes mais eletricidade do que necessitam. Eles fazem isso com painéis solares em telhados e pequenas redes locais. Eles não têm terra suficiente para criar parques solares em mãos de grandes empresas, mas têm telhados, e é por isso que é um exemplo de democratização da energia. Mas é o poder econômico que sempre moveu o poder no mundo.
Você acredita que é importante contar histórias positivas sobre as mudanças climáticas?
Sim. Estive recentemente no Havaí, onde sofreram com as secas devido à agricultura industrial. Agora os agricultores indígenas estão resgatando as formas tradicionais de agricultura, não a monocultura. Eles têm o pensamento de alimentar primeiro a terra e depois a si próprios. Estão recuperando as formas tradicionais e aproveitando as técnicas modernas. Para salvar a humanidade, precisamos ir aos povos indígenas e tirar nossa arrogância porque existimos graças a eles.
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Honduras. “Ainda há a necessidade de condenar os responsáveis pelo homicídio de Berta Cáceres”. Entrevista com Nina Lakhani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU