15 Março 2022
"É preciso ficar bem claro que numa guerra não há mocinhos e bandidos. Todos têm seus interesses e nem sempre os interesses são democráticos, humanitários e louváveis", escreve Robson Sávio Reis Souza, pós-doutor em Direitos Humanos, doutor em Ciências Sociais, coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, onde também é professor do Departamento de Ciências da Religião, membro da Sociedade Teologia e Ciências da Religião (Soter).
Além de tanques, armas, mortos e destruição toda guerra é guerra de narrativas. Cantar vitória, produzir imagens, sentimentos, emoções e crenças sobre um conflito é uma das mais eficientes estratégicas de ação numa guerra, desde sempre.
No momento atual presenciamos uma guerra de narrativas: os Estados Unidos e seus aliados do chamado "ocidente" sendo, literalmente, apresentados como os bonzinhos, os protetores da "civilização". E a escolha de Putin como a encarnação do mal. Que mundo maravilhoso para os Estados Unidos se a Rússia tivesse um líder pífio, como foi Boris Iéltsin. Portanto, pintar Putin como o demônio, personificando-o como a encarnação do mal, faz parte das narrativas bélicas. Mostrar mulheres, velhos e crianças ucranianas morrendo e chorando e esconder os grupos neonazistas, os grupos paramilitares e as guerrilhas armadas, os aliados de Zelensky, também é estratégia. Aliás, há analistas que afirmam que os Estados Unidos impedem o presidente ucraniano de negociar a paz. Existiria maior perversidade?
Para um país que desde a Segunda Guerra se considera o império mundial não há limites. Os Estados Unidos não têm compromissos com a democracia, a paz e a autonomia de nenhum país. Só tem interesses econômicos na relação com os demais países.
Obviamente, isso não justifica a invasão da Ucrânia pela Rússia.
Mas, é preciso ficar bem claro que numa guerra não há mocinhos e bandidos. Todos têm seus interesses e nem sempre os interesses são democráticos, humanitários e louváveis.
Aliás, são interesses expansionistas, religiosos, intervencionistas e econômicos que motivam toda guerra.
Mas, os papagaios de pirata do Tio Sam, ou seja, a mídia ocidental, contam uma versão das histórias de guerra; não, necessariamente, a verdade sobre a guerra. Assim, um dos erros mais crassos de qualquer analista é reproduzir as narrativas da guerra produzidas pela mídia ocidental como se verdade fossem.
É claro que Putin também tem interesses imperialistas, é autocrata e da extrema-direita ; é óbvio que a Igreja Católica Ortodoxa Russa tem seus interesses expansionistas; não menos óbvia é a conclusão de que a Europa, acéfala de lideranças, preferiu se capitular aos Estados Unidos e optou por uma política de confronto com a Rússia, ao invés de construir uma política de integração.
E é fato, também, que a Rússia estava sendo cercada e acuada pelos Estados Unidos desde a queda do muro de Berlim e nenhum país que deseja ser autônomo (e não uma republiqueta de banana como o Brasil) quer que seu quintal seja cercado pelos mísseis e ogivas nucleares do inimigo, sempre ávido de petróleo, riquezas naturais alheias e domínio econômico.
Portanto, os Estados Unidos produzem narrativas sobre guerras para justificar seus interesses econômicos, expansionistas e imperialistas. Justificada a guerra, tratam de produzir a destruição e a devastação do "inimigo de ocasião". Assim, atendem em primeiro lugar sua indústria bélica, razão de ser, e depois suas demais indústrias e empresas que vão "reconstruir" os países que eles mesmos destruíram, além de roubarem as riquezas locais e o maior ativo de uma nação, a sua honra, deixando as nações invadidas destroçados e de joelhos.
Nesse sentido, e por mais que isso seja chocante à opinião pública "ocidental", é preciso ficar bem claro. Os ucranianos, por serem europeus, não são mais humanos que os outros humanos destruídos pela sanha imperialista estadunidense em tantas outras guerras.
Ou seremos contra toda guerra, portanto anti-guerra e sempre pela paz (e não pela "pax estadunidense"), ou estamos fadados às narrativas do bem e do mal produzidas, sob medida, pelos senhores da guerra e da morte: os donos das indústrias bélicas, do petróleo, das mineradoras, da energia, da construção, das telecomunicações etc. que são os grandes vencedores das guerras.
Uma última nota: para aqueles "democratas empedernidos" desta "terra de Santa Cruz" que achavam que o Partido Democrata dos EUA seria melhor que o Partido Republicano. Não esqueçam: o golpe de 2016 no Brasil foi urdido durante o governo Obama. E a máquina de produzir guerras híbridas para defender os interesses econômicos e geopolíticos estadunidenses nunca esteve tão ativa. Alguém crê que Biden quer a restauração da democracia de fato no Brasil?
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Sobre guerra e paz. Artigo de Robson Sávio Reis Souza - Instituto Humanitas Unisinos - IHU