É Natal: estou mais brega e derretido que manteiga de garrafa

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24 Dezembro 2021

 

"Dezembro de 1993. Cercado de crianças, ele tapava a buraqueira da estrada em busca de umas moedas dos viajantes. Motivos natalinos esvoaçavam do seu chapéu de vaqueiro. Ainda hoje o vejo no retrovisor: ele sacode a poeira das longas barbas de profeta", escreve Xico Sá, escritor e jornalista, em sua crônica publicada no Diário do Nordeste, 23-12-2021.

 

Eis a crônica.

 

Então é Natal, diz Simone em alto e bom som no aparelho três-em-um da sala de visitas. Numa casa com janelas abertas. Agora acredito. Ainda estamos vivos e se bulindo, ufa, fizemos a travessia como foi possível. Isso não é pouco em um ano em que o governo teimou para começar a vacinar os adultos e terminou sem querer vacinar as crianças.

Não à toa, o ministro da Saúde está sendo chamado de Queirodes, um trocadilho com o personagem bíblico que eliminava as pequenas criaturas.

Então é Natal, leitor, leitora, depois de um ano em que o osso virou símbolo da carência nacional provocada pela política econômica da escola Bolsoguedes. Osso de primeira, osso de segunda e osso de terceira, como na catalogação do açougue suburbano em Fortaleza — li aqui mesmo neste Diário do Nordeste.

Vale mais do que nunca o espírito dessa data. Seja com a música de Simone, o conto de Charles Dickens ou antiauto natalino do sambista Assis Valente — “Eu pensei que todo mundo/ Fosse filho de Papai Noel...

Pode ser o Natal brasileiro dos pastoris e da folia de reis, herança do mundo ibérico, como se vê ainda no Cariri, por exemplo. Pode ser o Papai Noel internacional que a Coca-Cola espalhou para o mundo desde os anos 1930. Vale até tirar uma onda punk com o “Papai Noel velho batuta” dos Garotos Podres.

Vale o Natal da sua escolha e consciência. Com neve falsa de shopping ou sob o sol de Caridade. Foi bem ali, aliás, na estrada para Canindé (norte das terras cearenses) que me deparei com o Papai Noel mais inesquecível de todas as eras.

Dezembro de 1993. Cercado de crianças, ele tapava a buraqueira da estrada em busca de umas moedas dos viajantes. Motivos natalinos esvoaçavam do seu chapéu de vaqueiro. Ainda hoje o vejo no retrovisor: ele sacode a poeira das longas barbas de profeta.

Então é Natal e isso não é pouco, você viu o que passamos. Você reparou na matemática hedionda dos coveiros, como recitei com o auxílio de Augusto dos Anjos e das estatísticas do consórcio de imprensa.

Antes que eu chore, desejo boas festas. Essa época deixa a gente mais derretido que manteiga da terra ou de garrafa, é tudo a mesma coisa. Em 2021, mais líquido do que nunca, quase nuvem de lágrimas. E se não for pedir muito, este cronista com olhos de menino pidão, desculpa, pendura na árvore um bilhete sincero e natalíssimo: dê de presente aos seus filhos e filhas a luta diária pela vacinação das crianças.

 

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