26 Novembro 2021
“O tipo de comunidade que a tecnologia promove é uma questão espiritual importante a se considerar, no entanto. As evidências sugerem que o alcance imparável da tecnologia em todos os aspectos de nossas vidas está moldando a forma como as pessoas pensam e se relacionam umas com as outras. Uma pesquisa mostrou que, embora as pessoas tenham muito mais acesso às informações, sua capacidade de atenção é menor. Visto que a oração envolve a mente e as emoções, isso tem implicações espirituais”, escreve o jesuíta Dorian Llywelyn, em artigo publicado por The Conversation e America, 24-11-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Hallow, um aplicativo católico de oração e meditação que teve um milhão de download, levantou 52 milhões de dólares em investimentos.
Aplicativos de oração não são novos. As startups do Vale do Silício popularizaram os aplicativos de meditação e autoajuda ainda em 2010, embora muitos tenham criticados esses aplicativos por serem espiritualmente rasos. Os jovens fundadores do Hallow – leigos católicos millennials – estão entre aqueles que sentem que os aplicativos de autoajuda não encontram as necessidades religiosas e por isso criaram o seu próprio.
A linguagem acessível do Hallow introduz diferentes métodos de oração, junto com palestras inspiradoras, guias para práticas espirituais e notificações para encorajar os usuários a definir metas e permanecer no caminho certo.
Como padre, sei que é importante ajudar as pessoas a desenvolver hábitos saudáveis de oração. Mas, tanto como estudioso da espiritualidade cristã quanto como alguém que fornece orientação espiritual a outras pessoas, vejo limitações no que os aplicativos de oração podem alcançar.
As igrejas há muito adotam a tecnologia de comunicação com entusiasmo para divulgar sua mensagem. A Reforma iniciada por Martinho Lutero e seus seguidores na Alemanha do século XVI se espalhou rapidamente com o uso da prensa de Gutenberg.
Atualmente, a mídia baseada na fé católica inclui a Eternal Word Television Network – EWTN, fundada pela freira católica Madre Angélica, que fornece notícias, programação de rádio, serviços de transmissão ao vivo e instrução religiosa baseada na web para uma audiência estimada de mais de 250 milhões de espectadores.
Os aplicativos também têm um propósito. Como várias pesquisas mostraram, a adesão ativa a uma comunidade religiosa está diminuindo. Pessoas sem religião, principalmente jovens, constituem cerca de 1/4 da população estadunidense. Ao mesmo tempo, muitos deles anseiam por um sentimento de pertença religiosa, e esses aplicativos parecem ajudar na criação de uma comunidade baseada na fé.
O tipo de comunidade que a tecnologia promove é uma questão espiritual importante a se considerar, no entanto. As evidências sugerem que o alcance imparável da tecnologia em todos os aspectos de nossas vidas está moldando a forma como as pessoas pensam e se relacionam umas com as outras. A pesquisa mostrou que, embora as pessoas tenham muito mais acesso às informações, sua capacidade de atenção é menor. Visto que a oração envolve a mente e as emoções, isso tem implicações espirituais.
Vendo como as pessoas se tornaram viciadas em seus telefones e outros dispositivos, às vezes exorto-as a recuperar alguma liberdade espiritual desistindo das redes sociais durante a Quaresma.
A identidade coletiva está embutida em muitas tradições religiosas, incluindo o islamismo e o budismo.
O compromisso com a comunidade também está profundamente enraizado nas raízes judaicas do cristianismo. O Cristianismo Ortodoxo Oriental e o Catolicismo dão ênfase particular ao aspecto comunitário da oração. A comunidade orante reunida está no centro de sua fé e identidade.
Uma comunidade incorporada pede às pessoas que apareçam regularmente em tempo real e se reúnam com aqueles que talvez não conheçam bem ou até gostem. A inconveniência que consome tempo e a falta de escolha são, na verdade, riquezas espirituais porque envolvem as necessidades dos outros. Esse tipo de sacrifício não é o que os aplicativos de oração facilitam.
Na tradição católica, a oração não visa principalmente encontrar paz, alegria ou reduzir o estresse. Isso pode ser alcançado, mas nem sempre está presente ou necessário. Aprofundar a oração é muitas vezes um processo lento que envolve passar por períodos de aborrecimento, distração ou frustração.
Pessoas com excelentes intenções às vezes podem acabar se confundindo sobre o que estão experimentando na oração, especialmente se não for familiar. Como padre, digo às pessoas que uma boa prática é que o crescimento na oração leve a mais bondade para com os outros e menos atenção a si mesmo.
Muitas tradições religiosas, dentro e fora do Cristianismo, insistem que o crescimento espiritual saudável pode ser auxiliado pela orientação pessoal de pessoas mais experientes em oração.
O “pai espiritual” no monaquismo é um professor de oração. No catolicismo, os diretores espirituais, que podem ser leigos ou ordenados, ouvem as pessoas falarem sobre suas experiências na oração, ajudando-as a relacionar sua oração com sua vida cotidiana. Embora esta tradição de orientação espiritual possa ajudar a fornecer orientação, a oração de cada pessoa é sempre exclusiva para ela.
É improvável que mesmo os algoritmos mais bem projetados atendam adequadamente à alma humana.
Os muitos comentários entusiasmados da Hallow insistem que este aplicativo de oração é uma força para o bem. O mesmo acontece com muitos usuários de outros aplicativos.
Da minha perspectiva, a medida do sucesso de um aplicativo de oração não é o número de downloads. Jesus insiste em olhar o fruto das boas intenções. Se algum aplicativo ajuda as pessoas a serem mais pacientes, humildes, justas e atenciosas com os pobres, é uma coisa boa. Mas provavelmente também é necessário ser um membro ativo de uma comunidade real.
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Um aplicativo católico levantou 52 milhões de dólares. Mas rezar com seu smartphone tem seus limites - Instituto Humanitas Unisinos - IHU