01 Novembro 2021
"A Pedagogia Ontológica-Existencial das Ausências, não se trata da indicação de direção de um deserto existencial. Ao contrário, indica que esse deserto vivenciado no contexto da pandemia, criou possibilidades de muitos encontros, sendo o principal, do ser humano consigo mesmo. Esta pedagogia abre frestas promissoras na direção de outras ontologias, modos de ser, que reconhecem a nossa vocação ontológica ao ser mais, como aprendemos com Paulo Freire", escreve Vilmar Alves Pereira, doutor em educação e especialista em pesquisa.
A busca de reconstrução da relação entre os sentidos de ser da vida e da existência é amplamente desenvolvida na ontologia de Martin Heidegger. Ainda em processo inicial de avaliação do contexto pandêmico tenho percebido o quanto necessitamos ampliar o nosso olhar sobre o sentido de tudo o que nos atravessou e nos atravessa. Desse modo, sinto que uma das maiores constatações reafirmadas nesse período foi o quanto temos dificuldades em lidar com o vazio da dor das perdas. A ausência nos desestabiliza, sob condição de que, em alguns casos pode comprometer toda a existência presente e futura.
Aprender a lidar com as ausências consiste numa necessidade pedagógica. É nesse sentido que proponho uma Pedagogia Ontológica-Existencial das Ausências, que transcende as aprendizagens circunscritas a espaços formais e se efetiva no plano mais concreto do cotidiano da vida. Ela emerge da nossa dificuldade em lidar com o vazio existencial, axiológico, material, vazio da presença do outro que não está mais conosco.
Nesse sentido, reivindica a mobilização de outras formas de aprender e ensinar. Reivindica grande abertura para o não dito, não acontecido, não seguro, não definido e não estabelecido. Este vazio nos coloca como humanos na busca de sentido e de compreensão da vida quando ela se vai, da presença quando não a temos, da segurança quando não a possuímos, do porto seguro quanto não temos mais a certeza da chegada.
Por outro lado, eu que vejo que esses “espaços ocos” frágeis, podem ser mobilizadores de nossa condição existencial para uma grande abertura criativa que, ao se deparar com a ausência, pode ver nela potencialidades compreensivas no horizonte de novas aprendizagens.
A Pedagogia Ontológica-Existencial das Ausências, não se trata da indicação de direção de um deserto existencial. Ao contrário, indica que esse deserto vivenciado no contexto da pandemia, criou possibilidades de muitos encontros, sendo o principal, do ser humano consigo mesmo. Esta pedagogia abre frestas promissoras na direção de outras ontologias, modos de ser, que reconhecem a nossa vocação ontológica ao ser mais, como aprendemos com Paulo Freire.
Se o nada já alguma coisa, a Pedagogia Ontológica-Existencial das Ausências nos ensina que ensinar e aprender pressupõe aberturas, medos, inseguranças, ousadias, coragem, e busca permanente da não aceitação tácita dos imperativos impostos pelo sistema, condições climáticas, culturais, sociais, que por muitas vezes buscam mitigar os potenciais das ausências que já são algo.
A Pedagogia Ontológica-Existencial das Ausências é um convite a redefinição ontológica, a redescrição histórica, a reaprendizagem permanente. Com as ausências aprendo a ser outro, em permanente processo de abertura e renovação. Esse necessário exercício de renovar a ação pode ser potencialmente muito pedagógico em tempos extremos com grandes exigências de busca de sentido.
É uma pedagogia que nos mobiliza, pois estando nesse tempo, podemos nos projetar para fora dele enquanto buscamos aprender o sentido das perdas. Não se trata mais de nos apegarmos a perda eternamente, mas, de reinventarmos outras ontologias nas múltiplas relações socioambientais, cósmicas, existenciais sobre o futuro coletivo no planeta.
O olhar ecológico e coletivo dessa pedagogia é um convite ao não endereçamento prévio, mas a profundos processos decolonizantes sobre os modos como vivemos a vida no sistema capitalista mais voltados para relações de competição, poder e domínio. Dessa forma, ao invés da lógica individualista e competitiva, essa pedagogia sente mais latente a necessidade do reconhecimento do outro. Nesse sentido trata-se de uma pedagogia da alteridade, inclusiva, afirmativa cuja centralidade esta nesse movimento com as outridades todas.
Reafirmo a compreensão de que a ausência, o vazio, o nada sempre é alguma coisa. Cabe a cada um de nós criarmos forças e buscarmos aprender o sentido desses espaços “não ocos”. Aprender a lidar com a solidão, com a falta de alguém, falta de emprego, de comida, de garantia de direitos básicos são os maiores desafios de nossos tempos. Não estou aqui propondo uma teoria da adaptação, ao contrário, de compreensão e movimentos a partir daquilo que nos toca profundamente e a necessidade de permanente luta pela mudança.
Aprender a lidar com as ausências, ao mesmo tempo que é um processo marcado pela dor, pode ser sim um processo de renovação e como decorrência de libertação. Nesse sentido não basta ficarmos presos aquele mundo pré-Covid19 que infelizmente para a humanidade já não existe mais. Estou fazendo menção as condições existenciais daquele contexto. Precisamos fundamentalmente de uma pedagogia do tempo presente. Ela indicará horizontes pautados em outras inteligências, racionalidades e sentidos de abertura para as tamanhas exigências de novos tempos. A grande questão consiste em saber o que podemos encontrar de sentido naquilo que está ausente?
Fica o nosso humano convite de que busquemos pela Pedagogia Ontológica-Existencial das Ausências, aprendermos a lidar com as faltas buscando outros sentidos para nossas existências. O fato de que em nossa vocação ontológica nunca somos, mas sempre estarmos sendo, cria aberturas e movimentos ontológicos de possibilidades outras. Enfim, trata-se de uma pedagogia da busca de sentido existencial. Esse é mais um dos aprendizados que tive e estou tendo no contexto da travessia da Pandemia da Covid-19 e que com muito gosto compartilho com você leitor (a) desejando possibilidades de vislumbrarmos outros horizontes no amanhã que se avizinha, pois como aprendi Paulo Freire a educação é para toda vida.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992b.
Heidegger, M. Ontologia: hermenêutica da facticidade. Rio de Janeiro: Vozes, 2013.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Rio de Janeiro: Vozes, M. 2015.
PEREIRA, V. A. Como está sendo o agora: aprendizagens na travessia da pandemia da COVID-19. Campina Grande : Editora Amplla, 2020. 96 p. Disponível aqui.
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Uma Pedagogia Ontológica-Existencial das Ausências: aprendizagens necessárias em contexto de Pandemia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU