20 Outubro 2021
Quando era criança, Abi Daré ficava muito intrigada com a língua falada por algumas de suas amigas. “Não era o inglês que estudava na escola, não era o que falávamos em nossa casa - conta ela -. As minhas colegas usavam expressões que eu nunca tinha ouvido antes. Entendê-las era uma façanha e, ao mesmo tempo, algo que despertava minha admiração. É preciso ser muito inteligente para inventar a sua própria linguagem”.
Nascida e criada em Lagos, Daré mora na Grã-Bretanha há quase vinte anos. Para seu romance de estreia, La ladra di parole (A ladra de palavras, em tradução livre, Nord, 366 páginas, € 18,00), ela decidiu usar justamente o Broken English, ou seja, a linguagem composta e fantasiosa que ouvia na infância. “Cada um a constrói à sua maneira, juntando fragmentos de origens díspares. Um pouco como fazem as crianças quando aprendem a falar”, explica Daré, hoje convidada da Feira Internacional do Livro de Turim.
A entrevista com Abi Daré é de Alessandro Zaccuri, publicada por Avvenire, 17-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
No livro há um contraponto contínuo entre o enredo e o uso de dados estatísticos: por que essa escolha?
Durante o trabalho de documentação, analisei uma grande quantidade de informações. Mas uma coisa é saber que uma em cada duas mulheres na Nigéria é analfabeta, outra coisa é imaginar a vida de uma menina lutando para sair da condição de marginalizada a que a sociedade gostaria de condená-la. A protagonista do romance, Adunni, encontra-se nessa condição, igual à de muitas jovens que crescem nas aldeias. Neste momento, a Nigéria é um país muito complexo e o local onde se nasce representa um fator discriminatório no que diz respeito às oportunidades de educação e emancipação, especialmente para as mulheres.
Quais são as alternativas?
A visão tradicional, ainda muito difundida fora das grandes cidades, equipara a mulher a uma espécie de acessório doméstico: ela é impedida de estudar, deve cuidar da casa e dos filhos, é obrigada a obedecer ao marido sem questionar. Nesse ínterim, a mulher também deve contribuir para a família do ponto de vista econômico e se prevenir da rivalidade com as outras esposas.
De fato, apesar das disposições oficiais, a poligamia continua generalizada, com consequências que não são difíceis de prever. Mas também está ocorrendo um processo de mudança que atribui às mulheres papéis relevantes na opinião pública, nas empresas e nas instituições. Eu pessoalmente sou testemunha da jornada de minha mãe, que alguns anos atrás se tornou a primeira mulher a lecionar direito fiscal e tributário em uma universidade nigeriana. Posso testemunhar que não foi fácil. Para se impor em um ambiente dominado pelo poder masculino, minha mãe teve que produzir um número impressionante de publicações. No final, porém, ela conseguiu.
Malala no campo da educação, Greta Thunberg no do clima: hoje as principais figuras de referência são femininas.
Eu acrescentaria Michelle Obama e Chimamanda Ngozi Adichie, que representam modelos muito importantes para as mulheres de origem africana. Na minha opinião, o mais interessante é que, ao contrário do que aconteceu no passado, a afirmação do feminino não se dá em polêmica com o masculino. Essas mulheres lideram um movimento que envolve a todos, sem nenhuma contraposição ou exclusão. Afinal, até mesmo Adunni em seu caminho também encontra homens em quem pode confiar e mulheres com as quais ser cautelosa.
E, além disso, tem Tia, que cuida dela.
Sim, mas depois de uma experiência inesperada e humilhante, para a qual me inspirei num episódio real, que me foi confidenciado por quem que o vivenciou. Tia é educada, rica e instintivamente quer fazer algo por Adunni. A certa altura, porém, também cabe a ela carregar o peso de uma mentalidade que culpabiliza e pune as mulheres pelo simples fato de ser mulher. Como se não bastasse, outras mulheres a criticam, em uma mistura de superstição e preconceito. A tal ponto que Tia entende dentro de si o drama de Adunni e faz de tudo para que a menina se liberte. Da filantropia passa à compaixão.
Posso perguntar qual é a sua posição em relação à chamada cultura do cancelamento?
Confesso que tenho muitas dúvidas, principalmente no que diz respeito a eventuais aplicações no âmbito artístico. Os escritores estão cada vez mais temerosos, cada vez mais relutantes em abordar temas controversos ou retratar determinados personagens. Sinceramente, não me parece uma boa solução. Deve-se encontrar um equilíbrio entre o respeito pelo outro e a liberdade de expressão. Do contrário, mesmo com todas as boas intenções do caso, acaba-se praticando uma autocensura não menos odiosa do que a própria censura.
O que você pensou quando soube que o Prêmio Nobel foi concedido a um escritor africano?
Fiquei feliz pela África, sem dúvida. Mas me parece que a história de Abulrazak Gurnah tenha um valor ainda mais amplo. Falamos de um autor que trabalhou durante muito tempo de forma apartada, com uma constância e determinação graças à qual recebeu agora este extraordinário reconhecimento.
Como sua mãe fez na universidade, certo?
Exatamente. Isso prova que esse tipo de coragem não serve apenas para as mulheres.
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Abi Daré: “Coragem das mulheres da África, riqueza para todos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU