02 Setembro 2021
Dermi Azevedo (Foto: Reprodução)
Vítima de infarto fulminante, faleceu na quarta-feira, 1, no Hospital do Ipiranga, em São Paulo, o jornalista, cientista político e defensor dos direitos humanos, Dermi Azevedo, 72 anos. Há tempos ele sofria da doença de Parkinson. Sua trajetória é um marco de cidadania.
A reportagem é de Edelberto Behs, jornalista.
Junto com o teólogo Leonardo Boff, com quem trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis (RJ), Dermi foi fundador do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), em 1982. Também foi um dos fundadores da Agência Ecumênica de Notícias (Agen), precursora da Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC).
Dermi nasceu em Jardim do Seridó, Rio Grande do Norte, em 4 de março de 1949, mas adotou como sua cidade Currais Novos, onde foi criado. Estudou nos Seminários São Cura d’Ars, de Caicó, e de São Pedro, em Natal. Ingressou no Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte em 1967, mas transferiu-se depois para o Curso de Jornalismo.
Residiu em Natal até 1980, onde presidiu a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese. Foi fundador e primeiro presidente da Cooperativa dos Jornalistas de Natal Ltda (Coojornat). Trabalhou em vários jornais, entre eles A Folha de Caicó, Diário de Natal, Salário Mínimo, Última Hora de São Paulo, Domingo Ilustrado, Manchete, Fatos e Foto, Jornal da Tarde, Veja, IstoÉ, Diário do Grande ABC, Folha de S. Paulo, Aqui São Paulo, Revés do Avesso.
Realizou reportagens na Europa, América Latina e África. Acompanhou viagens do papa João Paulo II no Brasil e no exterior. Foi correspondente no Brasil da revista francesa Informations Catholiques Internationales, de Paris. Foi diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo por dois mandatos.
Exerceu funções de confiança no governo do Estado de São Paulo, desde o primeiro mandato do governador Mário Covas, em 1995. Especializou-se em Política Internacional na Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Cursou mestrado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, apresentando a dissertação “Relações Igreja/Estado no Brasil durante o regime autoritário-burocrático (1964-1985)”, e concluiu o doutorado em Ciência Política na USP, com a tese “Igreja e Democracia. Democracia na Igreja”.
Coordenou o Curso de Comunicação Social da Universidade Metodista de Piracicaba (Umesp). Em 1968, participou, com outros líderes estudantis potiguares, do XXX Congresso da UNE, reunido em Ibiúna, em 1968, quando foi preso. Exilou-se no Chile, em 1970 e 1971, retornou ao Brasil em 1974.
Em 14 de janeiro de 1974, relata Leonardo Wexell Severo, do Portal Vermelho, agentes de segurança encontraram na residência do jornalista em Campo Belo, São Paulo, o livro “Educação Moral e Cívica e Escalada Fascista no Brasil”, coordenado pela educadora Maria Nilde Mascellani. A informação de que o estudo havia sido enviado ao Conselho Mundial de Igrejas (CMI), com sede em Genebra, Suíça, para ser divulgado mundo afora irritou militares. Dermi foi torturado nas dependências do DEOPS. Sua vivência de torturado da ditadura está relatada no documentário “Atordoado, eu permaneço atento”, filme vencedor do 8º Festival Internacional de Curta-Metragem, de Brasília.
Dermi Azevedo foi casado com a pedagoga Darcy Andozia Azevedo, mãe dos filhos Carlos Alexandre, Daniel, Estevão e Joana Angélica. Teve mais três filhas com a sua atual esposa , a pedagoga Elis Regina Brito Almeida Azevedo: Paula, Bethânia e Fernanda. Dermi era vinculado à Igreja Episcopal Anglicana do Brasil.
Além das agressões que sofreu, o que o marcou profundamente pela vida toda, recordou a jornalista Mônica Manir, foi a condução do seu filho Carlos Alexandre, o Cacá, quando tinha um ano e oito meses de vida ao DEOPS, “onde teria levado choques elétricos, segundo relato de outros presos”. Cacá desenvolveu fobia social e, aos 40 anos, em 2013, suicidou-se com overdose de medicamentos.
Um ano depois da morte do filho, Dermi escreveu uma carta marcante, tocante, ainda atual, reproduzida pelo Portal Vermelho:
“CARTA AO MEU FILHO
Caro Carlos Alexandre Azevedo (Cacá)
Meu querido filho,
Bom dia!
“Faz hoje exatamente um ano que você partiu para outra vida. Como aconteceu com muitas outras crianças, você foi uma das vítimas da cruel e sanguinária ditadura civil-militar de 1964. Com apenas um e ano oito meses, você foi submetido a torturas pela “equipe” do delegado Josecyr Cuoco, subordinado ao delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos mais violentos esbirros da história contemporânea.
“Já no sofá da pequena casa em que morávamos no bairro de Campo Belo, na zona sul paulistana, os investigadores da repressão quebraram os seus dentinhos; mais tarde, você foi submetido a novos vexames na sede do DEOPS. Em seguida, na madrugada de 14 de janeiro de 1974, você foi levado a São Bernardo do Campo, onde moravam seus avós Carlos e Joana. Eles foram acordados com o barulho dos agentes que jogaram você no piso da sala…
“Toda a sua vida foi marcada por esses acontecimentos. Quando você, anos mais tarde, tomou conhecimento do que viveu, você leu muito e estudou a história da repressão fascista. Em entrevista à repórter Solange Azevedo, da ISTOÉ, você sussurrou: ‘Minha família nunca conseguiu se recuperar totalmente dos abusos sofridos durante a ditadura… Muita gente ainda acha que não houve ditadura nem tortura no Brasil…’.
“É isto mesmo, meu filho. Ainda há muita gente que não acredita que milhares de brasileiros e de brasileiras, de estrangeiros e de estrangeiras que viviam no Brasil, dedicados aos mais oprimidos e excluídos, tenham sido perseguidos e esmagados pela ditadura…”
“Ainda há cidadãos, fardados ou não, no Brasil e na América Latina, que praticam e legitimam a tortura…
“Definitivamente marcado pela dor…por sua dor e pelo sofrimento (inenarrável) de sua mãe e de seus irmãos, você decidiu partir..
“Cabe a mim, seu pai, a tarefa quase apenas de compartilhar a narração do seu calvário, de denunciar – como jornalista – os crimes da ditadura e de lutar para que dores e agonias, como as que você viveu, nunca mais aconteçam…
Do seu pai
Dermi Azevedo”
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Aos 72 anos, morre em São Paulo um dos fundadores do Movimento Nacional de Direitos Humanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU