03 Setembro 2021
Pouco depois de meados de agosto, publiquei uma reflexão sobre o impacto de uma determinada tendência dos teólogos ao silêncio até nas questões litúrgicas mais candentes (cf. Um equívoco e as suas razões: o amplo consenso do Papa Francisco e o silêncio de muitos teólogos).
Italo de Sandre, professor emérito de Sociologia da Religião, com seu texto aqui publicado, amplia a questão e sugere importantes reflexões sociológicas e institucionais, que estão na raiz de muitas perplexidades teológicas e epistemológicas. Parece-me uma excelente contribuição para um debate inevitável e que deve ser encorajado, também numa perspectiva sinodal.
Italo de Sandre cita dois grandes teólogos P. Visentin e L. Sartori, que foram seus e meus professores. Do segundo, lembra a triste circunstância que o impediu, por sua parrésia, de se tornar um "professor titular". Gostaria de recordar que o escândalo deste mal-entendido chegou não só a não reconhecer seu papel fundamental para a teologia italiana, mas também a reduzir a sua teologia, até mesmo na homilia do funeral, a apenas "alta divulgação". Mesmo esta palavra singularmente obtusa é causa e efeito de um arranjo institucional e epistemológico que merece ser convertido com absoluta urgência.
O comentário é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado por Come Se Non, 01-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Li a reflexão de A. Grillo sobre o peso do silêncio dos teólogos também em questões delicadas como a tensão na transformação entre a orientação da Summorum Pontificum e da Traditionis Custodes, tão relevante no campo católico não só para a liturgia. Compartilho plenamente a crítica severa que entendo também emotivamente, mas ao mesmo tempo gostaria de expressar compreensão e compaixão pela 'profissão' dos teólogos. Por isso, não posso deixar de estender a reflexão - embora muito parcial - à sua condição social de meu ponto de vista de sociólogo, leigo, que lecionou por décadas como professor na universidade e viveu quase o mesmo número de anos relações de ensino e de amizade com um liturgista como P. Visentin no Instituto Beneditino de Liturgia Pastoral e com um teólogo como L .Sartori na Faculdade de Teologia de Pádua.
Vivi minha experiência estruturada na universidade com relações normalmente autônomas e peer (exceto por certos grupinhos nos concursos), enquanto me pareceu concreto observar as condições bem diferentes dos teólogos, como professores e estudiosos, em sua exigente situação de vida, mesmo que para muitos católicos possa parecer privilegiada em relação ao empenho pastoral cotidiano dos párocos no meio das pessoas. Limito-me a quatro âmbitos. O tipo de autoridade (regulada) e de poder (não regulado) que governa a cultura e as dinâmicas organizacionais em que estão estruturados. O tipo de relações interpessoais e de relações entre funções na instituição eclesiástico-acadêmica. O surgimento de pessoas não mais apenas presbíteros ou religiosos, ou seja, leigas e leigos cada vez mais motivados e preparados, que se especializam em teologia e ensinam nas escolas e nas faculdades de teologia (ou gostariam de fazê-lo). Por fim, a forma de interagir em geral com a epistemologia e a pesquisa científica em contínua transformação.
Na Igreja e nas dioceses ainda prevalece um modelo de autoridade totalmente piramidal, em que o bispo é o centro de tudo, no sentido de que, para além da esfera de autoridade que lhe compete de fato, ele tem um forte poder de orientar informalmente quase todas as escolhas, dificilmente criticáveis exceto em sedes confidenciais. Essa estrutura piramidal frequentemente se reproduz também nos subsetores da diocese e da academia eclesiástica. Para além da cultura teológica pessoal do bispo individual - que às vezes pode ser carente - são eles que devem zelar pela correção 'da fé' dos trabalhos dos teólogos, dos seus livros, nas comissões doutrinais previstas pelas normas eclesiásticas com a presença exclusiva de bispos, sem presença peer de teólogos credenciados.
Assim, pode ser que em vários casos a fidelidade hierárquica do teólogo seja levada em conta mais do que a acuidade ou criticidade de seu pensamento (não tenho certeza se em sua época D. Luigi Sartori tenha se tornado professor titular), influenciando os procedimentos de avaliação para a estabilização das pessoas, especialmente quando há grande necessidade de professores. No entanto, muitas vezes acontece, mesmo nas universidades, que a fidelidade de um candidato à titularidade de referência da matéria seja mais recompensada do que a originalidade de pensamento. Um discurso parcialmente diferente pode ser feito para os institutos teológicos de importantes congregações religiosas, que, mesmo dentro das normas canônicas gerais, têm uma compreensível maior autonomia na motivação e seleção de professores.
Essa orientação generalizada e experiência da autoridade influenciam e, por sua vez, são influenciadas pelos tipos de relações pessoais vivenciados nos ambientes eclesiásticos. As relações interpessoais marcadas pela amizade e pela transparência das relações de papel deveriam ser vividas como fundamentais em todo âmbito da vida eclesial, algo que infelizmente não acontece apesar do comando da caridade. E deveriam ser ainda mais importantes nos ambientes de estudo e formação teológicos, onde o diálogo crítico deveria ser cotidiano e cordial. Mas muitas vezes os teólogos (continuo a usar o plural masculino, depois veremos as implicações) são encarregados de outras tarefas, de colaboração ou direção de associações ou de setores da vida da própria diocese. E pode acontecer, como nas universidades, que se tornem narcisistas, de forma que não desenvolvam diálogos nem dentro nem fora da horta teológica, não se acostumando a trabalhos em grupo e a sensibilidades partilhadas. O risco, em todo caso, é que a produção científica se torne muito individual-individualista, acadêmica em um sentido não positivo do termo.
Nos últimos vinte anos, nas faculdades de teologia entraram mais leigas (raras) e leigos e, ao mesmo tempo, o crescimento dos institutos superiores das ciências religiosas viu a multiplicação não apenas de pessoas engajadas como professores da religião católica nas escolas públicas, mas também como teólogas e teólogos com uma produção teológica própria e presença pública relevante. Vinte anos atrás, no nordeste [italiano], foi feito um levantamento com os graduados nos ISSR, a clara maioria era composta por mulheres, que, no entanto, não eram e nem se sentiam valorizadas e seriamente utilizadas pelos párocos e bispos, exceto em funções subordinadas ou pouco relevantes. Com o passar dos anos a situação melhorou, mas nas faculdades de teologia ainda há poucas mulheres, e de qualquer forma os cargos ainda não são suficientemente robustos também do ponto de vista da estabilidade e da remuneração, pelo que a prevalência de presbíteros (de acordo com as retribuições eclesiásticas) e religiosos/as (de acordo com a própria ordem) ainda é bastante óbvia.
Em minha opinião, o problema mais delicado diz respeito à epistemologia normalmente na base dos raciocínios de muitos teólogos e teólogas. Isso ficou evidente quando o novo pontífice promulgou sua primeira exortação apostólica, 'Evangelii gaudium', em 2013. Muitos a consideraram uma exortação boa, de fato, bela, a ser citada como uma deferência, mas sem dar-lhe culturalmente muita importância, outros a dissecaram destacando um parágrafo de outro e evidenciando as incongruências consequentes, ou tomando certas afirmações e julgando-as de acordo com lógicas filosóficas ou teológicas tradicionalistas.
Talvez não muitos tenham percebido que na orientação da obra de Bergoglio havia uma orientação clara, ainda que incompleta, inspirada pelo 'pensamento complexo' (basta pensar nas grandes obras de E. Morin com as características e expressões aparentemente paradoxais 'o todo é mais do que a soma das partes ', 'é menor que a soma das partes ' e, finalmente, 'o todo está na parte que está no todo' como seu código-fonte). Na perspectiva da complexidade, observa-se a interação reflexiva e recursiva de todos os fenômenos, das ações e dos pensamentos, recebe-se de forma construtiva a afirmação da 'racionalidade limitada', do sentido permanente do limite de qualquer realidade e ação, aberta, portanto, ao diálogo, à pesquisa, à inovação.
Parece-me que não existem muitos teólogos na Itália que tenham compreendido - de uma forma não retórica - esta abordagem epistemológica aberta à complexidade, talvez denotando pouca familiaridade com os desenvolvimentos contínuos das ciências e de seu método de desenvolvimento aberto e de interação. Penso que também a forma de refletir em teologia deve ser 'complexa', consciente da própria racionalidade limitada, aberta a diálogos não só com outra teologia, a confrontos com o pensar de outras ciências, sem ter a tentação de sentir-se ou querer tornar-se 'dogmática'.
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Sociologia do teólogo católico: questões abertas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU