27 Agosto 2021
Publicação alerta sobre os impactos se a Estrada do Colono for aberta e como a pressão política está influenciando na aprovação do projeto de lei; animais serão os mais atingidos com a degradação ambiental.
A reportagem é publicada por EcoDebate, 25-08-2021.
A revista britânica Nature, uma das publicações mais respeitadas do mundo, publicou no último dia 17 de agosto, um artigo sobre os impactos da abertura da Estrada do Colono, localizada dentro do Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná. Com a chamada “Brazilian road proposal threatens famed biodiversity hotspot" (Proposta de rodovia brasileira ameaça famoso ponto de biodiversidade – título traduzido), o artigo é assinado pela jornalista Meghie Rodrigues e analisa o Projeto de Lei no. 984/2019.
No artigo, a jornalista descreve que, caso o projeto de lei seja aprovado, será construída uma rodovia na Estrada do Colono, que hoje conta com vegetação nativa (visto de cima, não existe mais a estrada antiga) e conecta cidades ao norte e ao sul, em um trecho de 18 quilômetros, entre os municípios de Serranópolis do Iguaçu e Capanema. A matéria também aborda como a abertura irá impactar diretamente na biodiversidade do parque, que abriga mais de 1.600 espécies de animais, incluindo ameaçados em extinção, como as onças e as antas e diversas espécies de pássaros, além de projetos de pesquisas e ecossistemas preciosos.
A Nature ainda destaca a luta dos ambientalistas e pesquisadores contra a abertura, sob o argumento que trará, além da poluição do ar, do solo, da água e até do som para o parque, também caçadores ilegais, que podem ameaçar os animais, incluindo o tráfico de onças e outros animais silvestres. A jornalista Meghie Rodrigues ouviu fontes locais como Ivan Baptiston, chefe do Parque Nacional do Iguaçu entre 2015 e 2020; Carmel Croukamp Davies, diretora do Parque das Aves; Carlos Araújo, ativista ambiental argentino; e pesquisadores como o biólogo Victor Prasniewski, que fez um estudo sobre o impacto de uma estrada em meio à floresta (poluição do ar, solo, água e sonora), para a reprodução de animais que vivem no entorno.
“O fechamento da estrada é questão que transita em julgado pela justiça brasileira, ou seja, aos olhos da Lei, ela não pode ser reaberta. O PL não passa de manobra política, que não interessa a ninguém, além de meia dúzia de políticos, do ponto de vista ambiental é uma catástrofe e economicamente não traria nenhum benefício a região. Ao contrário, causaria vergonha internacional, afastando os turistas estrangeiros e fazendo o Parque perder o título de Patrimônio Natural da Humanidade. Quem defende o país, não pode deixar isso acontecer”, afirma Angela Kuczach, diretora executiva da rede Pró-UC (Pró Unidade de Conservação da Natureza).
A reportagem da Nature também traz que o projeto de lei é patrocinado por Nelsi Coguetto Maria, integrante da Câmara dos Deputados, e argumenta que a mídia local noticiou que sua família potencialmente tem a ganhar com a Estrada do Colono, pois dois de seus filhos são sócios em empresas de construção que poderiam pavimentar a estrada. Um dos argumentos é que o restabelecimento da rodovia seria uma “solução para um problema logístico do Paraná”.
“O escritório de Coguetto Maria não respondeu às perguntas da Nature sobre isso ou sobre as preocupações dos pesquisadores sobre a estrada. Quando a Câmara dos Deputados aprovou a aceleração do projeto de lei, ele argumentou que o Brasil de hoje é ‘responsável’, tem ‘competência e capacidade para construir uma estrada ecologicamente correta’, ressaltando que a estrada existia como um caminho para caminhadas antes mesmo de o parque ser criado”, alerta o texto da Nature. Estudos históricos, no entanto, refutam essa teoria.
Um ponto importante que o artigo da Nature aborda é o posicionamento do governo brasileiro, que sob a liderança do presidente Jair Bolsonaro, enfraqueceu a proteção das florestas do país em favor dos setores de mineração, extração de madeira e pecuária. Se o projeto de lei for aprovado, irá enfraquecer ainda mais a legislação ambiental brasileira, além de abrir caminhos para a criação de estradas e rodovias em outros parques e unidades de conservação no país.
Se o projeto for aprovado vira uma lei, que estabelece critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação, é o que questiona Neucir Szinwelski, professor na Universidade Estadual do Oeste do Paraná. “O que acontecer no Parque Nacional do Iguaçu poderá sim acontecer em outras unidades de conservação. Não há no projeto de lei qual limitação a isso e, portanto, a abertura de estradas será baseada apenas na demanda e nos interesses econômicos, pois em termos legais tais procedimentos estão regulamentados. Cabe ressaltar que o projeto foi aprovado com regime de urgência, sem que discussões fossem feitas nas câmaras especiais. Ainda, o que é dito pelo autor do projeto é que após a aprovação é que será discutido o modelo de implantação. Não faz sentido isso. Como podem pensar em aprovar uma lei que não se sabe o que vai estar contido dentro dela”.
Sobre os argumentos para a abertura, a matéria da Nature foi enfática ao afirmar que não faz sentido que a rodovia irá potencializar o turismo no Paraná. Para Hélio Secco, secretário geral da Rede Brasileira de Especialista em Ecologia de Transportes e pesquisador colaborador do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o projeto de lei não tem a intenção de atrair o ecoturismo, sendo que o mesmo já é atraído pelos pontos tradicionais do Parque. Para ele, ainda existe o risco de atropelamento da fauna, uma vez que a estrada será para encurtar distâncias e o volume de veículos pode ser uma ameaça para as espécies locais.
“Eu não acredito que o projeto de lei será aprovado. Eu acho que com a pressão organizada pela sociedade civil, institutos de pesquisas e acadêmicos vêm demonstrando por diversos motivos o quão negativo seria esta abertura, que inclusive a própria mídia já vem repercutindo, o que acaba fazendo com que muitos parlamentares tomem uma decisão contrária e evitem se expor neste momento”, comenta o especialista.
Já na visão de Szinwelski, professor na Universidade Estadual do Oeste do Paraná, o projeto sofrerá grande resistência tanto na Câmara quanto no Senado, isso porque há grande pressão do empresariado nacional e dos investidores internacionais para que o projeto seja retirado de pauta e rejeitado. “Enquanto o mundo está ligando suas atividades à conservação da biodiversidade, a proteção e ampliação de florestas, a reestruturação dos habitats naturais, o Brasil parece ir em sentido contrário, com um projeto de lei que modifica a estrutura do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), e faz isso começando pela maior e mais emblemática unidade de conservação: o Parque Nacional do Iguaçu. O projeto visa, literalmente, partir o parque em dois, e abre precedentes para que isso seja feito em qualquer unidade de conservação”, complementa.
O Parque Nacional do Iguaçu é conhecido pelas Cataratas do Iguaçu – uma das maiores do mundo. Fundado em 1939, o Parque contém a maior mancha remanescente de Mata Atlântica no sul do Brasil, rica em vegetais e animais e se estende na costa sudeste do Brasil até a Argentina e o Paraguai. Mas devido ao aceleramento do desmatamento causado pela urbanização e pelas atividades agrícolas e industriais no século XX, a floresta já perdeu 90% da sua cobertura arbórea. Em 1986, ocorreu o primeiro fechamento da Estrada do Colono, que também foi declarado Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas (UNESCO). No mesmo ano, o Ministério Público Federal abriu uma ação civil para fechar a Estrada e, no ano seguinte, uma juíza federal a fechou oficialmente. Em 1997 ocorreu uma reabertura ilegal e, em 2001, a Justiça Federal determinou o fechamento definitivo durante 2 anos. Moradores resistiram a entregar a área e a desocupação foi feita pelo Exército, Polícia Federal e o Ibama.
Com o fechamento, alguns moradores locais tentaram abrir a estrada, alegando dificuldades econômicas e a impossibilidade de viajar com eficiência para a área, mas o argumento econômico não se sustenta mais. “Os danos causados à altamente valorizada Mata Atlântica do parque superariam em muito os ganhos econômicos potenciais para as cidades vizinhas’, dizem eles. Além disso, as espécies protegidas pelo parque são insubstituíveis, acrescentam. O Parque Nacional do Iguaçu é o único local do mundo onde a população de onças está aumentando em vez de diminuir”, cita o texto da Nature.
“Os retrocessos ambientais serão muito severos e o Brasil já deu grandes demonstrações de que não sabe cuidar dos seus recursos naturais e que não sabe tomar decisões ambientais assertivas, ao contrário do que diz o autor do projeto de lei”, finaliza Szinwelski.
Para ler o artigo da Nature na íntegra, clique aqui.
A Rede Pró-Unidades de Conservação é uma organização não governamental advocacy que busca ampliar sua representatividade e impacto em prol da proteção dos ambientes naturais. A Rede foi fundada em 1998 e atua em todo o território nacional fortalecendo Unidades de Conservação da Natureza juntamente com outras instituições e colaboradores que atuam em defesa das UCs no Brasil. Mais informações, acesse o site.
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Tentativa de abertura da Estrada do Colono ameaça biodiversidade e mais de 1.600 espécies de animais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU