11 Agosto 2021
"Há uma responsabilidade coletiva a ser exercida por aqueles que, por função e profissão, devem iluminar, explicar e aparar as arestas nos debates que procedem por contraposição, alimentados pelo combustível social. De fato, não se trata de pequenas discrepâncias. Hoje, o acúmulo rápido e incontrolável de falsidades e arrogância está se tornando uma ameaça poderosa para a comunidade e essas três balas um agudo sinal de alarme", escreve Alberto Bobbio, editor-chefe da revista Famiglia Cristiana, em artigo publicado por Eco di Bergamo, 10-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Dá vontade de dizer "ahi de nós!" diante da notícia das três balas contidas em um envelope endereçado ao Papa e interceptado pelos Carabineiros. É o gesto de um louco que parece já conhecido das forças policiais italianas e da Gendarmaria do Vaticano, que as teria acompanhado com um bilhete um tanto delirante sobre as últimas confusões econômicas do Vaticano, aliás já encaminhadas à atenção dos juízes com um megaprocesso que começou há poucos dias. Bergoglio não corre perigo, é preciso dizer de imediato. No entanto, o gesto, circunscrito e extremo, irracional e insensato, pode ser o sinal de um conflito que se torna cada vez mais forte em torno do que até agora são apenas manifestações de desconforto por parte de grupos e indivíduos que contestam um pontífice incômodo pelo que ele diz e pela forma como age.
As três balas, bastante inofensivas, chumbinhos de fuzil de fácil obtenção, são um detalhe que, no entanto, preocupa e corre o risco de emulação. O Papa Francisco incomoda muita gente, quando analisa, por exemplo, a complexa situação da economia mundial ou quando se detém nas causas da imigração e sobre os pesados desafios políticos que a ela estão ligados em todas as latitudes e, portanto, não apenas na Itália. Vozes diferentes e, sobretudo, discordantes têm acompanhado o debate até agora, às vezes com tons grosseiros. Mas se tudo permanece dentro do perímetro do discurso público, mesmo quando os argumentos são estruturados por contraposição, o comportamento é correto e certo por definição. Se o oposto acontecer e se escorregar perigosamente para um jogo de soma zero, onde cada um exige do outro cumprimentos, a questão se complica.
Não conhecemos a lucidez do autor do gesto, nem seu grau de frustração, nem sabemos de seu conhecimento dos fatos a que se refere com familiaridade no bilhete. Mas sabemos que hoje as polêmicas e a cacofonia grosseira de interesses contrapostos na Igreja em relação não só às finanças do Vaticano, mas a uma multiplicidade de questões urgentes, provavelmente irrevogáveis e seguramente dramáticas sobre o sentido do Evangelho na história de hoje e sobre a estratégia pastoral para ir em busca da centésima ovelha, ou seja, aquela que está fora da chamada cerca dos justos, estão causando exasperações que vão além do simples exercício da dialética. Tudo é lido em contraposição e se torna difícil raciocinar em termos de comunidade de destino. De um lado estão os puros, os justos, os bons do outro, todo o contrário. Cada raciocínio procede por visões corporativas, com tendências que desagregam em vez de buscar a unidade.
A exasperação do debate sobre o pontificado de Francisco nos Estados Unidos é a prova da incapacidade estrutural, mesmo dentro da Igreja, de se empenhar a identificar prioridades comuns e significativas para o nosso tempo. Quando ressentimentos e raiva são intensificados a um grau tão alto e a circunstância se torna um fato normal, não é de admirar que alguém menos preparado culturalmente e mais sujeito a análises catastróficas e confusas, para expressar sua opinião enfie três balas em um envelope. No final, poderíamos sorrir e rotular a situação como um gesto que fala por si. Mas não, porque aquele gesto questiona a todos, em sua irracionalidade sombria e abismal. Há uma responsabilidade coletiva a ser exercida por aqueles que, por função e profissão, devem iluminar, explicar e aparar as arestas nos debates que procedem por contraposição, alimentados pelo combustível social. De fato, não se trata de pequenas discrepâncias. Hoje, o acúmulo rápido e incontrolável de falsidades e arrogância está se tornando uma ameaça poderosa para a comunidade e essas três balas um agudo sinal de alarme.
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Balas a Francisco, o pontífice incômodo. Artigo de Alberto Bobbio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU