11 Agosto 2021
"A necessidade de abolir os seminários e de encontrar outros caminhos para a formação dos padres nasce da mudança de época em que estamos e da necessidade de uma nova evangelização".
A opinião é de Gilberto Borghi, teólogo, filósofo e psicopedagogo clínico italiano, formador na cooperativa educativa Kaleidos. O artigo foi publicado em Vino Nuovo, 28-07-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Precisamos abolir os seminários, sim! A necessidade de se pôr as mãos nos seminários não nasce apenas de problemas de distorção sexual dos padres, que, no máximo, são um efeito, e não uma causa, mas é muito mais antiga.
Em 1563, quando o Concílio de Trento tomou a decisão de instituir os seminários, como lugares dedicados à formação dos futuros padres, ele queria obter duas coisas: o aumento da taxa cultural média dos sacerdotes e uma maior profundidade e uniformidade espiritual deles.
Estávamos em um momento histórico muito importante para a Igreja. A pervasividade cultural do cristianismo era total na Europa, mas era necessário reagir aos movimentos protestantes para salvaguardar a reta doutrina. Não havia habitante da Europa que não era chamado a tomar partido, e nisso se demonstra como o cristianismo tinha um papel cultural, social e político absolutamente primordial em comparação com qualquer outra visão do sentido da vida. A fé cristã era a referência social principal, mesmo que, com a chegada da modernidade, ela não seja mais tão evidente quanto na Idade Média e deva, de algum modo, se credenciar diante da razão, que lentamente se torna cada vez mais o verdadeiro motor da vida humana.
Por isso, fazia sentido pegar um jovem por cinco anos e fazê-lo viver nas regras da instituição do seminário, fortemente reconhecida pela própria sociedade, para que ali ele pudesse formar uma densidade cultural e espiritual a ponto de poder dar resposta precisamente a esta dupla necessidade: reacreditar a fé aos olhos da razão e restabelecer a reta doutrina.
Terminados esses cinco anos, depois, ele se encontrava na mesma sociedade de cinco anos antes e entrava nela com uma posição bem clara, reconhecida não só eclesialmente, mas também socialmente: ser o guia dos fiéis na reta justa e no caminho espiritual.
Sabemos como foi. Pelo menos três efeitos devem ser enfatizados.
Primeiro. Ao longo dos quatro séculos seguintes, o seminário logo se tornou um lugar de “garantia” de sobrevivência econômica para muitíssimos filhos de famílias que não tinham outras possibilidades, que, por isso, ingressavam nele por motivações não totalmente vocacionais.
Segundo. Ao mesmo tempo, não desapareceu o hábito das famílias poderosas de colocar as mãos na Igreja para fazê-la se tornar um instrumento do seu poder social e político, acabando por “desviar” os objetivos eclesiais.
Alguém poderá dizer: distorções aceitáveis, que, diante dos grandes números de seminaristas daqueles quatro séculos, permitiram igualmente que os melhores aumentassem efetivamente a sua própria taxa cultural e aprofundassem a sua espiritualidade. Sim, é verdade, gerando também grandes santos.
Mas são distorções que, graças a Deus, acabaram por volta do fim dos anos 1960, quando a sociedade europeia começou a mudar profundamente de rosto e de condição econômica, e os seminários de repente ficaram quase vazios. Dali em diante, o seminário era cada vez menos reconhecido socialmente, mas continuava sendo eclesialmente. Mas, depois de meados dos anos 1980, a Igreja perdeu gradualmente o seu papel único de referência no nível do sentido da vida, e a sociedade começou a mudar drástica e velozmente.
Diante disso, por sua vez, o seminário permaneceu praticamente o mesmo, e isso continua perpetuando um terceiro efeito, já presente no início e que ainda persiste: os futuros padres são educados à diversidade e à separação em relação aos fiéis comuns e, especialmente, a pensarem a si mesmos como guias (muitas vezes: um homem sozinho no comando), por isso, em um nível de poder mais alto do que o dos fiéis. De fato, essa é a estrutura do poder da comunidade de fé, totalmente nas mãos do padre, que está na base do drama atual do clericalismo e da insignificância dos leigos.
Há algum tempo, eu penso que a crise das vocações sacerdotais na Europa e nos Estados Unidos é obra de Deus, e não da falta de resposta dos homens (como pensa a maior parte da hierarquia), nem mesmo do diabo (como muitos católicos ultraconservadores defendem). Talvez Deus esteja tentando nos mandar um sinal para desmantelar o clericalismo e para repensar como podemos ser uma comunidade de fé que saiba estar presente e ser eficaz no mundo de hoje.
Na lógica tridentina, de fato, fazia sentido construir os seminários assim como eles são, mas hoje não faz mais. Porque hoje o cristianismo não é mais a referência principal para o sentido da vida dos europeus. Isso pode nos desagradar, mas não se pode negar. Porque um seminarista, depois de cinco anos, volta a uma sociedade diferente da anterior, e o seu papel de guia eclesial é quase sempre dissonante em relação a comunidades eclesiais que muitas vezes não são comunidades, esvaziadas da fé e habitadas por pessoas que desfrutam de modo cada vez mais individualizado do “serviço religioso”.
Por isso, não é possível continuar pensando que um padre tem um lugar reconhecível na sociedade atual e que a comunidade eclesial é um lugar efetivo de vida cristã em que ele possa se sentir reconhecido. Hoje, a comunidade não deve ser guiada, mas refundada, porque a fé deve se credenciar não tanto em relação à razão, mas em relação ao mercado da felicidade e às dimensões emocionais e corporais, sobre as quais quase não há mais nenhum “percurso” educativo dentro dos seminários.
Então, isolamento, intelectualização e o fato de se sentir um guia são dimensões que, para um seminarista hoje, são contraproducentes. O isolamento o fará se sentir sozinho; a intelectualização o levará a não encontrar canais de comunicação com aqueles poucos fiéis que ainda poderão segui-lo; o fato de se sentir um guia acabará sendo o modo mais difundido para obter compensações humanas inevitáveis.
E este é o quarto efeito com o qual temos que fazer as contas. Os seminários de hoje, a partir de meados dos anos 1980, correm cada vez mais o risco de ser lugares de “refúgio” ou de “compensações” para distorções humanas que não encontram outra saída na experiência do indivíduo. Em particular, das sexuais ou das envolvidas na gestão do poder e do dinheiro.
Acho que agora está bastante claro que clericalismo, forma de vida comunitária e formação dos padres estão intimamente conectados entre si. A necessidade de abolir os seminários e de encontrar outros caminhos para a formação dos padres nasce da mudança de época em que estamos e da necessidade de uma nova evangelização, já anunciada há muito tempo, mas que cada vez mais custa a ganhar corpo, porque uma das maiores resistências ainda está, precisamente, nos seminários.
De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.
XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição
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Precisamos abolir os seminários! (Parte 1) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU