23 Outubro 2018
“Não é concebível que os futuros padres tenham um coração esclerótico, rígido, fechado; em vez disso, eles devem ter um coração modelado eucaristicamente, isto é, manso, generoso, misericordioso, capaz de dom e de perdão, que direciona altruisticamente as suas batidas de amor sábio e convivial, como o mundo de hoje quer ser ouvido.”
A opinião é do teólogo italiano Michele Giulio Masciarelli, sacerdote da Arquidiocese de Chieti-Vasto, professor da Pontifícia Faculdade Marianum, em Roma, e do Istituto Teologico Abruzzese-Molisano, em Chieti, na Itália, em artigo publicado por Settimana News, 20-10-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Tolerar não é mais suficiente. Não há quem não veja que a ideia iluminista da tolerância não interpreta mais a complexidade contemporânea, enquanto abre espaço para uma ideia cristã: “Hoje, na sociedade das diferenças, na sociedade multicultural, multiétnica, multirracial e multirreligiosa. a tolerância não é mais suficiente, porque, nesta nova situação, não podemos nos relacionar com o outro com uma simples atitude de respeito. Já é muito, mas também é pouco demais. Hoje, o problema é que, com o outro, devemos conviver e, acima de tudo, construir um destino comum. É preciso passar de atitudes simplesmente de respeito e de tolerância a atitudes de cooperação, de convivialidade, de simpatia, por um caminho de civilização a ser feito juntos” [1].
A Igreja vive em um mundo que cria problemas de todos os tipos para ela (por exemplo, para a sua evangelização), mas que – paradoxalmente – também a ajuda a lembrar os tesouros do seu patrimônio espiritual esquecidos e a desenterrá-los, como essa espécie de sinodalidade a que ele tende pelo caminho nada fácil de uma complexidade boa, e, também para decifrá-la e encontrar os modos para enfrentá-la, requer-se a ajuda da capacidade crítica da teologia.
Construir uma cultura da convivialidade. Nessa palavra-chave – convivialidade – resume-se o significado atual e exaltante, mas também difícil e exigente de uma das formas mais altas e refinadas da educação. Ela chama a ir muito além da simples tolerância que, embora seja uma palavra de civilíssima pedagogia, já demonstra se inscrever em uma perspectiva projetualmente mínima: “A convivialidade é algo muito mais profundo do que a simples tolerância recíproca” [2].
Portanto, esgotada o impulso propulsor da ideia iluminista de tolerância, os tempos levam a adotar, então, a profecia eucarística da convivialidade [3], que demanda previamente uma pedagogia da desconstrução: pede para desmistificar as razões que justificam os bastiões da separação, para depois poder derrubá-los.
Ela também pede uma pedagogia dos gestos: isto é, exige a ativação mais realista da linguagem não verbal do envolvimento pessoal coerente.
Por fim, ela demonstra confiar apenas em uma pedagogia narrativa, que esteja fortemente conectada com a ética narrativa, que apresenta modelos concretos de comportamentos bons, enquanto favorece o encontro de identidades narrativas, já que o homem é um nó de relações, um nó de histórias [4].
Narrar não envolve o uso imperativo do verbo: é o manso contar a vida. Mas, então, ele é ineficaz, por isso? Depende da qualidade daquilo que se narra: histórias autênticas, sinceras, plenamente fiéis às leis da vida, ao magistério da consciência, à radicalidade do Credo religioso (para quem têm fé) arrastam, convencem e educam.
Que a convivialidade eucarística inspire a educação. É magnífico que a convivialidade eucarística possa ser inspiradora também de uma convivialidade cultural.
“A convivialidade, como tendência da cultura, deve se tornar comensalidade, como experiência entre as culturas. Para mudar o mundo ao sinal da justiça, é preciso mudar a vida ao sinal do amor” [5].
Ora, a eucaristia pede que a Igreja comprometa por inteiro a sua maternidade e expresse com delicadeza e força a sua esponsalidade: estas são dotes que provêm da sua natureza eucarística: aliás, quem entendeu e realizou, até o fim, os dinamismos da caridade e do serviço nas bodas de Caná, figura profética da mesa eucarística, senão Maria, uma esposa e uma mãe?
A Igreja deve expressar à mesa eucarística aquilo que Maria fez ao redor da mesa nupcial de Caná: estar atenta, aproximar Cristo aos servos, e os servos, a Cristo; pedir o milagre a Cristo (mudar a água em vinho) e, aos servos (às pessoas às quais a missão se destina), que colaborem no cumprimento do milagre, fazendo aquilo que eles podem fazer (encher os jarros com água) [6].
Que se busque uma convivialidade discipular. O discípulo do Evangelho é a criatura da convivialidade, porque forma a sua vida para a familiaridade com Cristo, para estar cotidianamente com ele e para comer à sua mesa; de modo particular, o homem da convivialidade eucarística é o sacerdote, por vocação e missão.
Por isso, a educação nos seminários e nos locais de formação dos futuros presbíteros deve incluir a nota da “convivialidade”, que, além da dimensão espiritual-eucarística, envolve outras: a relacionalidade humana, pastoral, e uma personalidade empática que permita distinguir os futuros presbíteros pela alta capacidade de acolhida e de compreensão diante dos problemas que a vida e a missão apresentam continuamente.
Na sua formação, não deve faltar a dimensão que, com expressão ampla, pode ser chamada de “convivialidade cultural”. A longa frequentação de Cristo na intimidade da experiência eucarística deve levar a criar nos futuros padres um coração realmente discipular, ou seja, convivial, amoroso, pronto para a escuta, abandonado à confiança no outro, disposto a preceder no ato de doar.
Formar a uma convivialidade pastoral. Aqueles discípulos particulares que são os futuros padres devem ser levados à posse da virtude da convivialidade, que colore de bela confidência as relações com os outros irmãos de criação, além daqueles dentro da família eclesial.
O fato de ter nascido do mesmo leito nupcial (a fonte batismal) e o fato de ser comensais na mesma Ceia de família (o altar-mesa), exigem dos cristãos uma atitude consequente de cálido e fraterno entendimento, de sincera e partícipe amizade, de caridosa e eucarística solidariedade.
Não é concebível que os futuros padres tenham um coração esclerótico, rígido, fechado; em vez disso, eles devem ter um coração modelado eucaristicamente, isto é, manso, generoso, misericordioso, capaz de dom e de perdão, que direciona altruisticamente as suas batidas de amor sábio e convivial, como o mundo de hoje quer ser ouvido.
Um discípulo de Jesus terá um coração eucarístico, porque somente em torno da alegria acolhedora e nutritiva da Mesa é possível que o coração se torne convivial. Absorvendo uma mentalidade eucarística, o discípulo desenvolverá uma personalidade convivial que se faz reconhecer por uma forte tensão ao outro, pela vontade de tomá-lo em custódia, não para capturá-lo, mas para acompanhá-lo para ser ele mesmo até o fim.
Treinar para usar estilos conviviais. Nascem, assim, estilos conviviais que se impõem cada vez mais, até criar, com o tempo, uma tradição e a tecer a trama para uma cultura convivial.
A “cultura da convivialidade” desemboca ou se insere na “cultura da ternura” [7], que deve ser entendida como “o estilo permanente dos indivíduos e da comunidade voltado à atenção, ao interesse pelos outros, ao respeito pelas relações, ao compromisso solícito, à alegria da operosidade, ao senso lúdico, à síntese entre contemplação e ação. [...] Ternura é adaptabilidade, ductilidade, elasticidade, como alternativa à rigidez da mente, do coração, dos projetos e das operações. Diz-se que o ramo da árvore é tenro quando é flexível. Não se trata de entrar em compromissos baixos com a consciência, mas sim de subir para a amorosidade da convivência” [8].
A cultura ou a “civilização da ternura” – com cuja construção os cristãos podem dar uma grande contribuição, precisamente com o estilo da convivialidade eucarística – abre-se como estrela: é ternura para si mesmo, para o próximo, para a criação, para os povos [9].
De modo particular, a “civilização da ternura” é promovida ao se comprometer com a criação de uma antropologia e uma cultura da convivialidade que realizem a fecundação recíproca das diferenças [10].
1. A. Nanni. "Conflittualità e tolleranza", in Mondialità, 23 (1992) 20. Sobre a refinada educação à convivialidade das culturas, cf. I. Illich. La convivialità. Milão: Mondadori, 1974; M. Montani. "L’universalismo culturale: identità che si coniugano con alterità", in: Orientamenti pedagogici, 38 (1991) 509-521.
2. R. Panikkar. I fondamenti della democrazia. Forza, debolezza, limite. Roma 2000, p. 45. Cf. sobretudo um clássico da educação e da cultura em termos de convivialidade: I. Illich. La convivialità. Como, 1992.
3. Cf. A. Nanni. Educare alla Convivialità. Bolonha, 1994.
4. P. Bichsel. Il lettore, il narrare. Milão, 1989.
5. S. Palumbieri. L’uomo e il futuro, II. Roma, 1993, p. 30.
6. Cf. M. G. Masciarelli. La Maestra. Lezioni mariane a Cana. Cidade do Vaticano, 2002.
7. Cf. C. Rocchetta. Teologia della tenerezza. Bolonha, 2000 (com bibliografia).
8. S. Palumbieri. L’uomo e il futuro, II, p. 273.
9. Cf. G. Martirani. La civiltà della tenerezza. Nuovi stili di vita per il terzo millennio. Milão, 1997, pp. 51-149.
10. Cf. A. Nanni. Educare alla convivialità. Un progetto formativo per l’uomo planetario. Bolonha, 1994, pp. 168-170.
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Educar os futuros padres para a convivialidade. Artigo de Michele Giulio Masciarelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU