27 Julho 2021
"A tarefa ética a ser repensada é a de integrar a realidade das novas mídias na sua consistência e não na simples qualidade instrumental de meios".
O comentário é de Pier Davide Guenzi, presidente da Associação Teológica Italiana para o Estudo da Moral (Atism, na sigla em italiano), em artigo publicado por Il Regno, 26-07-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No entrelaçamento caótico da informação digitalizada, na desordem babélica das redes, “miséria e nobreza”, “vícios e virtudes”, a lúcida racionalidade da tecnologia e as múltiplas solicitações de uma floresta feita de pulsões e irracionalidade convivem como nas ruelas estreitas de uma cidade antiga.
Nesse sentido, como retomado várias vezes pelos conferencistas durante os trabalhos do XXVIII Congresso Nacional da Associação Teológica Italiana para o Estudo da Moral (Atism) sobre “Ética cristã e universo digital: desafios, tensões e dinâmicas”, a clara dicotomia entre real e virtual não tem razão de ser.
O espaço criado pelas tecnologias das telecomunicações (TICs) não é menos real, para os usuários que, por sua vez, são produtores de informações, do que o espaço físico-corpóreo construído na relação interpessoal e nas relações institucionais.
Nesse sentido, a tarefa ética a ser repensada é a de integrar a realidade das novas mídias na sua consistência e não na simples qualidade instrumental de meios. Trata-se de considerar a sua função de estruturar (ou respectivamente a possibilidade de desestruturar) as expressões que dão forma ao humano, que orientam a sua proteção, que delimitam o seu cuidado, que definem espaços fundamentais de responsabilidade de cada um, que lhe atribuem uma finalidade socialmente construtiva.
O desafio de conectar comunicação midiática e transmissão sapiencial da vida é fundamental, a esse respeito. Contanto que se saiba reconhecer que todo aprimoramento tecnológico envolve, de modo proporcional, um reforço e um maior refinamento interpretativo em relação ao sentido e à sabedoria da vida, às questões cruciais da pessoa, das relações, da liberdade e da consciência.
Um registro convergente nas conferências do congresso foi o de evitar polarizações rígidas ao se qualificar o significado e o papel das novas mídias.
A sua introdução massiva na vida cotidiana envolve uma redefinição do “eu” individual, da consistência das relações intersubjetivas, das mediações envolvidas na vida social, as quais é preciso saber compreender com atenção, sem com isso ocultar, ao lado dos elementos positivos, os problemáticos.
Em particular na comunicação mediada pelas novas tecnologias e pela cultura digital, o “insignificante” torna-se “acontecimento”; as representações são mutiladas por interpretações, exceto as de reação imediata quase instintiva à provocação do outro; o sentido tende a se tornar um produto de troca, sem um processo de compensação reflexiva para além da sua inserção imediata no circuito das opiniões.
Nesse sentido, devem ser acolhidas com atenção e compromisso projetual a solicitação oferecida por Pier Cesare Rivoltella e Nicoletta Pavesi a ler, ao lado dos limites, as potencialidades das novas mídias na exploração dos territórios do “eu” e da relação, dos laços e do crescimento do capital social, vigiando, no entanto, sobre a violência subjacente a certos processos comunicativos e sobre a possível acentuação das desigualdades sociais com a brecha digital.
É importante refletir sobre o que pode favorecer a passagem de uma comunicação mediada que tende à “repetição” da mesma trama a uma dimensão “generativa” dela.
Uma comunicação é generativa quando sabe captar conexões onde, aparentemente, parece haver apenas incompatibilidade; compromete-se a favorecer novas compreensões da realidade, capazes de reduzir distâncias e polarizações; propõe-se a combater a simplificação das trocas informativas, que mortificam a riqueza do real; pretende não ultrapassar, mas atravessar com lucidez a tensão dinâmica do real.
A forma e a in-formação que se dão à vida são sempre limitadas. Essa consciência apresenta como elemento apreciável para a comunicação e as novas mídias uma necessária forma flexível para fazer emergir não apenas a complexidade do real, mas também a própria inesgotabilidade da vida e das suas leituras interpretativas.
As perspectivas convergentes – que surgiram a partir das conferências apresentadas no Congresso da Atism, começando pela importante solicitação de não considerar as TICs como “acidentes de percurso”, mas como o contexto no qual é preciso produzir uma antropologia à altura das transformações (Lucia Vantini) – centraram a atenção na correlativa atenção a ler os grandes nós éticos da consciência e da liberdade, da responsabilidade e da tomada de decisão no contexto tecno-humano (Paolo Benanti e Alessandro Picchiarelli); sobre a importância de um modelo ético de referência não apenas na abordagem às mídias (Claudia Paganini), mas também com uma atenção mais decisiva ao desenvolvimento deste capítulo da ética aplicada (Gaia De Vecchi), para uma qualificação autorizada da própria reflexão teológico-moral (Antonio Autiero) e, em sentido mais amplo, das dinâmicas dialógicas (e sinodais) dentro da Igreja (Riccardo Battocchio), superando o perigo e a sedução da autorreferencialidade em uma perspectiva de serviço ao crescimento das pessoas e dos diversos sujeitos eclesiais.
Também não faltou uma referência ao nosso blog Moralia, que, há já seis anos e com pontual continuidade, conquistou o seu espaço reflexivo na rede.
Para quem o pensou e, com tenacidade, apoiou nesse tempo certamente nada breve para as dinâmicas da contemporaneidade, ele continua representando, no seu nicho peculiar, um exemplo de comunicação participativa e generativa. Uma tarefa que se reabre e deverá ser relançada após as férias de verão [na Itália].
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Em busca de conexão: o universo digital e a reflexão ética - Instituto Humanitas Unisinos - IHU