Sobre a Trindade. Entrevista com Antonietta Potente

Foto: Il Ragazzo | Cathopic

15 Julho 2021

 

Antonietta Potente, religiosa dominicana, é teóloga, professora e escritora. Ela concedeu a seguinte entrevista sobre o seu último trabalho: “Scrutare il Mistero. Riflettendo sulla Trinità” [Perscrutar o Mistério. Refletindo sobre a Trindade] (Ed. Paoline).

A reportagem é de Giordano Cavallari, publicada em Settimana News, 13-07-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis a entrevista.

 

Antonietta, na introdução do seu último livro, você antecipa aos leitores as suas características: quais?

Este meu livro segue um movimento de tipo circular, o do retorno: ele toma alguns temas, depois os deixa e, em seguida, os retoma em outro contexto. Esse é um pouco o meu modo de pensar e de escrever, sempre, mas ainda mais neste livro, porque a circularidade – o fato de girar lentamente em torno do mistério – talvez nos permita melhor examinar atentamente e, portanto, dizer algo sobre a Trindade, da qual, no fundo, muito poucas palavras podem ser ditas. Só se pode tentar – continuamente atraídos – o retorno para onde não se pode entrar. Enquanto a teologia, especialmente a ocidental, por muitos séculos ousou entrar diretamente. E talvez ainda continue fazendo isso hoje. A pretensão de revelar o mistério levou a esmiuçar tudo.

Por outro lado, parece-me importante deixar o movimento – também da teologia – circular livremente em torno do grande mistério. Este livro – de pequenas dimensões – absolutamente não é um tratado: deve ser deixado aberto para envolver o pensamento de outras e de outros no movimento da circularidade. Quando eu encerrei o livro, outras coisas já estavam vindo à minha mente. Às vezes, eu penso: este poderia ser o livro “Trindade um”, mas depois poderia haver um livro “Trindade dois” e até um “Trindade três”. Com o mesmo modo de proceder, por si só inesgotável, pode-se continuar escrevendo.

Lendo o livro, parece possível entender que o seu modo de pensar e perceber a Trindade é mais apropriado para o Oriente do que o Ocidente: é isso mesmo?

Acho que o coração do mistério realmente permaneceu no Oriente, pelo menos no método da teologia oriental. A metodologia oriental é menos filosófica e mais experiencial. Por exemplo, Pavel Florensky – um dos autores que eu cito no livro e que também foi um grande filósofo – não se deixou levar pela filosofia sistemática na sua leitura do mistério trinitário. Mas, além de Florensky, toda a tradição oriental nos ensina uma metodologia diferente que parte, acima de tudo, da experiência pessoal do mistério. A “definição” dos dogmas também partiu e deveria partir da experiência, uma experiência do divino que podemos definir, acima de tudo, como mística. Por isso, no livro, eu não cito apenas Florensky, mas também, por exemplo, o Mestre Eckhart e a tradição mística alemã.

O ponto de abordagem, ao se fazer teologia, é de fundamental importância. Para mim, nunca se pode ignorar a experiência humana pessoal e o contexto em que essa experiência ocorre: os dois aspectos estão sempre em estreita relação. O Oriente tem sido um mestre nesse sentido. Pode-se dizer que o Oriente primeiro viu – teve a visão – e depois escreveu sobre essa visão. Enquanto o Ocidente – tendencialmente – primeiro pensou e depois escreveu. Naturalmente, estou simplificando. Mas é evidente que o Oriente se deteve mais na Trindade, na relação dos Três, no movimento, no Espírito circulante, assim como no lado “feminino” de Deus. O Ocidente, em vez disso, se deteve mais na dupla natureza do Filho.

Qual é a sua crítica à teologia ocidental tradicional da Trindade, à qual você se refere no livro?

A teologia ocidental, também no que diz respeito ao pensamento trinitário, seguiu o caminho “moralista”. Por isso, a tríade Pai, do Filho e do Espírito foi representada, também artisticamente, segundo critérios de fixidez e de hierarquia. Não há circularidade nas representações artísticas ocidentais da Trindade. Enquanto a visão própria da Trindade, como eu disse, é movimento. Enquanto isso, os ícones orientais não possuem perspectiva, mas possuem movimento e, assim, expressam a profundidade da visão. A leitura ocidental da Trindade, por outro lado, é estática, porque é ditada precisamente pela preocupação de explicar tudo, de dizer tudo, de concluir. Mas, se quisermos dizer tudo e concluir a todo o custo, absolutamente não deixamos espaço para a experiência, para as experiências sempre novas do mistério. Existem muitas razões históricas para explicar a posição ocidental. Mas certamente hoje, neste momento histórico, não precisamos do fixismo que a teologia ocidental construiu. Precisamos de movimento, e de um movimento espontâneo.

A concepção trinitária tradicional também corresponde – na sua opinião – a um certo modelo de sociedade humana?

Certamente a imagem que mantivemos do Pai, do Filho e do Espírito – em uma disposição hierárquica, de fato – teve a ver e ainda tem a ver com o modelo de poder instaurado na sociedade. Nós dizemos, por exemplo, que “o Filho é gerado” pelo Pai, mas nunca há um feminino nessa geração: é estranho, porque, se há um Pai, na nossa experiência, há também uma Mãe. O feminino foi excluído como se se quisesse apagar, desde já, a possibilidade de uma interpretação baseada no reconhecimento da vida de homens e de mulheres, coessenciais, no mesmo nível, na realidade. Certamente, com isso, dizemos – ou a teologia diz – que os Três não são um antes do outro, um mais importante do que o outro (porque obviamente se cairia nos vários tipos de heresia). Mas também é verdade que as imagens elaboradas no Ocidente continuam sendo muito organizadas, muito frias, a meu ver marcadas pelo moralismo que entrou também na dogmática, especialmente em um certo período histórico. Aquela dogmática devia servir para catequizar, mas também, certamente, para tornar as pessoas obedientes ao grande sistema social. Mas eu vejo as coisas como teóloga da moral, não da dogmática...

A Bíblia, por si só, não fala expressamente da Trindade. Você escreveu que é preciso captar os sinais, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. Poderia indicar alguns? Comecemos pelo Antigo Testamento?

Sim, me parece que já nas escrituras hebraicas é possível traçar o filão da pesquisa trinitária, ou seja, o desejo de perscrutar dentro do mistério de Deus como Deus. Nos Salmos, por exemplo, há sempre uma intensa expectativa de “ver” o rosto de Deus. O rosto é a expressão mais evidente da visão da intimidade, da interioridade do ser pessoal. Essa tensão pode ser facilmente traçada também nos profetas. Nos livros proféticos – pensemos nas grandes imagens de Isaías ou de Ezequiel – encontram-se diversas visões no limiar do mistério divino: elas facilmente se tornam visões de anjos, de querubins e de serafins, manifestações perceptíveis por meio dos sentidos humanos, como o som, o vento, o silêncio e outros.

A meu ver, portanto, as escrituras hebraicas já falam da experiência humana da aproximação ao mistério divino, por uma participação incipiente no próprio mistério, por um envolvimento em um dinamismo que é próprio do divino, do Deus-Trindade. No Antigo Testamento, obviamente, há ainda o capítulo 18 do livro do Gênesis, que “narra” a aparição de um-três anjos a Abraão. No livro, eu escrevi que não quero forçar a interpretação desse trecho – nem em um sentido nem em outro – especialmente por respeito às interpretações judaicas. Não pretendo demonstrar nada, justamente. Mas, analisando o texto, dei-me conta das passagens muito rápidas e repetidas do singular ao plural: às vezes, os anjos são três, outras vezes há apenas um anjo.

Esse me parece ser um belo sinal “trinitário”: a percepção de Deus de um modo original (não evidente): talvez, em um certo momento, Deus seja Um, talvez, em um certo momento, ele seja “Três”. Abraão vê “Três”, porque três são os visitantes que ele hospeda; por esse motivo, a Carta aos Hebreus pode dizer: “Vejam, hospedando, vocês também podem ter acolhido anjos”. Por meio da hospitalidade dos Três no Gênesis, chega-se àquilo que é fundamental também para o povo judeu, ou seja, que, hospedando a tríade plural que são os outros de nós, chegamos a hospedar o Outro como um Tu singular. No texto, eu convido a notar esses movimentos contínuos do Um ao Três, e do Três ao Um: Abraão vê Três figuras, mas depois fala apenas com Uma delas, dirige-se a Um apenas.

A esse respeito, relembro também alguns tratados rabínicos. Um deles diz que, talvez, os anjos eram três porque um anjo sozinho não pode fazer tudo em nome de Deus. Portanto, parece-me que esse modo de perscrutar e perceber o mistério divino é propriamente humano, muito humano. Não experimentamos nós também a Trindade nas nossas experiências concretas de relação? O mistério divino não se apresenta a nós em toda a sua realidade de encarnação em várias pessoas, diferentes, mas, de algum modo, unidas entre si em humanidade? Por isso, quando essa experiência de pluralidade e de diversidade é profundamente internalizada por nós, ela se torna percepção da unidade, isto é, do Uno da presença divina.

Quais são os sinais da Trindade no Novo Testamento?

No livro, refiro-me em particular ao prólogo de João. O prólogo representa para nós católicos o “tratado” da encarnação. Enquanto para mim tem, acima de tudo, um forte conteúdo trinitário. A escuta produz o efeito de um movimento generativo, que certamente é o movimento da encarnação, mas, ao mesmo tempo, é o movimento da pura gratuidade, da graça no Espírito. João é o evangelista mais místico, aquele que mais convida a perscrutar o mistério a partir de fora para o “dentro profundo” do divino, porque ele mesmo aparece como o escritor místico que se deixou levar e sugar pelo movimento a partir de “dentro”, até poder “contar” como ele o fez.

Além disso, eu me inspiro em trechos das Cartas de João. Também nelas, na minha opinião, há aquela passagem ou experiência muito importante “de fora para dentro” – se assim podemos dizer – que ocorre quando há participação plena no movimento do cosmos inteiro. Para mim, portanto, são fundamentais as referências às substâncias do sangue e da água, que são as substâncias de que a humanidade é feita, mas que também constituem as próprias potencialidades de toda a natureza do mundo. Nisso me parece ficar ainda mais evidente a circularidade do movimento que aproxima da Trindade, como um movimento totalmente natural. João – ou a literatura joanina – nos ajuda desse modo a sair do antropocentrismo rígido em que uma grande parte da teologia ocidental tradicional acabou caindo, para recuperar uma dimensão verdadeiramente cósmica – plural e unitária ao mesmo tempo –, verdadeiramente profunda, mais profunda.

Na sua opinião, podemos falar da Trindade em termos masculinos e também femininos?

O masculino está em toda a teologia, porque a teologia foi substancialmente escrita apenas por homens: homens sacerdotes. Isso deixa uma marca, até hoje, ainda indelével em todos os livros, mesmo que já exista uma reflexão feminina de Deus, como, aliás, ocorreu na Idade Média e mesmo antes. O que eu noto, porém, é que a teologia ainda viaja em trilhos fixos. Cada um viaja por conta própria. Talvez hoje haja mais diálogo. Chega-se até ao diálogo. Mas, depois, continuamos pensando e escrevendo, em boa medida, do mesmo modo. A teologia da Trindade, em vez disso, requer uma abordagem diferente, muito diferente, conjugada imediatamente entre o masculino e o feminino.

Qual é a atualidade de tratar da Trindade? No livro, você tenta responder a essa pergunta também...

Movimento de circularidade evidentemente não significa repetição de um círculo fechado sobre si mesmo, sempre igual a si mesmo: significa abertura ou uma série infinita de aberturas a partir das quais se pode perscrutar o mistério do divino, com uma sensação de estupor e de inesgotável novidade. Um movimento de dança. No primeiro cristianismo, essa simbólica era bem conhecida. Hoje, há uma necessidade particular, a meu ver, de redescobrir tal movimento de graça, em um mundo que se tornou cada vez mais “linearizado” ou “padronizado”, o que também significa hierarquizado, pesado e opressor.

Por isso, as pessoas hoje se sentem cada vez mais correndo, perdedoras, submissas e, enfim, esmagadas. Precisamos recuperar outros movimentos leves de circularidade nos estilos de vida, na circulação universal dos bens, na abertura empática ao outro e ao Outro. A Trindade, por isso, é uma proposta interessante. Não sou a primeira a dizer isso. Lembro-me do texto de Leonardo Boff intitulado “A Trindade, a melhor comunidade”. Naquele texto, a partir da Trindade, falava-se de questões muito atuais, por exemplo, a questão ecológica, a feminina, a latino-americana, a dos pobres! Hoje muitas mulheres estão trabalhando sobre a Trindade por esse motivo, mesmo fora do âmbito estritamente teológico.

A oração litúrgica trinitária “por definição” é o Credo: ainda somos capazes de entendê-lo? Algum dia ele poderá ser reformulado em termos diferentes?

Para responder, parto da segunda parte da sua pergunta e digo: talvez sim, talvez nunca. No entanto, eu acho que, mais cedo ou mais tarde, quem gerir a comunidade dos fiéis terá que perceber a exigência de retraduzir o Credo também, não para tirar espaço do mistério, mas para conferir um maior senso de mistério ao mistério. Para transmitir o senso do mistério divino da Trindade, há cada vez menos necessidade, na minha opinião, de dar definições, apenas definições. Eu acho que é preciso restituir totalmente às pessoas a consciência de um mistério de Deus. Não é uma questão de cabeça ou apenas de cabeça: é uma questão de experiência, de profundidade, de intensidade. Quando ocorre a percepção do mistério divino – do Deus Uno e Trino – absolutamente não se sente a necessidade de defini-lo, de dizer tudo isso. Devemos voltar a usar na oração – especialmente na oração – outra língua que nunca seja fixa e definidora. Na experiência litúrgica, nunca se pode assumir como evidente o sentido daquilo que se diz, se entende e se sente. Caso contrário, não há o senso do mistério, ou seja, não há o modo próprio da percepção de Deus. Além disso, isso poderia ter reflexos muito bonitos até mesmo no nosso modo de viver e de construir a sociedade. É algo muito necessário.

 

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