06 Julho 2021
"A Igreja não pode ser conivente com a bandidagem, mesmo que - muitas vezes - seja legalizada", escreve Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia da UFG.
No dia 1º deste mês de julho, o presidente Jair Bolsonaro participou - com seguranças, batedores, familiares e parlamentares - de uma Missa na Paróquia Nossa Senhora da Saúde, na Asa Norte de Brasília, transmitida pela TV Brasil. O evento religioso tinha sido combinado com a administração da Paróquia. Na hora da Comunhão, Bolsonaro entrou na fila e recebeu a Eucaristia das mãos de dom Paulo Cezar Costa, arcebispo de Brasília.
Lendo a notícia, fiquei profundamente indignado e com muita dor no coração. Foi realmente um ato público de prostituição da Igreja e de profanação da Eucaristia. É inacreditável!
Como pode um presidente, genocida e assassino, ser recebido ostensiva e deliberadamente numa Igreja e receber a sagrada Eucaristia? Além disso, Bolsonaro sempre demostrou que não tem uma opção religiosa definida e nem um comportamento macro - ecumênico que respeite e valorize todas as Igrejas e Religiões. Ele fala o nome de Deus em vão e usa hipócrita, cínica e oportunisticamente todas as manifestações religiosas para legitimar sua prática política criminosa.
Embora só Deus julgue a consciência das pessoas, objetivamente falando (ou seja, pelos fatos), podemos afirmar que Bolsonaro é um pecador público e a denúncia profética de seu mau comportamento deve ser também pública. A Igreja não pode ser conivente com uma política perversa e iníqua como a do presidente.
Abro um parêntese e cito mais um fato que mostra claramente que o presidente é um cafajeste hipócrita.
No último dia 16 - para tratar da demarcação de terras - centenas de indígenas “representantes de mais de 35 Povos originários, com o apoio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), marchavam na capital federal e esperavam ser recebidos por um representante da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), mas a tropa de choque da PM cercou o prédio da entidade e atacou os manifestantes com bombas de efeito moral e spray de pimenta”.
Os nossos irmãos e irmãs indígenas - verdadeiros donos do Brasil - foram recebidos em Brasília pela PM do governo Bolsonaro com bombas. A líder indígena Sonia Guajajara, coordenadora executiva da APIB, escreveu: “Um grande retrocesso que estamos sofrendo! Um órgão que deveria defender nossos direitos e interesses, agora nos ataca”. Que absurdo! Quanta maldade e quanta crueldade!
Ora, diante do fato que aconteceu na Igreja de Brasília, lembrei-me da grande figura de Santo Ambrósio, bispo de Milão. Segundo o relato de Sozomeno em sua História da Igreja - depois do massacre de 7000 pessoas em Tessalônica (390), às portas da Igreja em Milão, aconteceu a seguinte cena: “Quando Teodósio se aproximou dos portões do edifício, ele foi recebido por Ambrósio, o bispo da cidade, que se apoderou de seu manto de púrpura, e disse-lhe, na presença da multidão: ‘Afaste-se! Um homem renegado pelo pecado, e com as mãos encharcadas no sangue injustamente derramado, não é digno, sem arrependimento, de entrar neste recinto sagrado, ou participar dos Santos Mistérios’” (Citado por: Marcus Cruz - UFMT. Um homem renegado pelo pecado. A penitência de Milão e as relações entre a Igreja e o Império no final do IV século. Disponível no site da Revista Diálogos Mediterrânicos , Número 5 - Novembro/2013, p. 34).
Lamentavelmente, Bolsonaro - segundo pesquisas divulgadas nas redes sociais - é responsável pelo massacre de mais de 375 mil mortes (ao menos, de 3 em cada 4 mortes), que podiam ter sido evitadas: um massacre muito maior que o de Tessalônica (7 mil pessoas) do imperador Teodósio.
É verdade que o contexto histórico na qual viveu S. Ambrósio era diferente do nosso, mas com certeza sua atitude profética continua sendo uma luz que nos mostra como devemos agir hoje para sermos verdadeiros seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré. A Igreja não pode ser conivente com a bandidagem, mesmo que - muitas vezes - seja legalizada.
Quem sabe!? Se o arcebispo de Brasília tivesse tomado a atitude profética de S. Ambrósio, poderia ter acontecido com Bolsonaro o mesmo que aconteceu com Teodósio: “O imperador, impressionado e admirado com a coragem do bispo, começou a refletir sobre sua própria conduta e, com muita contrição, refez seus passos” (Ib.). Tudo é possível, com a graça de Deus.
Que o Espírito Santo nos ilumine para que sejamos sempre uma Igreja profética e nunca uma Igreja prostituta!
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A Igreja se prostituindo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU