Estados Unidos e imigração, a encruzilhada de Kamala Harris

Kamala Harris (Foto: Maryland National Guard | Flickr CC)

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14 Junho 2021

 

A vice-presidente Kamala Harris teve seu primeiro tropeço. Sobre a crise na fronteira com o México - um dossiê que Joe Biden lhe confiou - todos a atacam, a direita e a ala radical de seu partido. As contradições dos primeiros cinco meses de governo de Biden explodem no confronto entre Harris e Alexandria Ocasio-Cortez, uma jovem congressista nova-iorquina que é o rosto mais conhecido da extrema esquerda.

O comentário é de Federico Rampini, jornalista italiano, publicado por La Repubblica, 09-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

Para os republicanos, Harris é culpada de uma grave omissão porque não foi visitar a fronteira entre os Estados Unidos e o México, os pontos críticos de uma nova crise migratória onde se aglomeram os requerentes de asilo. Talvez, insinuam os mais maliciosos, para não chamar a atenção da mídia para o fato de que o governo democrata está usando métodos de detenção semelhantes aos de Donald Trump? Para a esquerda radical, Kamala jogou a máscara em sua recente viagem à América Central e ao México, ela se revelou uma conservadora. A acusação é a mesma, o governo Biden está de fato estendendo a política de Trump: fronteiras fechadas e "vamos ajudá-los na sua própria casa".

A vice-presidente, de fato, disse exatamente isso. "Ninguém abandona uma avó por vontade própria", declarou ela. As pessoas desesperadas que deixam a Guatemala, Honduras, El Salvador ficariam contentes se houvesse condições econômicas, sociais e de ordem pública. Ao anunciar ajuda aos governos locais, Harris os acompanha com um aviso: "Se vocês vierem aqui, nós os mandaremos de volta".

Traição? Biden nunca foi tão incauto a ponto de abraçar os slogans no border de Ocasio-Cortez. Durante a campanha eleitoral, ele prometeu uma reforma da imigração para tornar menos difícil o caminho para a anistia de imigrantes ilegais que já residem nos Estados Unidos há anos. Ele não falou em abrir as fronteiras para todo mundo. A posição Biden-Harris está na linha da tradição progressista estadunidense. Franklin Roosevelt (o presidente do New Deal que Biden vê como um modelo) fez grandes reformas sociais sabendo que a redistribuição e a equidade se podem aplicar enquanto houver alguma homogeneidade nacional. Roosevelt manteve as fronteiras quase blindadas para novos candidatos à imigração. Era, entre outras coisas, uma condição para fortalecer o poder de barganha dos trabalhadores estadunidenses.

Outras esquerdas históricas compartilharam a mesma abordagem. A esquerda sulista italiana nunca considerou a emigração uma solução para os problemas do sul. Recentemente, os socialistas na Suécia e na Dinamarca tornaram as regras mais rígidas; seu avançado bem-estar tinha concedido benefícios a novas ondas de migrantes, muitas vezes hostis aos próprios valores daquelas sociedades (igualdade de direitos entre homens e mulheres, por exemplo), provocando repensamentos.

Ocasio-Cortez objeta que não se pode "ajudá-los em suas próprias casas" depois de ter "posto fogo em suas casas" por tanto tempo. É a visão de um EUA imperialista como verdadeiro culpado do colapso dos países do Sul. Essa ideologia da esquerda radical é inaceitável para a maioria dos estadunidenses: eles se sentem descritos como o único Império do Mal, e ao mesmo tempo condenado a se tornar "minoria em casa" para hospedar todos os deserdados da terra. No horizonte, o que Ocasio-Cortez propõe é um EUA "antiestadunidense", condenado ao arrependimento e à expiação, a indenizar e compensar todas as supostas vítimas.

Essa batalha entre Harris e Ocasio-Cortez revela uma das linhas de fraturas internas em que os democratas estão disputando as próximas eleições, as legislativas que acontecem em um ano e meio. Trump em novembro passado, embora claramente derrotado, aumentou seu consenso entre hispânicos e afro-americanos, também por estarem assustados com os slogans da esquerda radical.

Até agora Biden havia adiado o confronto final entre as várias facções de seu partido, satisfazendo um pouco a todos. Ele anunciou a abertura de reformas muito ambiciosas: redistribuição de renda e redução das desigualdades; relançamento dos investimentos e empregos; transição para uma economia de emissões de carbono zero; luta contra o racismo. Os presidentes que passam para a história são aqueles que - como Roosevelt - sabem escolher poucas batalhas e vencê-las.

 

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