09 Junho 2021
"Estamos diante de uma mudança de mentalidade. O estudo do comportamento dessas minúsculas partículas subatômicas [elétrons] abre a possibilidade de inventar ilhas de matéria onde novos códigos podem ser aplicados. É aqui que nasceu a linguagem binária composta por bits, onde os estados 1 e 0 estão associados à passagem ou não das novas partículas", escreve Cristian Fuschetto, em resenha do livro de Vittorio Pellegrini, Il lampo dell’elettrone (Codice Edizioni: 2021, 176 pp., 15,00 euros), publicada por Scienza in Rete e reproduzida por Settimana News, 27-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Cristian Fuschetto é ensaísta e jornalista científico. Doutor em bioética, desde 2003 colabora nas actividades de ensino e investigação das cátedras de Filosofia Moral e Antropologia Filosófica da Universidade de Nápoles “Federico II”. É editor da «Scienza & Società» (Pristem - Bocconi) e das revistas online «S & F_» e «Scienza & Arte». É membro da Cooperativa de Comunicação Científica "CodiCS". Autor dos livros Fabbricare l’uomo. L’eugenetica tra biologia e ideologia (Armando, 2004), Darwin teorico del postumano. Natura, artificio, biopolitica (Mimesis, 2010) e, insieme a Pietro Greco, ha curato Robot. Scienza e Coscienza delle macchine (Cuen, 2009).
Quando ligamos a televisão, trabalhamos no computador ou ficamos estressados diante do nosso smartphone, quando muito mais simplesmente estamos em frente a uma tela (e, diríamos primeiro, quando nossos olhos não estão colados nela) somos testemunhas involuntárias de uma espécie de milagre: a leveza do ser.
Para entender o que se trata, tomo emprestado o gênio e a prosa de Ítalo Calvino que, em uma de suas Seis Propostas para o Próximo Milênio: Lições Americanas, expressa assim o jogo de força entre o impalpável poder dos bits e a solidez malsucedida das coisas: "É verdade", escreve Calvino , “que o software não poderia exercer os poderes de sua leveza, exceto através do peso do hardware; mas é o software que comanda, que atua no mundo externo e nas máquinas, que só existem em função do software, evoluem de forma a elaborar programas cada vez mais complexos”.
Calvino nos convida a apreender a força "antigravitacional" da revolução informática. "A segunda revolução industrial", diz ele, "não se apresenta como a primeira, com imagens avassaladoras, como prensas rolantes ou peças fundidas de aço, mas como os bits de um fluxo de informações que corre sobre circuitos sob forma de impulsos eletrônicos. As máquinas de ferro estão sempre presentes, mas obedecem a bits sem peso”.
Era o alvorecer da infosfera, a civilização digital esquentava seus motores silenciosos, a internet ainda era uma tecnologia para os entendidos e a world wide web, a internet para as massas, seria inventada quatro anos depois nos laboratórios do CERN. Ainda assim, nas palavras de Calvino, o sentido da mistura ontológica entre matéria e informação já é muito claro. Matéria é informação e a eletricidade é a sua linguagem.
Hoje damos como certo, mesmo os mais distraídos terão notado a inteligência das coisas, a chamada internet das coisas, a conexão de tudo com tudo. Mas, como muitas vezes acontece, as coisas desabam sobre nós, a história nos precede sem nos dar tempo para tomar notas. Nicolas Negroponte, fundador do MIT em Boston, gostava de repetir: “A tecnologia é como o tigre. Ou você o monta, o doma, ou ele te devora”. A leitura de Il lampo dell’elttrone (Codice Edizioni 2021) de Vittorio Pellegrini, é então uma ferramenta útil para não sofrer o presente ou, se preferir, um excelente dispositivo de proteção contra ataques incômodos.
A eletrônica se tornou a chave da nossa existência em um tempo brevíssimo, pouco mais de um século. Tudo começa em 30 de abril de 1897, quando Joseph John Thomson anuncia os resultados de seus experimentos sobre os raios catódicos em uma palestra na prestigiosa British Royal Society. Desbancando uma crença bimilenar, o físico de Cambridge anuncia ao mundo que o átomo não é o menor tijolo de matéria, dilacera o indivisível e inaugura o espaço subatômico onde, graças a cálculos meticulosos, descobre as partículas 1.700 vezes menores do que o átomo de hidrogênio, isto é, do que então se acreditava ser o pedaço de matéria mais leve em absoluto.
A descoberta do elétron é a premissa da informática. A própria possibilidade de um elaborador surge com a descoberta dessas minúsculas partículas e sua manipulabilidade. Experimento após experimento, torna-se muito claro que, na formulação das operações aritméticas, os disparos dos elétrons podem tomar o lugar das pedras do ábaco.
Não é apenas uma mudança de tecnologia. Estamos diante de uma mudança de mentalidade. O estudo do comportamento dessas minúsculas partículas subatômicas abre a possibilidade de inventar ilhas de matéria onde novos códigos podem ser aplicados. É aqui que nasceu a linguagem binária composta por bits, onde os estados 1 e 0 estão associados à passagem ou não das novas partículas.
Tudo muda. Os tubos de vácuo nos quais os pioneiros da eletrônica observam as novas forças são, na verdade, os precursores dos contêineres dos bits. Das válvulas termiônicas ao triodo, dos transistores aos computadores quânticos, Pellegrini traça a incrível aventura com que a ciência do século XX não apenas descobriu um pedaço de matéria literalmente inconcebível (além do átomo não havia nada), mas até aprendeu a governá-lo tornando-o a pedra angular através da qual transformar a própria noção de realidade.
Do ENIAC, a calculadora encomendada em 1946 pelo Governo dos Estados Unidos para determinar as trajetórias dos projéteis de artilharia, consistindo de 18.000 tubos de vidro, 30 toneladas distribuídas numa superfície de 130 metros quadrados para um poder de cálculo de 5.000 operações por segundo, aos transistores desenvolvidos na década de 1950 nos lendários Bell Laboratories, aos atuais transistores de átomo único, a epopeia do elétron é a genealogia da civilização digital.
“Novos horizontes já podem ser vislumbrados”, observa Pellegrini, “aqueles em que mecânica quântica, a eletrônica e o cálculo se fundem”. É a fronteira da informação quântica, anunciada na Nature em 23 de outubro de 2019 como a tecnologia destinada a marcar a nova "supremacia computacional".
"From bit to it" sentenciava no final dos anos 1980 como um pré-socrático em busca do arché John Archibald Wheeler. “Tudo é informação. Quanto mais reflito sobre o mistério dos quanta e sobre nossa capacidade única de compreender o mundo em que vivemos, mais me convenço de que a lógica e a informação podem desempenhar um papel fundamental nos fundamentos da teoria física”. O que determina a consistência da matéria não é a solidez do átomo, mas a leveza da informação. O mundo não é formado por "máquinas de ferro", mas por "bits sem peso" nascidos do disparo de um elétron.
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A eletrônica leveza de ser - Instituto Humanitas Unisinos - IHU