Fazendas de produção de gado acusadas por causa das emissões e da saúde. Coldiretti: “Não adianta demonizar, é preciso buscar alternativas sustentáveis”. No prato mais do que nas cocheiras, diz que acredita que é melhor adotar uma dieta vegetariana.
A reportagem é de Giacomo Talignani, publicada por La Repubblica, 17-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Perdoe-nos Giosué Carducci, mas hoje em dia parece que o sentimento mudou: "T'odio o pio bove", dá vontade de dizer. Porque o gado leiteiro ou de corte, nunca como hoje, parece estar no centro de uma crise global que tende a nos guiar para um futuro em que as vacas serão cada vez menos protagonistas dos nossos estilos de vida, principalmente quando se trata daquelas provenientes da criação intensiva.
Hoje, os bovinos estão no centro de uma mudança global, que diz respeito a diversos mercados, mas que não se traduz necessariamente em uma situação de crise dependendo de um país ou de outro. O que aparece, porém, é uma espécie de demonização desse animal, principalmente aquele proveniente da criação intensiva. As vacas encontram-se assim no centro de uma crise devido a vários fatores: a pandemia, a crise climática, a mudança dos estilos de vida, a atenção das novas gerações para o futuro do Planeta, os problemas ligados com a resistência aos antibióticos e a poluição. De alguma forma, por causa do homem, elas são sempre protagonistas.
Entre altos e baixos, nos últimos meses o setor de carnes e laticínios saiu abalado da pandemia. A emergência sanitária em vários países do mundo, e também na Itália, especialmente em sua primeira fase de lockdown, por exemplo, elevou os custos das matérias-primas e impactou profundamente o setor da zootecnia. Com o fechamento do canal Ho.re.ca, basicamente a distribuição de lacticínios e carnes em hotéis, restaurantes, trattorias, etc., houve uma redução da procura e do consumo em toda a Europa, com picos superiores a 40% na Espanha, 35% na Itália, 27% na França, números que colocaram em crise um setor que já precisava de mudanças, por exemplo, devido ao seu impacto no planeta.
A crise desencadeada pelo Covid-19 é mais uma peça de um setor em crise por ser imputado por sua contribuição negativa para outra crise: aquela climática. Aqui seria necessário distinguir entre as enormes fazendas de criação intensiva e pequenas produções locais, entre gigantescas áreas desmatadas na floresta amazônica para dar espaço à agricultura e às forrageiras e empresas distantes desses mecanismos, ou entre superproduções como aquelas chinesas, estadunidenses e canadenses, e realidades, ao contrário, muitas vezes menores, locais e menos impactantes. De fato, porém, a vaca já se tornou para muitos um animal símbolo de todos aqueles processos negativos, guiados pelo homem, que não nos ajudam a interromper as emissões.
Estima-se que cerca de 14% das emissões globais de gases de efeito estufa no mundo vêm das indústrias de carnes e laticínios. Se, por um lado, a pecuária contribui para garantir alimentos para um planeta que vai rumo aos 10 bilhões de pessoas em 2050, por outro, o que hoje é particularmente preocupante é seu impacto na crise climática. Não é por acaso que já foi reiterado diversas vezes, desde a FAO até estudos científicos, a necessidade de uma mudança, de uma dieta que seja mais baseada em alimentos de origem vegetal, em suma, consumir menos carne, que requer enormes quantidades de água, plantações, uso da terra para chegar até às nossas mesas.
Para evitar esse impacto no mundo, uma nova tendência está se movendo em direção a alternativas, vegetais ou sintéticas, de bebidas em substituição ao leite a carnes alternativas. Uma tendência hoje pedida e escolhida principalmente pelas novas gerações, pela onda verde de jovens engajados em salvar o Planeta e cada vez mais liderados por estrelas e influenciadores que abraçam estas mudanças nos consumos.
Há poucos dias, por exemplo, Leonardo DiCaprio se juntou oficialmente ao Sustainability & Health Advisory Council (SHAC) da Perfect Day, uma empresa que atua na recriação artificial de proteínas de soro de leite para dar vida a uma espécie de leite vegano sem o uso de vacas ou elementos de origem animal. Eles afirmam que vai reduzir as emissões em até 97% em comparação com os métodos convencionais.
É apenas um exemplo de centenas de outras realidades que se movem nesta direção ou na criação de “carnes” veganas, desde hambúrgueres a pratos gourmet com alimentos criados para ter um menor impacto ambiental e de origem não animal.
O gado hoje também está no centro de vários estudos para entender em detalhes o impacto que tem sobre os solos transformados, na mudança de campos e pastagens, ou por exemplo nas relações ligadas ao grande consumo de água devido à forragem destinada às empresas no mundo, mas acima de tudo, parte das novas atenções ligadas às vacas agora voltada para suas emissões de metano.
Com uma vaca que produz, em média, entre 200 e 300 litros de metano em um único dia devido aos processos digestivos que caracterizam os ruminantes, o mundo vai à caça das soluções mais diferenciadas, tais como dietas à base de algas, alho ou citronela para tentar interromper o impacto desses animais nas mudanças climáticas.
Parar com a pecuária intensiva, melhorar o bem-estar animal, reduzir o comércio de carne, lutar contra as emissões e outros aspectos que veem no centro o gado são, portanto, há muito tempo o campo de batalha de associações ambientais, do Essere Animali ao Greenpeace.
Federica Ferrario, responsável pela campanha da Agricultura Sustentável do Greenpeace, explica ao Green & Blue que se chegamos a este ponto, à atual atenção sobre a pecuária, é “porque hoje já temos todos os sinais para entender que o sistema de criação intensiva é prejudicial, não funciona, e está na hora de reduzir: menos fazendas e mais qualidade. Também na Itália temos muita produção de carne bovina: precisamos reduzir a quantidade e aumentar a qualidade. A carne deveria ser consumida, talvez uma vez por semana, boa e vinda de um pequeno produtor com pastejo extensivo. Não é mais concebível que a maioria dos produtos, assim como os laticínios e os queijos, venham de fazendas, como algumas do Vale do Pó, não mais sustentáveis devido ao impacto no clima, pela resistência a antibióticos, pelas emissões de metano e também pela poluição ambiental. Com a Ispra fizemos um trabalho que mostra que a segunda causa da produção de poeira fina na Itália se deve justamente à criação intensiva. É tempo de intervir: temos de nos voltar para o "menos e melhor" e usar os fundos europeus disponíveis para ajudar os agricultores a fazer a transição".
Planície Padana, também conhecida como Vale do Pó, na Itália. (Foto: Wikipédia)
Se para as associações ambientalistas é necessária uma mudança radical, o futuro do gado numa zootecnia italiana estratégica para a economia nacional e que conta com um faturamento de 40 bilhões de euros e mais de 250 mil empresas envolvidas, não é tão simples de modificar, explica o presidente da Coldiretti Ettore Prandini, mas é preciso intervir para dar uma virada ecológica, por exemplo através de “certificados e sistemas para recompensar a sustentabilidade das nossas empresas”.
“O ano passado - explica Prandini - foi um ano muito crítico, tanto para carnes quanto para laticínios, devido à pandemia. A cadeia de abastecimento sofre por vários motivos e continua a ter problemas críticos para a formação e distribuição de valor dentro da cadeia de abastecimento. Mas convenhamos, também há muita demagogia sobre o gado, há uma tendência constante em criminalizar o consumo de alguns produtos agroalimentares, como a carne”.
Prandini defende que muitos interesses são econômicos. “Vários estudos mostram a importância do consumo de carne para a nossa alimentação, e os produtos alternativos ao nível físico em médio e longo prazos não aumentam a qualidade de vida e, ao invés, levam a um aumento do consumo de fármacos, como suplementos, e nisto sempre dou o exemplo de vitamina B12. Os produtos vegetais para substituir os laticínios cresceram, é verdade, mas também pararam, e cada vez mais se procuram produtos sintéticos com um uso significativo de espessantes, açúcares, sais. São produtos alternativos, mas qualitativamente distantes do leite e são exaltados em contraposição a uma forte demonização da atividade nas fases de criação. Muitas vezes existem interesses de caráter econômico, como os de Bill Gates sobre os produtos sintéticos. Isso não é bom, demonizar não leva a reequilibrar as coisas”.
Devemos considerar também, lembra Prandini, que para o bem da pecuária e do setor deveriam ser diferenciadas as diversas situações, por exemplo “associamo-nos muitas vezes ao desmatamento, que no entanto, não diz respeito diretamente à Itália. E depois há um discurso sobre as dimensões das fazendas. Todo mundo fala de criação intensiva, mas as nossas são muito diferentes, por exemplo, daquelas chinesas feitas em vários andares, como um prédio onde o gado é criado em condições não naturais. Pois bem, nós somos os primeiros a nos opormos a esse tipo de fazendas, ou àquelas, por exemplo, que existem até no deserto do Catar com 20-30 mil cabeças criadas para o leite”.
Na Itália, coisas assim absolutamente não existem - conclui Prandini - Então é preciso equilíbrio, pensar na quantidade de animais criados, na área ocupada e no tamanho da fazenda. A Itália já respeita bem os parâmetros europeus e a zootecnia italiana é a mais sustentável da Europa: a Ispra fala na Itália de gases de efeito estufa atribuíveis ao papel da zootecnia iguais a 4,4%".
Então, como reverter o papel de nosso próprio gado? “Nosso papel não é defender o nosso status quo - diz Prandini - mas usar, por exemplo, os recursos do fundo de recuperação e outros fundos para aumentar a sustentabilidade. Para isso, nosso desafio é medir realmente o impacto que a atividade zootécnica tem em termos positivos ou negativos e desenvolver percursos sustentáveis. Pedi aos ministros Cingoloani e Patuanelli que identificassem um caminho com uma certificação para a sustentabilidade dos processos produtivos, uma forma de premiar as empresas que utilizam energias renováveis, boas práticas de cultivo, colheita e consumo, que promovem o bem-estar animal: devem ter um reconhecimento e isso deve ser explicado aos consumidores, talvez usando um QR code para a cadeia agroalimentar que recompensa aqueles que trabalham de forma correta contando o que fazem. Assim, talvez removamos formas de demonização do gado e outros animais, modificando essa generalização, às vezes com um pouco de ignorância, sobre os tipos de criação, que são diferentes no mundo e têm um impacto diferente no nosso planeta".