12 Mai 2021
Entidades ambientais do Rio Grande do Sul divulgaram um manifesto na última sexta-feira (7) em que pedem a discussão “transparente” do Projeto de Lei (PL) 78/2021, de autoria do governo de Eduardo Leite (PSDB), que pretende criar a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura no Estado. O projeto está em regime de urgência na Assembleia Legislativa e pode ser votado nesta terça-feira (11).
A reportagem é de Luciano Velleda, publicado por Sul21, 11-05-2021.
As entidades alegam que a proposta pode causar riscos à qualidade das águas, aos peixes nativos e às comunidades de flora e fauna de rios e lagos. A crítica ocorre em função do pedido de urgência e da intenção em aprovar o projeto sem a realização de audiência pública e a necessária discussão técnica com a sociedade.
“As atividades, como criação de peixes, camarões ou moluscos exóticos poderão gerar poluentes, pelo uso de grande quantidade de rações para criação de peixes, a maioria exóticos, podem causar problemas ecológicos aos nossos corpos d’água e intervenções prejudiciais em matas ciliares. Os processos de eutrofização (poluição biológica por excesso de nutrientes) estão associados à criação sem controle. Outro problema potencial grave é o provável escape e propagação natural de peixes exóticos invasores, como o caso recente de piranhas no Rio Jacuí, que competem com peixes nativos representam riscos à saúde humana”, alerta trecho do manifesto assinado pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), Centro de Estudos Ambientais (CEA), Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (Apedema), entre outras entidades.
Os ambientalistas alegam que os múltiplos usos dos recursos hídricos e a conservação da biodiversidade exigem amplo debate sobre o projeto. As entidades signatárias do manifesto destacam que a proposta apresentada pelo governo estadual é apenas uma situação genérica da atividade de aquicultura, sem esclarecer os aspectos técnicos.
Urgência do governo em votar uma política de aquicultura sem ampla discussão é criticada por entidades ambientais (Foto: Divulgação SDR)
“O regime de urgência não permite a discussão com todos os setores envolvidos implicando em lacunas significativas que facilitam a transgressão ambiental. A começar pelas definições que contrariam e modificam os conceitos já existentes tanto na legislação estadual como na federal. A falta de consistência e de padronização das definições é fator primordial para que haja correções fundamentadas para que sejam aprovadas. Logo, a insegurança jurídica deste PL-78/2021 é nítida e não deve prosseguir sem o seu detalhamento e correções necessárias”, afirma o documento.
As entidades afirmam que a ausência de critérios técnicos específicos é um risco à fauna aquática devido à introdução de espécies que podem ocasionar superpopulação ou ainda a presença de peixes exóticos, como o recente caso das palometas (piranhas vermelhas) que estão se espalhando pela região hidrográfica do Rio Jacuí. O surgimento das piranhas pode desregular o sistema hídrico, pois o peixe dourado, predador natural, está quase desaparecendo das águas do Rio Jacuí. Sem predador, a população das piranhas vermelhas cresce e se alimenta dos peixes menores do rio.
O trâmite em regime de urgência na Assembleia Legislativa chama à atenção de Marco Aurélio Azevedo, biólogo do Museu de Ciências Naturais do RS, principalmente pelo fato do assunto não ter sido deliberado na plenária do Conselho Gaúcho de Aquicultura e Pesca do RS (Congapes) e enquanto a Câmara Técnica de Agropecuária do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) está justamente discutindo uma resolução sobre aquicultura, ainda não consolidada.
“Se foi submetido pelo Executivo para apreciação em regime de urgência, presume-se que haja interessados com pressa em aprovar empreendimentos de aquicultura. A dúvida que fica é: quem seriam esses interessados? Se a demanda aparentemente não vem da sociedade organizada, via Congapes, nem dos setores representados no CONSEMA, a quem o PL visa, efetivamente, atender e beneficiar? E por que o regime de urgência, abreviando o debate de um tema sensível?”, questiona o doutor em biologia animal.
Azevedo explica que a aquicultura precisa de regramento e ordenamento, até por ser uma atividade que traz impactos. O detalhe “curioso”, ele avalia, é o projeto impor uma série de obrigações aos órgãos estaduais, tais como incentivar a aquicultura, estimular o melhoramento genético, comprar e doar formas jovens, fornecer maquinário, incentivar e fomentar a atividade, destinar recursos específicos, entre outras.
“O Poder Executivo cria para si obrigações em todas as fases da cadeia de produção, da pesquisa até o custeio, instalação, comercialização, estímulo ao consumo, tratando a questão como atividade estratégica de extrema importância para o desenvolvimento do Estado que justificasse tanto envolvimento público”, pondera.
O biólogo analisa o fato do PL dar alguma ênfase aos sistemas fechados, mencionando “economia circular” e “sistemas de recirculação”, o que poderia reduzir impactos e ser vantajoso ambientalmente. Por outro lado, o projeto estabelece os “parques aquícolas estaduais”, cita a aquicultura em tanques-rede em águas de domínio do Estado e o uso aquícola em águas de domínio público e reservatórios públicos, o que desperta grande preocupação em relação aos possíveis impactos.
“A justificativa do PL chega a citar que o aproveitamento de 30% das reservas, superiores a 3.000 km2, representadas pelas Lagoas dos Patos, Mirim e Mangueira, pode tornar o Estado um dos maiores produtores de pescado de água doce do mundo. Diferentemente da preocupação com sustentabilidade, propalada no PL, tal justificativa aparenta basear-se em uma visão exclusivamente economicista, a qual pode ter um custo ambiental inestimado e levar a biota nativa e os ecossistemas aquáticos ao colapso, prejudicando, inclusive, a pesca artesanal e outros usos econômicos do ambiente aquático”, afirma o biólogo do Museu de Ciências Naturais do RS.
Para ele, tal preocupação se agrava quando o PL coloca a “desburocratização do licenciamento ambiental” como obrigação e dá bastante ênfase à possibilidade de um “licenciamento ambiental simplificado” implantado por municípios e consórcios, o que pode levar a uma fragilização do licenciamento e a dificuldades em garantir o devido resguardo ambiental.
O deputado estadual Fernando Marroni (PT), por sua vez, concorda com a importância do tema e destaca que o Rio Grande do Sul tem muitos reservatórios hídricos capazes de desenvolver a aquicultura. Ele lembra que quando foi prefeito de Pelotas, o governo municipal chegou a incentivar experiências na área. O principal problema, pondera o deputado, é o governo de Leite apresentar o PL em pedido de urgência, sem possibilitar o trâmite nas comissões da Assembleia.
“Propor uma lei a ‘toque de caixa’, sem que a sociedade possa discutir os impactos, é contra o princípio da precaução que deve reger o meio ambiente. É preciso ter amplo debate para uma atividade regrada, com desenvolvimento econômico para o Estado, mas sem impactos que comprometam o meio ambiente. Qual a urgência?”, questiona.
Marroni defende a formulação de uma lei “adequada” e que não cause impactos ambientais “inaceitáveis”. O deputado disse ter sido surpreendido pelo pedido de urgência e acredita que a iniciativa do governo estadual venha no contexto das negociações que envolveram também a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que extinguiu a obrigatoriedade de plebiscito para a venda da Corsan, do Banrisul e da Procergs.
O texto do PL 78/2021 diz que a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura tem o objetivo de promover o “desenvolvimento sustentável da aquicultura como fonte de alimentação, emprego, renda e lazer, garantindo o uso sustentável dos recursos aquáticos, bem como a otimização dos benefícios econômicos decorrentes, em harmonia com a preservação e a conservação do meio ambiente e da biodiversidade”, assim como o “ordenamento, o fomento e a fiscalização da atividade de aquicultura; a preservação, a conservação e a recuperação dos ecossistemas aquáticos; e o desenvolvimento socioeconômico e profissional dos que exercem a atividade da aquicultura”.
O Artigo 11 do PL estabelece os critérios que os projetos de aquicultura deverão obedecer em relação ao meio ambiente. Sem muitos detalhes técnicos, um dos motivos de reclamações das entidades ambientalistas, são cinco tópicos: construção dos viveiros de acordo com normas de engenharia que garantam estabilidade, impermeabilidade e manejo adequados para a atividade; proteção de taludes contra erosão e dimensionamento adequado de vertedouros para segurança da própria obra e de moradores à sua jusante; instalação de dispositivos de proteção contra a fuga de peixes para o meio ambiente; obras com o menor volume possível de movimentação de materiais; e acompanhamento da atividade por técnico responsável devidamente inscrito no seu órgão de registro profissional, com Anotação de Responsabilidade Técnica.
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Ambientalistas criticam governo Leite por pedir urgência em projeto de aquicultura encaminhado à AL - Instituto Humanitas Unisinos - IHU