17 Mai 2019
O secretário da Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Jorge Seif Junior, publicou em rede social, no sábado, 10 de maio, um vídeo, no qual faz críticas à Portaria MMA nº 445 de 17 de dezembro de 2014, que estabeleceu a Lista Oficial de Peixes e Invertebrados Aquáticos Ameaçados de Extinção no Brasil.
A reportagem é de Carolina Lisboa, publicada por O Eco, 15-05-2019.
O secretário questionou a metodologia de trabalho para construção da lista, dando o seguinte exemplo: "Eu tive acesso aos papéis da 445, que são fichas individuais. As fichinhas são fichinhas assim, escrito o seguinte — vamos dar um exemplo aqui qualquer: Polyprion americanus, cherne-poveiro. Não existem dados estatísticos disponíveis para se tomar decisão. Embaixo: recomendação - proíbe. Ninguém me falou, rapaz, ninguém me falou, não estou ouvindo, não é história da carochinha. Eu vi, eu vi a fichinha. Aí eu peguei uma, duas, três… De 10 fichas, duas tinham estatística e oito não. E eles meteram nas nossas costas isso".
A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema), a Associação dos Servidores do Ministério do Meio Ambiente (Assemma) e a Associação dos Servidores da Carreira de Especialistas em Meio Ambiente e do Plano Especial de Cargos do Ministério do Meio Ambiente e do IBAMA - PECMA no Distrito Federal (Asibama-DF) publicaram uma nota de esclarecimento afirmando que a fala do secretário “não apenas demonstra desconhecimento sobre o processo de avaliação do risco de extinção de espécies, mas também presta desserviço à sociedade brasileira, uma vez que apresenta publicamente informações que não possuem base técnica ou científica”.
A nota esclarece que a referida lista de espécies ameaçadas, coordenada pelo ICMBio, “contou com a participação de cerca de 300 especialistas do Brasil e do exterior, capacitados para a análise do estado atual das populações existentes e das ameaças à sua conservação. Por meio da aplicação de critérios claros e precisos, são fornecidos cenários concisos e substanciados para que gestores e formuladores de políticas públicas possam estabelecer medidas junto à sociedade voltadas para o uso sustentável do patrimônio biológico.
O conjunto de critérios utilizado foi desenvolvido ao longo de décadas e atualmente diversos países utilizam essa metodologia para avaliar o estado de conservação de peixes marinhos e continentais, incluindo recursos pesqueiros, com participação de milhares de especialistas. Desde a publicação da Portaria MMA nº 445 de 2014, não foram apresentados questionamentos fundamentados em dados concretos que justificassem a sua revogação ou a retirada de qualquer espécie”.
De acordo com Beth Uema, secretária-executiva da Ascema Nacional, a fala do Secretário do MAPA contribui para o desmonte da gestão pesqueira. “Colocar a responsabilidade pela gestão da pesca nas mãos de empresário do setor com histórico de transgressões às normas que regem a pesca é preocupante. Parece que colocaram a raposa para tomar conta do galinheiro. Sempre houve interesses dos grupos pesqueiros em explorar os estoques, e isso é até normal. Mas havia a regulação do Estado, que impunha limites na pesca, permitindo que as espécies se recuperassem. Esse desmonte da gestão acelerará a extinção de várias espécies e comprometerá os estoques pesqueiros”.
Uema se refere ao fato de a família Seif, do atual secretário, ser proprietária de uma frota de embarcações, a JS Captura e Comércio de Pescados Ltda., e de uma empresa de transporte de pescado, a JM Seif Transportes Ltda. As empresas foram multadas pelo menos dez vezes, principalmente por infrações como o transporte de mais de 12 mil kg de cherne-poveiro, classificado como criticamente ameaçado de extinção (CR). Por essa infração, a empresa foi multada em 300 mil reais em agosto de 2014, quando vigorava a IN 37/2005 do MMA que proibia sua captura e comercialização, devido à redução de 90% na abundância da espécie. A multa ainda não foi paga.
Sobre a fala do secretário, José Dias Neto, engenheiro de pesca e analista ambiental aposentado do Ibama, alegou estranheza: “Ora, se eles são os responsáveis por realizar as estatísticas pesqueiras, como ele cobra isso do setor público? No que pese a avaliação feita pelo ICMBio com a comunidade científica nacional, com mais de 7.200 especialistas de mais de 300 instituições, ter levado em conta os melhores dados estatísticos disponíveis para aquelas espécies avaliadas. O monitoramento no sentido amplo tem sido feito por projetos de pesquisas de várias universidades e pelo ICMBio e Ibama, mas isso não consolida uma estatística pesqueira nacional porque não se coletam todas as produções. Uma coisa é um monitoramento por espécie, área ou ambiente e outra coisa é a estatística da produção pesqueira, que é fundamental para o planejamento de uma política pesqueira sustentável”.
No final de abril, o MAPA solicitou ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a suspensão da referida lista de espécies aquáticas ameaçadas de extinção, com a justificativa de haver gerado “grande repercussão negativa no setor pesqueiro”. No pedido, há o argumento de que a lista foi construída com base na metodologia da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), uma entidade internacional composta por governos, agências governamentais e ONGs, cuja referida metodologia de avaliação das espécies é adotada no mundo inteiro.
De acordo com Dias Neto, “é uma grande bobagem afirmar que essa lista ameaça a pesca nacional tendo em vista que, numa avaliação com base nos melhores dados estatísticos da época, verificou-se que as espécies ameaçadas que tinham alguma importância econômica, que na maioria das vezes nem alvo de pesca eram (seriam fauna acompanhante de uma pescaria ou pesca acidental) representava no máximo 2% da produção nacional. Tivemos desde 2015 até 2018 todo um diálogo com representantes do setor e do Ministério da Pesca, depois SEAP e agora Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP). Em nenhum momento ficou evidente que era necessário retirar alguma espécie da lista. Ao contrário: o que ficou claro era que seria necessário melhorar as regras de uso. Ou o secretário está muito mal assessorado ou está escutando seus assessores e dizendo o que lhe convém. Não é assim que se busca o diálogo para corrigir ou apressar eventuais medidas que são necessárias de serem tomadas. Acompanhamos todo o processo e sempre houve um bom diálogo do MMA com representantes da pesca industrial brasileira”, declara Dias Neto.
Dias Neto é mestre em Desenvolvimento Sustentável e acompanha a pesca e a gestão pesqueira há mais de 40 anos. Segundo ele, o monitoramento dos estoques pesqueiros é uma questão muito ampla. “Falando especificamente de estatísticas, o Ibama mantinha uma rede de coleta na costa, em parceria com mais de 60 entidades nacionais, como o IBGE, até 2007. Desde a sua criação em 1989, o Ibama teve uma coleta de dados regular da produção nacional, que tratava das espécies por região, por ambiente, por modalidade de pesca (artesanal ou industrial), e fazia uma consolidação da estatística pesqueira nacional.
Isso foi interrompido em 2008 em função da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (SEAP) no Ministério da Pesca, depois de dois anos de negociação, assumir que faria sozinha essa consolidação, dispensando a colaboração e parceria do Ibama, que por sua vez desativou toda rede de coleta e passou a não fazer mais essa estatística. E desde então, até a atual data, não mais se coletam dados de produção pesqueira nacional nos locais de desembarque", explicou. Ainda segundo Dias, entre 2008 e 2009 fizeram uma extrapolação com base nos dados do Ibama. "Em 2010/2011 [ocorreu] o mesmo processo: fizeram uma inferência com base no que o Ibama fazia.
Portanto, estamos desde 2012, há quase oito anos, sem coleta e sem divulgação da estatística pesqueira nacional. Este é um fato a se lamentar, pois enquanto o Brasil teve o maior status de administração pública voltada ao setor pesqueiro, com o Ministério da Pesca e agora com uma Secretaria de Agricultura, nós não temos sequer o conhecimento de quanto se produz da pesca marinha e continental no Brasil”.
De acordo com Dias Neto, o grande receio é que se desenvolva um processo de “regime de terra arrasada”: “Antes até da extinção biológica das espécies, há uma extinção da atividade econômica, o que é lamentável. O objetivo principal da gestão pesqueira em qualquer país é evitar que se chegue a esse ponto, se buscando uma pescaria sustentável que garanta o uso hoje, amanhã e sempre. Não vejo essa perspectiva na atual conjuntura, principalmente porque há uma expectativa de parte do setor de flexibilizar o uso, que o secretário parece ter encampado. Ora, se eu tenho todas as principais espécies em sobrepesca, retirando-se além do que se poderia retirar, a tendência é de agravamento dessa situação até uma quebra geral da pesca nacional. Em vez de aumento de produção pesqueira e fornecimento de alimento para o país, haverá um decréscimo”.
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Secretário da pesca critica lista de espécies ameaçadas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU