28 Abril 2021
“A mudança climática não vai chegar! Ela já chegou às comunidades indígenas“, declarou Sinéia Bezerra do Vale ou Sinéia Wapichana, gestora ambiental do Conselho Indígena de Roraima (CRI), ontem, 22/4, na Cúpula de Líderes pelo Clima, convocada por Joe Biden.
A reportagem é de Mônica Nunes, publicada por Conexão Planeta, 23-04-2021.
Acompanhada pelos coordenadores do conselho – Enock Taurepang e Edinho Batista -, no escritório em Boa Vista, ela foi a única mulher brasileira e indígena convidada pelo presidente americano (como contamos aqui), e participou virtualmente do painel “Ação Climática em Todos os Níveis”.
A conversa foi mediada pelo administrador da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA), Michael Reagan, e contou com as presenças de outras mulheres como a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e a presidente do Congresso Nacional dos Indígenas Americanos, Fawn Sharp.
Sinéia em sua apresentação, observada pelas colegas de painel e por Michael Reagan. (Foto: Reprodução do instagram do CRI)
A indígena do povo Wapcihana, expert em mudanças climáticas – que já participou de diversas conferências internacionais sobre o tema, organizadas pela ONU (COPs) – disse que, “quando falamos de clima e do Acordo de Paris, falamos também de garantia de direitos porque a conservação das florestas no Brasil, seja na Amazônia ou em outro bioma, acontece em unidades de conservação e em terras indígenas. Os povos indígenas têm grande responsabilidade”.
Sinéia aproveitou para lembrar que os direitos garantidos na Constituição de 1988 precisam respeitados e que as demarcações dos territórios sejam feitas. Um cutucão no governo brasileiro.
Destacou também que tais direitos incidem sobre a questão climática e a resiliência dos povos indígenas e revelou que as câmaras técnicas (grupos criados temporariamente para debater temas específicos) de mudanças climáticas e estratégias de REED estão paradas.
“Então, pra nós é muito difícil quando tem um debate tão importante sobre clima, como este, e esses espaços de discussão, nos quais poderíamos estar trocando e aprimorando conhecimento, estão eliminados”.
(Foto: Reprodução do instagram do CRI)
Em dado momento, comparou os indígenas a cientistas: “Os povos indígenas trazem conhecimentos ancestrais, conhecimentos tradicionais que são tão importantes quanto a Ciência, os pesquisadores e cientistas renomados. Os povos indígenas são doutores na questão do meio ambiente“.
Aqui, novamente falou da demarcação das terras indígenas e continuou:
“Por isso estamos aqui trazendo a voz do povos indígenas, falando de estratégias de conservação das florestas, dos biomas, falando da floresta em pé“. E comentou sobre estudos de caso realizados pelo Conselho Indígena de Roraima:
“Esses estudos têm indicado o aquecimento da água, por exemplo, que tem feito com que os peixes regionais desapareçam. Por isso, dizemos que a mudança climática já chegou nas comunidades indígenas e que precisamos estar atentos a esse acordo do clima entre todos os países do mundo. Para que seja cumprido de fato, e que a legislação brasileira em relação ao clima seja respeitada”. Mais um leve cutucão em Bolsonaro.
“Nós, povos indígenas, chamamos as mudanças climáticas de transformação do tempo. Uma transformação que já esta inserida na vida social e na vida cultural dos povos indígenas. E eu chamo essa responsabilidade para o Brasil e para o mundo!”.
Para Sinéia, é preciso criar que garantam que os recursos que são inseridos no processo – “os fundos que a gente sabe que tem vários -, cheguem, de fato, nas pontas. Sejam implementados nas ações e ajudem a fortalecer nossos povos na sua resiliência para que possam enfrentar os efeitos das mudanças climáticas”.
Ainda explicou que os indígenas não costumam falar de adaptação como, em geral, destacam os planos de combate ao aquecimento global. “Essa palavra nos remete a situações às quais não queremos nos adaptar. Por isso, quando falamos de mudanças climáticas, falamos do enfrentamento de seus efeitos”.
E exemplificou: “No Comitê Indígena de Mudanças Climáticas constituído pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que tem representantes em várias regiões do país – como o nordeste, que sofre secas prolongadas -, a gente tem trazido um plano de enfrentamento que tem o nosso olhar“.
Aqui, falou mais uma vez dos estudos de caso: “Esses estudos que temos feito são holísticos. Com eles, encontramos soluções para esse enfrentamento. E quais são essas soluções? Por exemplo, trabalhar com bancos de sementes vivas, o que nos tem demonstrado quais são as sementes mais resistentes ao inverno e no verão”. E continuou:
“Também trabalhamos muito para nos organizar em ações que tratam das questões da água, que têm demonstrado que, quando a água aquece a uma certa temperatura, os peixes somem. Pra isso tudo, precisamos que as políticas públicas, que são implementadas no Brasil, cheguem, de fato, na ponta, onde estamos”.
E encerrou assim a sua apresentação: “Nesta oportunidade, neste Dia da Terra que é muito importante pra nós, dizemos sim a vida, sim a terra!”.
“O vice-coordenador, Enock Taurepang, e o coordenador geral, Edinho Batista, ambos do CRI, com Sinéia, depois da apresentação na Cúpula do Clima. (Foto: Reprodução do instagram do CRI)
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Sinéia do Vale Wapichana declara na Cúpula do Clima: “Os povos indígenas são doutores em meio ambiente” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU