21 Abril 2021
"Filme poderoso, belíssimo, marcado pela poesia, 'Nomadland' do ponto de vista pastoral deve ser avaliado como recomendável, problemático e adequado para debates", escreve Sergio Perugini, em crítica publicada por Settimana News, 18-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A BAFTA, a British Academy of Film and Television Arts, ganhou os prêmios mais importantes, incluindo melhor filme, direção e atriz principal. Estamos falando de “Nomadland”, filme aclamado de Chloé Zhao, que ganhou o Leão de Ouro no 77º Festival de Cinema da Bienal de Veneza. Um filme que ao longo da temporada conquistou a concordância de todos, colecionando críticas positivas e prêmios, inclusive o Globo de Ouro pela direção, permitindo que Zhao fosse a segunda mulher a conquistá-lo, depois de Barbra Streisand, com "Yentl" (1984).
Agora estamos finalmente a um passo do lançamento de “Nomadland” na Itália, no final de abril na plataforma Disney +, e sobretudo da esperada noite do Oscar, domingo 25 de abril, onde a obra concorre a 6 estatuetas de peso. O ponto Cnvf-Sir desta semana é, portanto, dedicado ao filme “Nomadland”, tentando entender por que (a nosso ver) não é apenas um dos melhores títulos da temporada de cinema, mas gostaríamos de defini-lo como o melhor do ano. Um olhar sobre os últimos, contado com dignidade e poesia sensível.
No estado de Nevada, em uma cidade em ruínas, Fern se encontra, de uma hora para outra, sem mais nada. Ela é uma mulher de quase sessenta anos que não tem mais emprego, porque a fábrica faliu, sem casa e sem motivos para morar lá, após a morte do marido. Resolve então carregar seus poucos pertences em uma van e sair em busca do próximo amanhã, uma forma de sobreviver dia após dia.
Onde lhe oferecem contratos sazonais, Fern estaciona sua van-casa e torna-se residente; quando o trabalho termina, volta para a estrada. Ao longo de seu caminho, a mulher encontra uma verdadeira comunidade de novos nômades estadunidenses que se movem pelas trilhas do país em busca de trabalho, de amanhã.
Assim, a cada parada Fern encontra os mesmos rostos, as mesmas pessoas, e aos poucos se forma uma verdadeira família de rua, uma comunidade solidária, alegre apesar de tudo e, sim, também confiante quanto o amanhã ...
“Como cresci em cidades da China e da Inglaterra - indica a diretora Chloé Zhao - sempre fui profundamente atraída pela estrada aberta, uma ideia que considero tipicamente estadunidense: a viagem sem fim em busca do que está além do horizonte. Tentei captar essa ideia no filme, mesmo sabendo que não é possível descrever realmente a estrada estadunidense para outra pessoa. Você tem que descobrir isso por si mesmo”.
Chloé Zhao é uma diretora-roteirista chinesa, nascida em Pequim em 1982, mas que se formou em escolas inglesas e dos EUA; também cuidou da fotografia e da edição, como diretora assinou três obras, das quais em particular se percebe a proximidade entre “Domando o destino" (2017), que explora os espaços rurais dos EUA, e o mais recente "Nomadland", uma história do território das estrelas e listras, protagonista junto com Fern e a comunidade dos últimos que se desloca on the road entre vans e trailers como um povo migrante em busca de presente.
O olhar de Chloé Zhao é absolutamente sólido e convincente. A diretora de quase 40 anos consegue apreender o tecido que habita as periferias, fotografa os últimos nas suas dificuldades, nos seus problemas, mas não no seu desespero. O dela não é de forma alguma um olhar insistente na dor; não há um apelo chantagista à piedade ou a formas de falsa caridade. Pelo contrário, é um olhar nos olhos dos pobres de hoje, dos últimos, daqueles que, por uma virada do destino ou pela crise financeira ou por escolhas erradas, se descobrem tendo muito pouco, mas não por isso estão dispostos a se deixar engolir pelo desânimo ou pela comiseração.
Em Fern e seus amigos da estrada há muito orgulho e dignidade, há vontade de trabalhar com afinco e honestidade; há necessidade de apostar numa possível recuperação, numa forma de resgate. A vida não se detém na pobreza e na pobreza não se está sozinhos de forma alguma; existe também um “nós”, aquele que se ilumina no sinal da solidariedade e da proximidade.
A diretora Chloé Zhao não é a primeira nem a única a ter percebido tudo isso. O cinema estadunidense e europeu está cheio de cantores dos últimos, de narradores de existências frágeis, mas não vencidas. Podemos citar Clint Eastwood, Ken Loach ou os irmãos Dardenne, podemos também relembrar os olhares de Pier Paolo Pasolini, Ermanno Olmi ou Vittorio De Sica. É aquele cinema com um respiro social, civil, que leva a tratar daqueles que geralmente estão fora do quadro do presente, com o povo dos “descartados”, como diria o Papa Francisco.
O que conquista principalmente no olhar de Chloé Zhao em “Nomadland” é a carga de denúncia que, no entanto, desagua na poesia e na doçura. Ela não arranha, não usa a câmera como um olho urgente de investigação, mas como uma janela aberta para uma humanidade curvada, mas não sozinha e, acima de tudo, não rendida. Uma comunidade resiliente, que oferece emoções brilhantes e vibrantes.
Ao longo do caminho a personagem de Fern, interpretada por Frances McDormand de raro e inacreditável desempenho - devem conceder-lhe o Oscar de melhor atriz, não há alternativas! E seria também o terceiro depois de “Fargo” (1997) e “Três anúncios para um crime” (2018) - não perde a si mesma, muito pelo contrário, se reencontra.
No início da história, Fern está sozinha, marcada pela vida, com marcas arroxeados ainda em sua alma. Lutos demais que ela teve que enfrentar: marido, casa, trabalho. A estrada não se revela como um caminho de mais um descarrilamento, mas de regeneração. Partindo, não ficando parada, Fern vive, volta para uma nova vida. Em primeiro lugar, a mulher percebe que não está sozinha de jeito nenhum, mas que como ela há muitos homens e mulheres chamados a se repensar, a se encontrar.
Fern arruma pacotes em um centro de encomendas da Amazon, limpa banheiros em um acampamento, além de atender em uma lanchonete típica, etc. Cada trabalho é uma oportunidade para reafirmar sua dignidade e encontrar companheiros solidários na precariedade. E à noite, em frente ao fogo aceso na praça formada entre vans e trailers, começam a cantar e afagar memórias, aquelas que um dia doeram, que tiraram o sono enquanto agora são essenciais para o coração, trazem emoções intensas e reconciliadoras.
Desta viagem on the road profundamente existencial, Fern emerge como uma pessoa melhor: se descobre resiliente, capaz, viva. Ela ainda não está pronta para se apaixonar de novo, não sabe se o será no futuro, mas está pronta para voltar a esperar que a vida possa retomar o seu ciclo e que talvez ainda possa ter algo para ela.
Por isso e pelos elementos que citamos, consideramos “Nomadland” não só é merecedor dos vários Óscares a que concorre, mas sobretudo do reconhecimento mais importante, o abraço do público. "Nomadland" é um filme que faz bem à alma, porque amplia o olhar sobre as zonas da vida geralmente na sombra, sobre as quais muitas vezes é difícil voltar a atenção, deixando como presente também o valor da esperança e da resiliência. bem como a necessidade de voltar a apostar na solidariedade com convicção.
Olhando bem, a pandemia Covid-19 nos feriu, nos isolou, nos trancou, empurrando-nos a nos enrodilhar perdidos em volta do "eu" pessoal-familiar; “Nomadland”, como o grande cinema sabe fazer, lembra-nos que existe um “nós” lá fora, no meio da estrada, um mundo feito de encontros, de proximidade e também de sorrisos cheios de confiança. Então, como Fern diz no filme, é hora de voltar e nos encontrarmos "no caminho".
Filme poderoso, belíssimo, marcado pela poesia, “Nomadland” do ponto de vista pastoral deve ser avaliado como recomendável, problemático e adequado para debates. O filme recebeu a menção especial do Prêmio Católico Internacional Signis no Festival de Cinema da Bienal de Veneza.
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“Nomadland”, rumo ao Oscar entre denúncia e poesia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU