19 Abril 2021
É contra o “vírus da indiferença”, tão letal quanto a Covid, que gera “injustiça social” e leva os responsáveis políticos a descartarem e a explorarem os pobres, que o Papa Francisco dirige uma denúncia vigorosa. O pontífice enviou uma videomensagem em espanhol aos participantes do congresso internacional “A Politics Rooted in the People” (“Uma política arraigada no povo”), organizado pelo Centro de Teologia e Comunidade de Londres, para aprofundar os temas tratados no livro com Austen Ivereigh “Vamos sonhar juntos” (Ed. Intrínseca, 2020).
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada em Vatican Insider, 15-04-2021. A tradução é de Anne Ledur Machado.
Os temas de reflexão são, em particular, as iniciativas dos movimentos populares, com a sua luta missionária pelos famosos três “Ts” (terra, teto e trabalho), e as organizações que os apoiam.
Francisco manifesta o seu apoio ao trabalho deles, que, às vezes, “pode ser incômodo”. “Alguns – diz ele – acusam vocês de serem políticos demais; outros, de quererem impor a religião. Mas vocês percebem que respeitar o povo é respeitar as suas instituições, inclusive as religiosas; e que o papel dessas instituições não é impor nada, mas caminhar com o povo, recordando-lhes o rosto de Deus, que sempre nos precede.”
No vídeo, inteiramente em espanhol, Francisco apela à política pedindo ou, melhor, implorando que eles não se desinteressem pelos pobres, desprezando a sua cultura e valores, inclusive os religiosos, “tanto os descartando quanto os explorando, a fins de poder”.
“O desprezo pela cultura popular é o começo do abuso de poder”, afirma o papa. “Quando o povo é descartado – esta é a sua denúncia –, ele é privado não só do bem-estar material, mas também da dignidade de agir, de ser protagonista da sua história, do seu destino, de se expressar com os seus valores e a sua cultura, da sua criatividade, da sua fecundidade.”
A Igreja também é questionada pelo pontífice: “Para a Igreja, é impossível separar a promoção da justiça social do reconhecimento dos valores e da cultura do povo, incluindo os valores espirituais que são a fonte do seu senso de dignidade”.
O papa expressa, então, o seu “sonho” já revelado no livro: “Que todas as dioceses do mundo mantenham uma colaboração sustentada com os movimentos populares”, porque “sair ao encontro de Cristo ferido e ressuscitado nas comunidades mais pobres nos permite recuperar o nosso vigor missionário, porque assim nasceu a Igreja, na periferia da Cruz”.
Se a Igreja deixa de se interessar pelos pobres, “ela revive as velhas tentações de se converter em uma elite intelectual ou moral, uma nova forma de pelagianismo ou de vida essênia”.
Segundo o bispo de Roma, existe um grande risco de ser infectado pelo “vírus da indiferença”. Ele escreve isso na mensagem aos bispos do Brasil reunidos na sua 58ª Assembleia Geral, que começa com palavras de proximidade às milhares de famílias do país latino-americano, entre os mais afetados pela emergência sanitária, que choram a perda dos seus entes queridos por causa da Covid, e com uma recordação pelos bispos vítimas do coronavírus.
“Este ir embora sem poder se despedir, este ir embora na solidão mais despojada é uma das maiores dores de quem se vai e de quem fica”, afirma o Papa Francisco. Diante de uma tragédia tão grande, é preciso deixar de lado “divisões e desacordos” e trabalhar juntos “para superar não só o coronavírus, mas também outro vírus, que há muito tempo infecta a humanidade: o vírus da indiferença, que nasce do egoísmo e gera injustiça social”.
Palavras alinhadas com a videochamada enviada pelo pontífice também na quinta-feira ao Congresso Internacional dedicado a Santa Teresa d’Ávila, intitulado “Mulher excepcional”, inspirado na definição da santa de Paulo VI. O congresso foi realizado na universidade católica da cidade castelhana, no 50º aniversário do doutorado de Santa Teresa.
Assim como na época de Teresa (século XVI), também hoje “vivemos tempos difíceis, tempos nada fáceis, que precisam de amigos fiéis de Deus, amigos fortes”, observa o papa no vídeo. “A grande tentação é ceder à ilusão, à resignação, ao funesto e infundado presságio de que tudo vai dar errado.”
Precisamente “esse pessimismo infecundo, esse pessimismo de pessoas incapazes de dar a vida” representa uma grande chaga para a humanidade atual porque “fecha as pessoas em pequenas coisas, como refúgio”.
Pelo contrário, Deus nos chama a nos abrirmos e a fazer isso no sinal da misericórdia: “Tal caminho – observa o pontífice – não se abre a quem se considera puro e perfeito, os cátaros de todos os séculos, mas a quem, consciente dos seus pecados, descobre a formosura da misericórdia de Deus, que acolhe a todos, redime a todos e chama a todos à sua amizade”.
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Papa: a política não deve desprezar os pobres, descartando-os ou explorando-os - Instituto Humanitas Unisinos - IHU