07 Abril 2021
Imunização reduz drasticamente índices de adoecimento, hospitalização e morte, e, portanto, o risco individual de cada pessoa. Mas nenhuma vacina é 100% segura, nem autoriza a relaxar a proteção. E mais: Bolsonaro cai mais um degrau.
A reportagem é de Maíra Mathias e Raquel Torres, publicada por Outras Palavras, 06-04-2021.
Por mais que estejamos confiantes nos efeitos coletivos da vacinação, fomos sempre muito cuidadosas por aqui ao falar sobre os resultados dos testes clínicos de cada imunizante, assim como os impactos já identificados na “vida real”. É um desafio muito grande passar duas mensagens ao mesmo tempo: a primeira, de que qualquer vacina segura será importante para reduzir o impacto da covid-19 na comunidade; e, a segunda, de que a vacina não deve ser vista como garantia de proteção individual até que haja a chamada imunidade coletiva, ou de rebanho.
A revista Piauí publicou uma reportagem e um relato sobre brasileiros que adoeceram e morreram por covid-19 mesmo após tomarem duas doses de vacina. Agnaldo Timóteo, morto pela doença no último sábado, também tinha sido imunizado. No caso do cantor, acredita-se que a infecção tenha ocorrido antes da aplicação da segunda dose, quando ele ainda estaria apenas parcialmente protegido.
Mas é realmente possível desenvolver formas graves da doença e morrer mesmo após o tempo necessário para a geração da resposta imune esperada, e uma reportagem d’O Globo traz esse importante alerta. Vai ser comum? Não. O esperado é que a maior parte dos casos seja leve, e é por isso que os sistemas de saúde tendem se desafogar conforme a imunização avança. Mas os organismos não reagem à vacina da mesma forma, e algumas pessoas ainda estarão vulneráveis. Por isso é importante ter muita gente vacinada, diminuindo a chance de os vulneráveis se infectarem (ainda não está bem estabelecido o impacto de cada vacina na transmissão, mas há certo consenso de que elas devem promover alguma redução nesse sentido).
A ideia de que as vacinas irão certamente proteger contra casos graves, que se tornou corrente, é muito perigosa: pode tanto gerar um aumento do comportamento de risco das pessoas antes que seja seguro fazê-lo, como dar munição para quem joga ao lado dos “antivacina”, à medida que os casos de adoecimento e morte começam a pipocar. Recomendamos a leitura deste artigo de Hilda Bastian, especialista em análise de dados de ensaios clínicos, que fala sobre o que realmente podemos ou não esperar das vacinas e de por que é preciso melhorar essa comunicação.
Ela lembra, por exemplo, que nenhum ensaio clínico até agora foi desenhado para verificar a eficácia dos imunizantes na proteção contra hospitalizações. Esse tipo de evento é incomum em meio às infecções – se os pesquisadores tivessem que esperar até que eles ocorressem nos testes em número suficiente para que os resultados fossem estatisticamente significativos, os ensaios demorariam muito mais. Em relação às mortes, os dados são ainda mais frágeis: até agora, só dois ensaios de vacinas tiveram qualquer episódio de morte (entre os grupos não-vacinados). O que se vê nos estudos que analisam as vacinas na “vida real” é que há uma grande redução nos adoecimentos, hospitalizações e mortes. Mesmo assim, ainda não há nada indicando que as vacinas aprovadas até agora ofereçam o mesmo grau de proteção contra esse tipo de evento.
Ontem Jair Bolsonaro anunciou que irá a Chapecó, em Santa Catarina, para conhecer o “trabalho excepcional” do prefeito João Rodrigues (PSD) na pandemia. “Para exatamente não só ver, mas para mostrar a todo o Brasil que o vírus é grave e que seus efeitos têm como ser combatidos”, disse ele.
Rodrigues assumiu em janeiro, é um entusiasta do tratamento precoce contra o coronavírus e, logo no começo do mandato, montou um ambulatório específico para isso. No domingo, publicou um vídeo nas redes sociais afirmando ter conseguido dessa forma reduzir casos e mortes no município, que o número de internações estava “próximo de zero” e que outros gestores deveriam seguir seu exemplo. O presidente, claro, compartilhou a postagem.
Só que o prefeito omitiu alguns detalhes. Ainda em janeiro, ele liberou eventos antes restritos (como grandes festas), ampliou o funcionamento de bares e permitiu shows de música ao vivo. Houve uma explosão de casos e mortes. Em fevereiro, com a saúde em colapso, Rodrigues decretou o fechamento do comércio, bares e restaurantes, além de um toque de recolher durante duas semanas – restrições mais duras do que no resto do estado. Somente depois disso, os casos começaram a cair.
Em entrevista ao NCS Total, ele reconheceu que o “lockdown parcial” contribuiu para a melhora… Mas disse que estão “sobrando leitos à vontade”, o que é mentira – o quadro segue preocupante. Segundo os boletins da própria prefeitura, 100% dos leitos públicos e privados para covid-19 estão ocupados. Quando Rodrigues assumiu a prefeitura, a cidade tinha 123 óbitos. Hoje, são 537. Mesmo com a redução nas internações em relação a fevereiro, elas ainda estão muito acima do patamar de janeiro (193 pacientes internados ontem, contra 69 no começo do ano).
O uso disseminado dos remédios do “kit covid” não melhora em nada o curso da pandemia, mas teve um efeito bem palpável: a notificação de efeitos adversos relacionados a eles disparou, como constataram os repórteres d’O Globo Leandro Prazeres e Paula Ferreira, com dados levantados junto à Anvisa.
No caso da cloroquina, xodó do presidente Bolsonaro, o aumento foi de espantosos 558% – em 2019 houve 139 notificações, e no ano passado foram 916. Do total, 96% vieram do Amazonas. Entre os efeitos, estão distúrbios dos sistemas nervoso, gastrointestinal, psíquico e cardíaco. Em 2019, a cloroquina estava em sétimo lugar na lista dos medicamentos responsáveis por notificações de efeitos adversos; no ano passado, ficou em primeiro.
Outros remédios tiveram crescimento expressivo. Para hidroxicloroquina e o sulfato de hidroxicloroquina, não houve notificação nenhuma em 2019, mas 168 no ano passado. Oito pessoas morreram após o uso. No caso da azitromicina, o país passou de 25 notificações para 82 – números absolutos pequenos, mas que representam um aumento de 228%.
Em tempo: mais uma pessoa morreu após ser submetida à nebulização com hidroxicloroquina. Foi um homem de 69 anos, do Rio Grande do Sul, cuja família não havia autorizado o procedimento. O Ministério Público do estado abriu uma investigação.
Pela primeira vez, Lula ultrapassou Bolsonaro na corrida presidencial de 2022. O resultado é da pesquisa XP-Ipespe divulgada ontem, com entrevistas feitas nos dias 29, 30 e 31 de março. De acordo com o levantamento, o petista tem 29% das intenções de voto. E Bolsonaro vem logo atrás, com 28%. Na pesquisa anterior, Bolsonaro aparecia à frente com 27%, e Lula com 25%.
Numa eventual disputa de segundo turno, Lula aparece fora da margem de erro, que é de 3,2 pontos: tem 42% contra 38% de Bolsonaro. Na pesquisa anterior, o resultado tinha ficado 41% para Bolsonaro e 40% para Lula.
Sergio Moro e Ciro Gomes aparecem empatados no terceiro lugar, cada um com 9%. Numa disputa de segundo turno de Bolsonaro com Moro ou Ciro, haveria empate em ambos os casos: 30% e 38%, respectivamente.
Diante de resultados que apontam maiores chances do petista, Ciro defendeu ontem que Lula deveria seguir o exemplo de Cristina Kirchner, que aceitou ser vice-presidente, em nome de uma aliança partidária mais ampla contra Bolsonaro.
A propósito: saíram novos dados que apontam correlação entre apoio a Jair Bolsonaro e pior desempenho na pandemia. Segundo estudo do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), municípios com maior proporção de votos em Bolsonaro apresentam maiores taxas de aceleração de óbitos em 2021 frente à média de 2020. O fenômeno se aplica também aos estados. No Piauí, estado com menor percentual de votos em Bolsonaro no primeiro turno (18,8%), a taxa de aceleração de óbitos é uma das mais baixas (34,6%). Em Santa Catarina, onde Bolsonaro recebeu o maior apoio proporcional no primeiro turno (65,8% dos votos válidos), a taxa de aceleração de óbitos superou 200% em 2021. Os autores mostram que quanto maior o apoio a Bolsonaro, menor o índice de distanciamento social no estado frente à média de fevereiro de 2020, anterior à pandemia.
Após três meses de suspensão, o governo retoma hoje o pagamento do auxílio emergencial. O benefício será pago em quatro parcelas que podem variar entre R$ 150 e R$ 375 por mês. No ano passado, as parcelas foram de R$ 300 a R$ 1,2 mil.
A popularidade de Bolsonaro vem caindo desde o fim do pagamento do auxílio emergencial. Em dezembro, 46% aprovavam a forma de Bolsonaro governar e 45% reprovavam. A mesma pesquisa XP-Ipespe mostrou que, agora, a reprovação chegou a um recorde de 60%.
Em outra frente de sustentação política, Jair Bolsonaro fará um gesto aos muito ricos. O Planalto está organizando um jantar com os mesmos empresários que se reuniram com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para, dentre outras coisas, fazer lobby pela compra de vacinas pelo setor privado sem contrapartidas ao SUS.
A reunião acontece no mesmo lugar, a casa de Washington Cinel, dono da empresa de segurança Gocil, e tem entre convidados Flávio Rocha (Riachuelo), Rubens Ometto (Cosan) e Helie Horn (Cyrela). Segundo a colunista Bela Megale, executivos que participaram remotamente do encontro anterior tendem a declinar o convite dado o atual descontrole da pandemia. Detalhe: Bolsonaro chega ao jantar depois de uma agenda de viagens, incluindo a ida à Chapecó.
Enquanto isso, se desenrola a disputa entre Paulo Guedes e o Centrão em torno do orçamento de 2021. O texto subestimou despesas obrigatórias para reforçar emendas parlamentares, colocando em risco a execução dos gastos básicos do governo e estourando o teto de gastos.
A equipe econômica vem defendendo o veto parcial à lei aprovada pelo Congresso no fim de março, com o argumento de que há risco de crime de responsabilidade fiscal e, portanto, de impeachment. Já o Centrão acusa a equipe econômica de inépcia por não ter atualizado as projeções de receitas e despesas, o que teria feito com que o relator da peça, senador Márcio Bittar (PSDB-AC), fizesse seus cálculos – com anuência do próprio governo.
Arthur Lira teria avisado ao Planalto que Guedes quer criar um “clima de terrorismo, e que não há risco de impeachment por conta do orçamento”, escreveu Andréia Sadi. Segundo a jornalista, isso reforçou o movimento para que o Ministério da Economia seja desidratado, voltando a separação dos governos anteriores entre as pastas da Fazenda e do Planejamento.
Ontem, Guedes tentou afetar normalidade: “Não há desentendimento, briga, guerra. Disseram que havia uma guerra do presidente da Câmara com o ministro da Economia ou uma guerra contra o Senado. Não é esse o clima”, disse ele, em um evento da XP.
A última notícia é que as negociações dos cortes avançaram mais um pouquinho. De acordo com o Valor, o governo conseguiu convencer os parlamentares a desistirem de algo entre R$ 12,5 bilhões e R$ 13 bilhões. Na semana passada, Márcio Bittar já havia anunciado a devolução de R$ 10 bilhões em emendas. “Há fontes que já apontam que pode chegar a R$ 15 bilhões, mas que isso ainda não seria suficiente e um veto pelo menos parcial seria inescapável”, diz o jornal.
O Instituto de Direito Sanitário Aplicado e a Associação Brasileira de Economia da Saúde encaminharam à Procuradoria Geral da República e ao TCU uma representação em que denunciam o governo federal por não ter incluído no orçamento de 2021 recursos para compra de vacinas. Os autores apontam ainda que o caixa do Ministério da Saúde previsto para este ano é o mesmo de 2017, acrescido apenas da inflação acumulada no período – o que mostra que o governo “ignora a persistência da pandemia”.
Ontem, o ministro Gilmar Mendes decidiu manter o veto à realização de cultos religiosos em São Paulo, determinada pelo governador João Doria (PSDB) com objetivo de conter o contágio do coronavírus. A decisão contraria a liminar de Kassio Nunes Marques, concedida no sábado, e que liberou a realização de celebrações religiosas em todo o país. Mendes enviou o caso ao plenário, e esse julgamento foi pautado para amanhã pelo presidente do STF, Luiz Fux.
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Tomou a vacina e morreu de covid. Por quê? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU