24 Março 2021
“Não há uma dimensão sanitária da pandemia separada das consequências socioeconômicas e emocionais. A pandemia é tudo isso junto, que se desagrega em função do interesse fendido que, no pêndulo interpretativo, busca dominar um dos lados desta fictícia dualidade”, escreve Juan Pablo Laporte, cientista político, professor e pesquisador da Universidade de Buenos Aires, em artigo publicado por Perfil, 21-03-2021. A tradução é do Cepat.
Uma das teorias das relações internacionais pode nos dar elementos de reflexão para compreender o fenômeno da pandemia que estamos transitando: o pós-modernismo.
Neste espaço de conhecimento convergem de maneira transdisciplinar a psicologia, a psicanálise, a análise do discurso, a linguística, a crítica literária, a ciência política e a sociologia, todas em torno do pensamento político internacional.
O pós-modernismo – e/ou o pós-estruturalismo – tem uma série de postulados centrais: a interpretação genealógica dos fenômenos, a tarefa de desconstrução da realidade como tal para reconstruir a noção de totalidade, a relação interdependente entre o poder e o conhecimento, a dissolução do término de soberania estatal, as mudanças na territorialização e o estado de exceção.
Embora este espaço de pensamento seja ocupado por uma série de pensadores da densidade filosófica de Jaques Derrida, Roland Barthes, Jacques Lacan, Edward Said, Federico de Onís, inclusive o próprio Nietzsche, são dois os autores que se destacam nos conceitos centrais para analisar o tema deste artigo: Michel Foucault e Carl Schmitt.
A partir deles, a covid-19 deve ser pensada em uma genealogia da linhagem de infecção das pandemias da humanidade, onde em muitos casos estão relacionadas às perdas de equilíbrios ecológicos no vínculo homem-natureza.
A partir disto, a pandemia não é algo dado, que está aí para ser analisado “objetivamente”. Trata-se muito mais de um construto de inter-relações sociais, econômicas, científicas e políticas. Ao observá-lo, estamos criando sua realidade. Daí as múltiplas interpretações da pandemia em função de quem a observa e de onde se situa como “textualidade”, na expressão de Derrida.
Por sua vez, não há uma dimensão sanitária da pandemia separada das consequências socioeconômicas e emocionais. A pandemia é tudo isso junto, que se desagrega em função do interesse fendido que, no pêndulo interpretativo, busca dominar um dos lados desta fictícia dualidade.
Mais do que nunca, observa-se a relação do poder com o conhecimento, onde em cada momento se constroem relatos que validam uma parte da realidade para sustentar o que Foucault chamou de “regime de veridicção”: procedimentos argumentais para sustentar que algo é verdadeiro ou falso em função de relações de poder, com dimensões geopolíticas neste caso.
Existem “narrativas” que tentam estabelecer que os fatos gerados pela covid são “eventos neutros”, sem estar conectados com relações de interesses corporativos e governamentais para regulamentar o mundo da vida.
Além disso, observa-se como as soberanias estatais se dissolvem, dando lugar à universalidade do problema. Os Estados se transformam em gendarmes da aplicação das regras de uma lógica planetária que molda as liberdades e os vínculos de socialização.
Observamos como o território se mundializa, mas são mantidas as mesmas estruturas de concentração. Mais ainda, estas aumentaram demonstrando as misérias da modernidade, cada vez mais líquida e deformada.
Finalmente se impõe – seguindo Giorgio Agamben, que se apoia em Carl Schmitt – um “estado de exceção”: tudo está sujeito a uma nova normalidade regulada e controlada para um novo homem pós-moderno imunizado (o Um) que quer reconstruir seu sujeito desmoronado e seus vínculos sociais virtualizados. Surge um novo sujeito excluído: o infectado e o não vacinado (o Outro).
As relações internacionais e a disciplina homônima que as estuda têm a covid no centro da cena, e esta superou as categorias analíticas do realismo e seus debates endogâmicos com o liberalismo institucionalista. Só é preciso ouvir estas novas vozes que possam refletir criticamente e buscar soluções práticas para sociedades e Estados-nação completamente diferentes.
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A biopolítica do coronavírus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU