19 Janeiro 2021
Embora a Polônia ainda seja um país predominantemente católico, os escândalos de abuso sexual da Igreja e seu apoio a uma nova lei antiaborto estão levando alguns a abandonarem oficialmente o catolicismo.
A reportagem é de Magda Viatteau, publicada em La Croix International, 18-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ela se chama “Contador de Apostasias”: trata-se de uma tabulação contínua do número de pessoas na Polônia que optaram por renunciar publicamente à sua fé católica.
O “censo” em andamento foi lançado na internet no início de dezembro, e no Natal mil pessoas haviam rompido com a Igreja. O número agora subiu para mais de 1.500.
Embora alguns casos datem do início dos anos 2000, a maioria deles é de 2020, e alguns, deste ano.
Um grande setor da sociedade polonesa tem se irritado com os escândalos de pedofilia aparentemente intermináveis na Igreja Católica e, mais recentemente, com a reação apaixonada dos bispos à proibição quase total do aborto no país em outubro passado.
De acordo com dados do instituto CBOS, o percentual de poloneses com opinião favorável sobre a Igreja caiu de 57% para 41% desde março de 2020.
Um total de 47% dos entrevistados disseram desaprovar as ações da Igreja. Isso é algo que não se via desde 1993.
“Na Polônia, a Igreja Católica decide sobre tudo, da procriação à possibilidade de trabalhar aos domingos”, disse Anna Dziewit-Meller, escritora e jornalista.
“Eu não quero mais cruzes penduradas em todos os lugares públicos, padres que entram nas salas das clínicas obstétricas sem bater etc.”, disse ela. “Sou a favor do acesso gratuito ao aborto.”
Dziewit-Meller anunciou no Instagram no fim de outubro que abandonaria formalmente a Igreja e encerraria sua colaboração com a Tygodnik Powszechny, uma revista católica que representa a “ala liberal” da Igreja polonesa.
“Eu senti que, para permanecer fiel a mim mesma, tinha que dar o passo”, confessou.
“Na Polônia, a religião se vendeu à política”, acrescentou a jovem. Ela lamentou o fato de os bispos da Polônia serem próximos ao partido conservador no governo.
Centenas de poloneses como ela decidiram expressar sua raiva e romper oficialmente com a Igreja institucional. Cerca de 92% dos poloneses ainda se identificam como católicos de uma forma ou de outra.
Mas dezenas de grupos privados e públicos que defendem o abandono da Igreja surgiram nas redes sociais e agora contam com milhares de membros.
Muitos sites explicam como sair formalmente. Eles oferecem modelos para a “declaração” que deve ser apresentada ao pároco.
“Fomos contatados pelo fundador de um site. Em um mês, o modelo daquele site foi baixado por 25.000 pessoas”, disse a jornalista e ativista Agata Diduszko-Zyglewska, que passou vários anos denunciando o abuso sexual de padres.
Ela se juntou a Robert Biedroń e a Joanna Scheuring-Wielgus – membros da coalizão política de esquerda – para lançar o “Contador de Apostasias” antes do Natal.
“A ideia era registrar todas essas pessoas, para que elas não se sintam sozinhas”, disse. “Não podemos confiar na Igreja para comunicar isso”, insistiu a jornalista.
De fato, a Igreja Católica na Polônia não possui dados completos. Entre 2006-2009, houve 1.057 apostasias na Polônia. Houve outras 459 em 2010.
Posteriormente, o Instituto de Estatística da Igreja Católica (ISKK) considerou isso “um fenômeno relativamente marginal” e não realizou pesquisas sobre o assunto. Mas planeja começar este ano.
“Ouvimos falar muito sobre apostasia, de muitas fontes”, reconhece o diretor do ISKK, Pe. Wojciech Sadłoń.
Mas ele está confiante de que o novo movimento de apostasia não terá um impacto significativo nas estatísticas. Pelo menos não no futuro imediato.
“Em 30 anos, a proporção de pessoas que se declaram ateias na Polônia passou de 1,3% para 3%”, observou.
O movimento atual faz parte da tendência de mudanças nas práticas religiosas, que a Polônia tem testemunhado nos últimos 30 anos. Por exemplo, a frequência nas missas dominicais diminuiu de 50% em 1980 para 36% hoje.
“As pessoas que estão saindo hoje, na maioria dos casos, não estavam envolvidas na vida da Igreja há muito tempo”, disse o Pe. Sadłoń.
“Essa é uma manifestação da sua atitude negativa em relação à presença da Igreja na esfera pública, que é ainda mais forte porque, ao contrário da Alemanha, não lhes traz nenhum benefício prático”, argumentou.
Qual é o perfil típico de um apóstata polonês? A maioria deles são jovens de cidades grandes e médias. No entanto, os criadores do “Contador de Apostasias” apontam que outras categorias também estão bem representadas.
“A Igreja baseia seu direito de regular a vida dos poloneses no fato de que a sociedade é predominantemente católica. Mas isso é uma fantasia”, disse Diduszko-Zyglewska.
“A maioria deles não é praticante, e o seu batismo foi apenas automático.”
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Igreja na Polônia enfrenta onda de deserções - Instituto Humanitas Unisinos - IHU