A cidade ecológica ou a barbárie

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16 Dezembro 2020

O filósofo Serge Audier explora o pensamento político para construir uma síntese capaz de vincular – finalmente – República e ecologia, única alternativa possível para a crise social, democrática e ambiental.

A reportagem é de Hervé Nathan, publicada por Alternatives Économiques, 12-12-2020. A tradução é de André Langer.

La cité écologique.
Pour un eco-républicanisme.
Livro de Serge Audier.

Alguns ensaios são como uma busca. La cité écologique. Pour un eco-républicanisme (A cidade ecológica. Por um eco-republicanismo), La Découverte 750 páginas é uma delas. Em primeiro lugar, porque este volumoso livro vem depois de dois outros.

O primeiro, La societé écologique et ses ennemis (A sociedade ecológica e seus inimigos), publicado em 2017, no qual Serge Audier se empenha num verdadeiro trabalho de arqueologia das ideias, atualizando o que o movimento socialista tinha esquecido, a saber: em que medida os primeiros pensadores socialistas herdeiros de Jean-Jacques Rousseau, Charles Fourier, George Sand e Elisée Reclus lideraram a crítica social ao capitalismo nascente e a defesa da natureza ameaçada pela voracidade dos capitalistas.

L’âge productiviste (A era produtivista) veio dois anos depois, redescobrindo os fundamentos intelectuais da sociedade industrial, herdeira do Iluminismo de Descartes a Condorcet, e o fascínio que o progresso tecnológico exerceu sobre os pensadores da República e do movimento socialista, dos saint-simonianos a Marx ou Auguste Comte.

Com A cidade ecológica, obra publicada durante a Covid, o maratonista da filosofia política completa assim seu Ring, depois de quase 2.500 páginas de erudição de tirar o fôlego, ao tentar a síntese entre os “pós-rousseaunianos”, que seriam os ambientalistas, e os pós-enciclopedistas, soldados da República. Uma ambição salutar quando olhamos as notícias, por exemplo, a polêmica que opõe a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e seus aliados do Europe Écologie-Les Verts...

Reunir as duas correntes da esquerda

Portanto, gostaríamos de recomendar que leiam Serge Audier, que está ciente de que a história forjou os partidos políticos tanto quanto senão mais do que a filosofia. Em agosto, enquanto escrevia as últimas linhas de sua obra, o autor explicava a Alternatives Économiques o sentido da sua pesquisa:

“O divórcio crucial a superar, a meu ver, é aquele entre uma abordagem do tipo ‘lutas das minoritárias’ ou ‘sociedade civil’, e uma abordagem mais institucional e republicana. Os ambientalistas e toda a esquerda devem demonstrar, em sua doutrina e em seus programas, que são portadores de um “interesse geral” mais amplo, social e ecológico, para todas as gerações e todos os seres vivos”.

Sem a reunião dessas duas correntes, escreve, não há nenhuma chance de “construir uma cidade que seja democrática e materialmente ecológica”.

Aos que pensam a República como um “bloco”, à maneira de um Régis Debray rápido em zombar “do culto da cenoura orgânica”, ele lembra o socialista Jean Jaurès, de acordo com o qual a forma republicana pede “para ser incessantemente transformada à prova de suas contestações internas, que apontam para o caráter insuficientemente comum de seu ‘bem comum’”, ao questionar os partidários ambientalistas da tabula rasa ideológica:

“No que se refere aos chamados valores ocidentais (...), do universalismo aos direitos passando pelo progresso, mas também da República à democracia, devemos jogar tudo isso na lata de lixo da história?”

Sem síntese suave

Em vez de dizer adeus à modernidade ou ao humanismo, como certas correntes da ecologia nos convidam a fazer, o autor prefere “revigorar nossas intuições morais e democráticas fundamentais, estendendo-as aos seres vivos”.

Para obter a fusão entre a velha tradição republicana e socializante e as lutas ambientalistas, Serge Audier invoca tudo o que produziu a filosofia política e navegou de Aristóteles a André Gorz, passando por Jean-Jacques Rousseau. No final, ele consegue vincular a luta pela emancipação humana e a luta pela natureza.

O “eco-republicanismo” que ele defende se reconectaria com este “tesouro perdido”, que reuniria “o melhor das tradições liberais e libertárias, mas sobretudo comunistas, socialistas e republicanas”.

Não se trata de uma síntese suave, pois se tratará de questionar, entre outras coisas, não apenas o capitalismo, mas também a propriedade e o “individualismo associal” instituído pelo neoliberalismo.

É urgente abrir este canteiro, adverte Serge Audier, porque “os amigos da democracia estão numa corrida contra o tempo para conseguir uma mudança socioeconômica radical, mas também para não serem ultrapassados por formas de autoritarismo e de populismo nacionalista”. Em suma, a cidade ecológica ou a barbárie.

 

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