07 Dezembro 2020
"No contexto de um documento tão aberto e confiante como o novo vade-mécum do Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos, uma linguagem menos jurídica e mais simbólica a propósito de eucaristia e sacramentos não teria sido inoportuna. Mas certamente não é esse limite, embora vistoso, que diminui o valor de um texto com o qual podemos francamente nos alegrar", escreve Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado por Come Se Non, 06-12-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um novo documento do Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos, intitulado “O bispo e a unidade dos cristãos: vade-mécum ecumênico”, parece ser uma convincente contribuição para a difusão da “paixão pela unidade” como tarefa primordial da Igreja Católica e, sobretudo, do ministério episcopal.
Esse é um fato extremamente importante e que introduz, poderíamos dizer, uma mudança de ritmo na tensão eclesial para a reconciliação entre confissões. Se o ecumenismo é delineado como tarefa da Igreja local, como múnus episcopal que qualifica o ministério e é articulado em diversos níveis, com a devida atenção e por meio de uma linguagem linear, aberta, quase sempre direta e fundamentada estruturalmente nos textos do Concílio Vaticano II, o texto do vade-mécum surge como um avanço objetivo da consciência ecumênica do catolicismo e da sua atitude geral em relação à tarefa da unidade da Igreja. Ninguém pode não se alegrar de coração com isso.
Para fornecer uma rápida síntese do documento, gostaria de indicar a sua estrutura, as passagens qualificatórias singulares, reservando apenas no fim a atenção para algumas perplexidades, que de modo algum prejudicam o valor do documento, mas podem limitar alguns de seus desdobramentos possíveis, sem afetar, porém, o seu valor geral, que parece ser de um progresso seguro, decisivo e convicto.
O texto (que inclui 42 números) se divide em 2 partes, precedidas por um Prefácio e por uma Introdução, e seguidas por uma Conclusão e por um Apêndice, onde se elencam todos os parceiros ecumênicos dos diálogos internacionais.
A segunda parte é articulada em quatro seções, cada uma seguida de “recomendações práticas”, ou seja, de conselhos dedicados ao discernimento do plano imediatamente pastoral. A Introdução (1-5) especifica o recorte do documento, que já é antecipado no título: “O bispo e a unidade dos cristãos”. No centro, está o apelo ao ecumenismo “como tarefa episcopal” não acessória e não secundária, como solicitado pelo Concílio Vaticano II e depois buscado pelo caminho de implementação das intenções do decreto Unitatis redintegratio.
É importante aquilo que é especificado no Prefácio: “No serviço da unidade, o ministério pastoral do bispo inclui, portanto, não só a unidade da sua Igreja, mas também a unidade de todos os batizados em Cristo”. Por isso, o documento é oferecido como um “apoio” aos bispos diocesanos para compreender e realizar melhor a sua tarefa ecumênica.
Em seguida, acrescenta-se que cada bispo deve considerar as condições específicas da sua própria diocese, a sua história, a fim de calibrar adequadamente as possibilidades e os limites.
A primeira parte (6-14) é dedicada à “Promoção do ecumenismo na Igreja Católica” e estrutura as competências episcopais e diocesanas a serem ativadas para assumir a tarefa da unidade da Igreja e dos batizados. O cuidado com a formação e com a comunicação chega para definir, entre as recomendações, não só a necessária instituição de cursos de ecumenismo na formação de leigos e dos seminaristas, mas também de desenvolver uma dimensão ecumênica em cada curso teológico.
A segunda parte (15-41) tem como título “A relação da Igreja Católica com os outros cristãos” e apresenta o “múnus” ecumênico subdividido em quatro âmbitos: ecumenismo espiritual, diálogo da caridade, diálogo da verdade e diálogo da vida. Este último âmbito, por sua vez, será dividido, como veremos, em três percursos.
O ecumenismo, portanto, é articulado em quatro grandes dimensões: acima de tudo, o ecumenismo espiritual, que desenvolve experiências comuns de oração, de relação com a Escritura, de testemunho de vida, de ritmos festivos e de caminhos de santidade e de “purificação da memória”.
Depois, há o ecumenismo que deriva do “diálogo da caridade”, atento às formas práticas de colaboração. Depois aquele que brota do “diálogo da verdade”, com os caminhos do aprofundamento teológico. Enfim, o grande ‘diálogo da vida”, que traduz em fatos concretos os resultados dos três primeiros contextos. Vejamo-los a seguir.
Acima de tudo, há o ecumenismo pastoral. Com isso, entende-se o “pôr em comum” dos recursos, humanos e materiais, entre as Igrejas. Esse é o registro positivo e acolhedor com o qual também se abordam os temas escabrosos dos ministérios e dos sacramentos. Mesmo com os limites que veremos em breve, a abordagem é positiva e expressada também em geral com uma boa abertura.
Depois, há o ecumenismo prático, que implica a colaboração no campo das realizações de “serviço ao mundo”, no qual os cristãos se tornam luz e testemunhas do Evangelho.
Enfim, o ecumenismo cultural, no qual o conhecimento dos caminhos cristãos dos outros se torna enriquecimento e recurso de unidade comum. O delineamento desses objetivos, acompanhado de sugestões práticas, é proposto com linguagem linear, aberta e propositiva, distante de tons apologéticos, identitários ou defensivos.
Precisamente no ponto mais delicado, no número 36, ou seja, o da “partilha da vida sacramental”, o sinal de um certo desconforto emerge do regime linguístico do texto: imediatamente, o documento tende a assumir em certa medida o teor mais rígido da linguagem canônica mediante a terminologia da “comunicatio in sacris”.
Porém, é preciso reconhecer uma evidente resistência à tentação tradicional de juridicizar a questão. Por isso, deixa-se em aberto a tensão entre um duplo princípio. E esse é certamente um grande avanço, ainda que expressado em uma linguagem apenas parcialmente à altura do desafio.
Diz-se, e com pleno fundamento, que, a partir do Unitatis redintegratio, se deve deduzir que a dimensão sacramental – eucarística, penitencial e de unção dos enfermos – não só “exprime a comunhão”, mas é também “meio de salvação”. Trata-se de dois princípios de valores diferentes, mas que são assumidos com a consciência de uma exigência de mediação e de discernimento que não pode ser resolvida a priori.
Aqui, a meu ver, embora em uma linguagem bastante formal e um pouco enrijecida, o vade-mécum elabora a questão de forma clarividente: sendo o sacramento não apenas “expressivo” de uma comunhão que já deve existir, mas também “construtivo” de uma a comunhão por vir, ele não pode ser julgado apenas “a priori”, mas também “a posteriori”.
O que falta na linguagem do vade-mécum é a plenitude da linguagem litúrgica. Fala-se nos termos do código e da tradição dogmática. Fala-se de administração, não de celebração. Por isso, é difícil tirar plenamente as consequências dos dois princípios lucidamente reconhecidos.
Na verdade, emerge aqui, de forma muito clara, o grande mérito de uma reflexão que o movimento ecumênico soube elaborar na leitura das fontes jurídicas e dogmáticas, tratadas com fineza e com rigor. Mas, na minha opinião, faltam as duas aquisições fundamentais que a Sacrosanctum concilium e o movimento litúrgico introduziram na consciência eclesial e que poderiam ser aqui de grande utilidade:
a) a natureza de “fonte” e não apenas de “culmen” das ações rituais, nas quais a Igreja não só “expressa” a comunhão, ou “media a salvação”, mas também experimenta, reconhece e constrói a comunhão que recebe do Senhor. Se a “ecclesia” pode ser pensada como “de eucharistia”, a celebração comum concreta se torna princípio do caminho de comunhão, não simplesmente manifestação de uma unidade já presente. Não só “prêmio”, mas também “remédio”.
b) A linguagem ritual, portanto, não é simplesmente o “instrumento” para expressar a visão correta da unidade, mas é também a “experiência comum” para reconhecer e construir uma unidade gerada pelo canto comum, pela escuta comum, pela participação comum, por espaços e tempos comuns. Os sacramentos, por isso, não deveriam ser simplesmente pensados como “administrados” a outros, mas também como celebrados com outros.
Aqui, parece-me, a consciência católica se esforça não simplesmente em pensar a relação com os outros, mas também em dizer com plenitude aquilo que ela experimenta de si mesma.
No entanto, deve-se reconhecer que o vade-mécum evita se fixar diretamente no lado estritamente jurídico da problemática. Mas não é por acaso que, precisamente no campo sacramental, é mais frequente a referência aos cânones, embora temperada e de caráter não resolutivo. Poderíamos dizer: precisamente onde o simbólico e o ritual deveriam respirar, eles praticamente nunca são usados, mas se deposita a confiança nas categorias necessárias, mas insuficientes, do direito, temperadas pelo discernimento da prudência.
Por isso, o mínimo necessário, ou seja, o “caso de morte” e de “grave necessidade”, torna-se abertura à esperança. Parece justamente que, paradoxalmente, apenas em “caso de morte” pode-se esperar uma maior comunhão. O horizonte do ecumenismo, porém, não é construído principalmente para os moribundos, mas sim para os vivos; não sobretudo para quem se encontra no fim da vida, mas acima de tudo para quem está no início da vida. Não principalmente para assumir com prudência os mínimos necessários da existência, mas para compartilhar com coragem os máximos gratuitos da “transgressão ritual”. Nesse caso, a força simbólico-ritual das liturgias se torna, ela mesma, alimento e força de unidade. As famílias mistas sabem mais disso do que a Igreja.
Os instrumentos com os quais “dizemos” e “pensamos” a realidade da unidade dos cristãos influenciam decisivamente as nossas visões e as nossas opções. Se, para pensar a comunhão, sairmos da minoridade expressiva dos códigos e entrarmos na superabundância simbólico-ritual das ações litúrgicas, teremos motivos e argumentos mais fortes para promover a unidade ainda devida e para reconhecer aquela já existente, para que a comunhão ecumênica até mesmo sacramental não seja assumida “mortis causa”, mas “vitae gratia”.
No contexto de um documento tão aberto e confiante, uma linguagem menos jurídica e mais simbólica a propósito de eucaristia e sacramentos não teria sido inoportuna. Mas certamente não é esse limite, embora vistoso, que diminui o valor de um texto com o qual podemos francamente nos alegrar.
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Caminhar, rezar, trabalhar juntos: o bispo e a tarefa ecumênica. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU