25 Novembro 2020
"É assim que o apelo para que a Igreja não se reduza apenas a um braço operacional ou a uma espécie de Defesa civil subsidiária, deve ser vivido como uma libertação da palavra caridade na sua dinâmica contemplativa. Ao nos entregar a Casa da Caridade há 18 anos, o Cardeal Martini nos convidou a preservar precisamente a dimensão da oração contemplativa: não poderíamos ser simplesmente uma obra de caridade, mas deveríamos contar uma história de esperança. E continuaremos a fazê-lo, mesmo como adultos", escreve Virginio Colmegna, presbítero, presidente da Fundação Casa della Carità “Angelo Abriani”, Milão, em artigo publicado por Avvenire, 24-11-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
O dom de Martini para Milão. Ele nos convidou a preservar a dimensão de oração contemplativa: não poderíamos ser simplesmente uma obra de caridade, mas teríamos que contar uma história de esperança.
Caro Diretor, nos próximos dias se comemoram os 18 anos da Fundação Casa della Carità de Milão. Era 2002. Ao atingir a maioridade, perguntei-me o que significava para mim, como sacerdote, ter visto crescer e acompanhar esta realidade, desejada pelo Cardeal Martini e vivida sempre não apenas como serviço ou como resposta laboriosa de caridade. Eu me perguntei como pessoa de fé inquieta de uma Igreja fascinada pela palavra do Evangelho. Nestes 18 anos aconteceu em mim o amadurecimento reflexivo do grande dom que Martini nos deu, o da gratuidade. Quer dizer, da necessidade de dar espaço, na hospitalidade organizada, para um acolhimento aberto, sem condições, cálculos, pagamentos, mas amparado na capacidade de reportar-se ao “excesso da caridade”.
Para Martini, a palavra caridade deveria ser de alguma forma livrada de um sentido simples de esmola, para se elevar a uma dimensão contemplativa capaz de desafiar a justiça e falar de esperança. E é no encontro com os pobres, os últimos da fila, os "desprovidos" que tudo isso se realiza. Como sacerdote, sinto realmente a alegria por uma Igreja que me permitiu viver pastoralmente essa proximidade com as pessoas mais frágeis. Muitas vezes me lembro que a hospedaria sempre acompanhou a experiência do mosteiro ao longo da história. Hoje precisamos, nesta hospedaria que se tornou o mundo inteiro, de um mosteiro. Ou seja, de fazer fluir no quotidiano das histórias que vivemos uma sede contemplativa, que certamente não se desvie da urgência dos dramas das múltiplas emergências existentes, mas que saiba internalizar a escuta do grito da pobreza e torná-lo invocação, intercessão, oração, espaço a ser mantido em silêncio.
O Papa Francisco pediu para a Igreja não ser uma ONG. Certamente é uma provocação porque não podemos deixar de nos organizar, não nos profissionalizar ou não interagir com a política com coragem e competência. Tudo isso continuará existindo, mas a provocação está em nos fazer refletir sobre o que falta e que, ao contrário, nunca pode faltar. Quer dizer, responder à pergunta “Por que fazemos o que fazemos?”, declarando paixão pela humanidade sofredora e aquele sentimento de vínculo de fraternidade que o próprio Papa nos presenteou com Fratelli Tutti: um sopro que nos faz sonhar um mundo novo, "novos céus e nova terra". Palavras que não se tornam retóricas se afundam numa interioridade contemplativa e num silêncio reflexivo que não se desbotam com o passar dos anos, mas sim se redescobrem cada vez mais frescos.
Também hoje, no dramático contexto de pandemia que vivemos, sentimo-nos acompanhados por grandes questões que não podem ser silenciadas pela urgência de tantas emergências. Deus onde está você? Que sentido tem continuar? As respostas consoladoras não precisam pertencer a nós. Antes, devemos ser atravessados pela experiência da fé, que nos faz cantar dentro de nós um silêncio questionado por rostos, por histórias, por sofrimentos.
É este o tempo de celebrar o hino da fraternidade. Sim, precisamos de um mosteiro, de um entusiasmo contemplativo que se deixe arrebatar na escuta da Palavra. É assim que o apelo para que a Igreja não se reduza apenas a um braço operacional ou a uma espécie de Defesa civil subsidiária, deve ser vivido como uma libertação da palavra caridade na sua dinâmica contemplativa.
Ao nos entregar a Casa da Caridade há 18 anos, o Cardeal Martini nos convidou a preservar precisamente a dimensão da oração contemplativa: não poderíamos ser simplesmente uma obra de caridade, mas deveríamos contar uma história de esperança. E continuaremos a fazê-lo, mesmo como adultos.
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O desafio de estar na cidade como mosteiro e hospedaria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU