12 Novembro 2020
“Nós temos um Papa que é difícil de prender. Nós deveríamos estar preparados para sermos surpreendidos. Embora esse seja um ensino constante da Igreja, que pode ser traçado desde o seu início”, escreve Terrance Klein, padre estadunidense da Diocese de Dodge City, em artigo publicado por America, 11-11-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O papa Francisco estava recentemente eleito quando ele determinou a principal prioridade do seu pontificado: reconhecer Cristo no estrangeiro. Nós vivemos em um tempo de uma migração global sem precedentes, a maiorias desses forçados a se refugiar fugindo da violência, opressão e pobreza. Sim, Estados-Nação requerem fronteiras, e nós estamos longe de superar o nacionalismo. Mas refugiados requerem reverência. Nós não podemos tolerar políticas que ameaçam as pessoas simplesmente como problemas.
Como qualquer outro líder, cada Papa possui fortalezas e fraquezas pessoais. Uma das fortalezas de Francisco é sua boa vontade para surpreender, para tomar o caminho inesperado. Em “The Outsider: Pope Francis and His Battle to Reform the Church” (2020), Christopher Lamb, um correspondente vaticanista para o jornal The Tablet, preenche e relata pano de fundo da primeira viagem pública do Santo Padre como Papa, na qual recebeu refugiados no porto de Lampedusa, no sul da Itália.
Em contraste a políticos que colocam medo sobre os migrantes para ganhar poder, a política de Francisco pode ser resumida em uma linha das Escrituras:
“Eu era um estrangeiro e me acolhestes” (Mt 25, 35)
O Papa outsider decidiu associar a seu papado “outros outsiders” que procuram entrar na Europa.
Francisco inicialmente enfrentou alguma resistência das autoridades do Vaticano com seu plano de visitar Lampedusa. As viagens papais, dentro e fora da Itália, requerem planejamento e uma boa dose de organização e contato com funcionários públicos e bispos locais. Alguns na Cúria sentiram que não havia tempo suficiente para organizar uma viagem, visto que o Papa deveria voar para o Rio de Janeiro para a Jornada Mundial da Juventude, de 22 a 29 de julho de 2013.
Mas ele foi insistente. Francisco ligou para a Alitalia para reservar um lugar em um voo para Lampedusa como “Jorge Mario Bergoglio”. Um funcionário da Alitalia, a companhia aérea que transporta o Papa quando ele vai para o exterior, ligou mais tarde para o Vaticano para dizer que havia alguém que dizia ser o Papa tentando se inscrever em um voo. Dado que, como chefe de Estado, o Papa não pode simplesmente reservar uma passagem aérea regular, o Vaticano concordou em organizar uma visita oficial, e a viagem a Lampedusa ocorreu em 8 de julho de 2013.
Todos nós já ouvimos a expressão: “Esperar o inesperado”. A versão cristã é “vigiai para a surpresa”. São Paulo escreveu à igreja em Tessalônica, avisando-os sobre um “desastre repentino”, dizendo que viria “como um ladrão na noite”. Ele os exortou a “ficarem vigilantes”.
Em sua maravilhosa contribuição para a série Catholic Commentary on Sacred Scripture (2019), Nathan Eubanks destaca que cada uma dessas expressões é encontrada nos lábios de Jesus nos Evangelhos sinópticos. Por que isso é significativo? Diz-nos que “fiquem vigilantes para a surpresa” não é simplesmente uma política deste pontificado – sempre foi fundamental para a mensagem cristã.
No Evangelho de Mateus (embora o “ladrão da noite” seja ecoado em Lc 12, 39-40, 2 Pt 3, 10 e Ap 3, 3), lemos:
“Mas, fiquem certos: se o dono da casa soubesse a hora em que o ladrão iria chegar, não deixaria que lhe arrombasse a casa. Vocês também estejam preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que vocês menos esperarem”.
No Evangelho de Lucas, fala-se de um “desastre repentino”:
“Cuidado para que seus corações não fiquem sonolentos de farra e embriaguez e as ansiedades da vida diária, e naquele dia [cair sobre vocês repentinamente como] uma armadilha. Pois aquele dia assaltará todos os que vivem na face da terra. Esteja vigilante em todos os momentos e ore para ter forças para escapar das tribulações que são iminentes e estar diante do Filho do Homem”.
E, assim como São Paulo em sua carta aos Tessalonicenses, São Marcos fala em deixar o sono de lado:
“Observe, portanto; não sabes quando virá o senhor da casa, se à tarde ou à meia-noite, ou ao cantar do galo, ou pela manhã. Que ele não venha de repente e te encontre dormindo”. [Veja também a parábola do escravo fiel ou infiel: Mt 24, 45-51; Lc 12, 42-46].
“Ficai vigilante para a surpresa” é a predição de Cristo sobre o que vai acontecer e seu indicador para o discipulado cristão. Ficaremos tão surpresos com o advento de Cristo no final da história quanto com sua chegada diária – mas apenas se ficarmos acordados para ambos, se permanecermos espiritualmente alertas. Ser cristão é esperar o inesperado, permitir que o Senhor nos conduza aonde não iríamos.
Tomada como um todo, a mensagem do Novo Testamento é que Deus é sempre novo, um ladrão na noite; que a atividade de Deus é sempre sem precedentes, um desastre repentino; e que tudo depende de estarmos prontos para sermos surpreendidos, de permanecermos vigilantes.
Nós temos um Papa que é difícil de prender. Nós deveríamos estar preparados para sermos surpreendidos. Embora esse seja um ensino constante da Igreja, que pode ser traçado desde o seu início.
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O papa Francisco se fortalece nas surpresas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU