21 Outubro 2020
"A montagem da campanha de Juliana Gaioso é uma síntese. Sumariza a união entre catolicismo conservador, patriotismo, armamentismo e a defesa da família tradicional brasileira. A foto evidencia todos elementos numa montagem política. Não à toa", escreve Fábio Py, doutor em teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-RIO e professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF.
“A imagem é tudo:
significante e significado político”
J. Ranciere
Imagem enviada pelo autor
A foto/montagem é forte. Contrastante até. Tem tanto contraste que não há quem não se espante. Afinal, no imaginário cristão uma pessoa que carrega a figura de “Nossa Senhora” não deveria estar conectada à morte, mas ela carrega uma arma em sua mão direita. A figura de Nossa Senhora está acompanhada do dizer “Dai-nos a benção, oh mãe querida Nossa Senhora”. Pelo ombro direito está a bandeira do Brasil. Ambos, à bandeira e à Santa estão protegidos pela arma. A relação se amplifica quando a estampa da blusa tem um cão altamente armado. Todo esse jogo de figuras se movimenta na cena por Juliana Gaioso Pontes, candidata ao cargo de vereadora no Mato Grosso do Sul, de onde é natural, nascida em 1973.
A montagem da campanha de Juliana Gaioso é uma síntese. Sumariza a união entre catolicismo conservador, patriotismo, armamentismo e a defesa da família tradicional brasileira. A foto evidencia todos elementos numa montagem política. Não à toa. Afinal, Juliana é uma figura conhecida da política de Mato Grosso do Sul, onde foi assessora parlamentar. Ela surfa na onda midiática de Bolsonaro, a quem define como “homem de deus para nação”. O trabalho meticulosamente montado da foto é para promoção de sua candidatura à vereadora pelo Partido Social Liberal (PSL).
Juliana se declara casada e “Dona de Casa”, embora tenha trabalhado como assistente parlamentar intermediária no gabinete da senadora Soraya Thronicke (PSL). Deixou o cargo em junho deste ano para concorrer ao pleito eleitoral, quando tinha um salário bruto de 13 mil reais. De acordo com o TSE, ela teria o Ensino Médio incompleto, não apresentou a lista de bens materiais ou de valores depositados em contas bancárias em seu nome, embora apareça em vídeo falando sobre sua casa num bairro dito ‘periférico’ de Mato Grosso do Sul. Na campanha eleitoral a candidata recebeu R$ 20 mil do PSL e outros R$ 500,00 de uma pessoa física.
Ela se define como ‘terrorista de Direita’, uma afirmação tão escancarada que vem impulsionando uma investigação da Procuradoria-Geral da União (PGU) por liderar e promover grupos de ódio e antidemocráticos no estado, além de espalhar pelas redes sociais conteúdos classificados como fake news. A suspeita é que integre o “gabinete do ódio” bolsonarista de Mato Grosso do Sul.
Juliana também se diz católica praticamente, devota de Nossa Senhora, tal como destaca a foto. Em vídeo, ela aparece fazendo campanha junto ao grupo de jovens católico de Campo Grande chamado de “Anjos de Maria”. No vídeo da campanha aparece ao lado de Bolsonaro, andando com uma arma na cintura e atirando. Nele, volta a usar o apelido “terrorista de direita”, no qual explicita no verso de sua promoção eleitoral “Ela se diz bolsonarista raiz, faz a esquerda enlouquecer”. Assim, segue a prática comum do autoritarismo bolsonarista de espalhar pautas contra vida, pousando com armas, xingando movimentos LGBTQIA+, promovendo a caça de setores de esquerda ou adversários políticos. Nos quais afirma que “deveriam ser expulsos do país”.
É claro, normalmente, se diz que o apelo às armas e ao cristianismo são contraditórios. Contudo, tal incongruência, não raro, é apenas aparente. Pois, essa história já se esboça desde a formação brasileira quando “os jesuítas carregavam armas nas mãos, terços nos pulsos, e catequeses nas bolsas para o serviço da interiorização brasílica”, segundo escreve Ronaldo Vainfas, no seu clássico “Traição” (Companhia das Letras, 2008). O historiador diz também que os jesuítas andavam armados não para ‘simples’ defesa, mas para atacar e promulgar o projeto colonizador brasileiro, diante das diferentes tribos que aqui habitavam. Por fim, o historiador informa enfaticamente que existiam jesuítas especialistas na caça e morte indígena.
Outro projeto colonial que veio ao Brasil, que unia o cristianismo e a violência armada contra setores heterodoxos é mais recente. Ele data de 1870, quando houve migração de americanos do Sul derrotados na Guerra de Secessão, que ocupam a região de Santa Barbara do Oeste. Eles, que em sua maioria eram das denominações evangélicas batistas, presbiterianos e metodistas, formaram a colônia americana do Brasil. A qual ajudou na expansão dessas expressões religiosas pelo país. Os membros da colônia tanto trouxeram escravos para o Brasil, quanto compraram outros mesmo após a abolição da escravatura. O pastor batista Helcio Lessa gravou vídeo em 1984, para o Centro de Memória Batista, descrevendo que nessa colônia de americanos “havia dias de estudo da Bíblia, e infelizmente, dias que sacrificavam escravos a tiros de arma de fogo”. Essa memória do racismo, escravidão, cristianismo e armas teria seguido até 1950 entre os batistas e presbiterianos quando nos seus seminários tinham “negros que viviam nos porões, às vezes até acorrentados, que faziam os serviços domésticos e carregavam as bíblias dos seminaristas”.
Assim, voltando à foto/montagem eleitoral. Acredito que o que chama tanto a atenção é que ela deixa claro que o cristianismo conservador é e sempre foi violento. Seus símbolos, liturgias, e fiéis se esforçam em esconder o sangue derramado dos índios e das populações de África que cá vieram habitar. Contudo, a simples foto eleitoral da ‘terrorista de direita’, Juliana, expõe quão tenebrosa é a formação do Brasil cristão. Ela demonstra que esse cristianismo, é filho direto da colonização e está acostumado tanto com a devoção das rezas e liturgias quanto com os ‘tiros nas cabecinhas’ dos demais povos ‘pagãos’.
Candidatos a vereador de Campo Grande/MS
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A horripilante foto eleitoral da ‘terrorista de direita’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU