01 Setembro 2020
Sete francesas que recentemente se “candidataram” a cargos eclesiais tradicionalmente reservados apenas a homens se tornaram em pouco tempo ícones para o movimento feminista católico, entre outras coisas mostrando que não há uma visão única de como alcançar uma Igreja mais acolhedora e inclusiva, conforme imaginam.
Essa diversidade ficou clara em um evento on-line que reuniu as ativistas francesas.
A reportagem é de Elise Ann Allen, publicada por Crux, 31-08-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Tudo começou em 25 de maio, quando uma mulher de nome Anne Soupa enviou à embaixada vaticana em Paris um formulário não solicitado com o intuito de liderar a Arquidiocese de Lyon, jurisdição eclesiástica sem um arcebispo desde a renúncia, em março, do prelado anterior, o Cardeal Philippe Barbarain, em meio a uma batalha jurídica para limpar seu nome das acusações de acobertamento de abusos sexuais clericais.
Depois que Soupa enviou sua solicitação, várias outras mulheres uniram forças para criar a coalização Toutes Apôtres!, que significa “Todos Apóstolos”, em tradução literal. O tem como objetivo promover a igualdade no catolicismo entre todos os batizados, independentemente de gênero, estado civil, profissão ou orientação sexual. A organização é composta de mulheres da França e outros lugares.
Em 22 de julho, Dia de Santa Maria Madalena, sete outras católicas submeteram formulários à embaixada vaticana em Paris candidatando-se a ministérios atualmente apenas abertos a homens, incluindo os papéis de bispo, padre, diácono, núncio e pregador.
Quadro delas têm programado uma reunião individual com o embaixador do Vaticano na França, Dom Celestino Migliore, depois que receberam um telefonema da secretaria convidando-as para uma conversa. As três que não foram convidadas para uma reunião não submeteram um número de telefone em seus formulários.
Cada uma das sete mulheres – Hélène Pichon, Sylvaine Landrivon, Claire Conan-Vrinat, Christina Moreira, Marie-Automne Thépot, Laurence de Bourbon-Parme, e Loan Rocher, que é transgênero – conversou com Soupa durante um diálogo on-line, no último dia 29 de agosto, promovido pela organização Voices of Faith (Vozes da Fé).
Intitulado “Empoderamento Feminino para Revelar a Vocação”, o evento teve mais de 250 participantes do mundo inteiro. Embora as palestrantes visassem em comum um maior reconhecimento e uma maior igualdade dentro da Igreja Católica, não se viu uma receita de como alcançar estes objetivos.
Algumas queriam a ordenação presbiteral feminina, outras que a mulher tenha o direito à pregação, outras queriam uma maior inclusividade da comunidade LGBTQ e outras simplesmente queriam mulheres em postos de liderança, sem necessariamente alterar a proibição da Igreja contra um clero feminino.
Na breve introdução que fez, Pichon, diretora de relações institucionais do Centro de Estudos e Prospectiva Estratégica, disse que submeteu um formulário para ser embaixadora do Vaticano porque sentiu-se chamada durante uma viagem a Roma quando tinha 14 anos de idade, no momento em que grupo se encontrou com o Papa João Paulo II.
“Ao crescer, vi a Igreja que amava perder todo o seu respeito por ela se recusar a lidar de uma maneira transparente” numa série de escândalos, os escândalos de abuso sexual clerical, segundo ela, indicando que a tutela dada pelos superiores aos padres abusivos era prova de que a Igreja “usa uma lógica patológica ao invés de uma lógica espiritual”.
Citando as escrituras, Pichon disse que a Igreja “existe para ser luz no mundo” e que “Jesus nunca desejou criar uma estrutura hierárquica que excluísse as mulheres”. Ela apontou para o fato de que Jesus, depois da Ressurreição, apareceu primeiro a Maria Madalena e a encarregou de contar aos outros apóstolos a boa nova.
“Acho que as minhas ações, e as das minhas irmãs, são absolutamente vitais. Nos colocamos contra a ameaça do desaparecimento da Igreja”, disse, acrescentando: “Penso que uma Igreja transformada, que permita um trabalho inspirado de homens e mulheres íntegros, pode ser uma ferramenta útil”.
Pichon falou ainda que ela já fez um pedido para um Concílio Vaticano III, evento que abordaria as reformas necessárias na Igreja Católica.
Rocher, que se candidatou ao diaconato, disse que assim o fez porque quer que a Igreja Católica “seja um lugar que acolha todo mundo, todos os gêneros e orientações sexuais”.
Falando da própria experiência pessoal, Rocher disse que, nos últimos doze anos, ela vem sendo uma “mulher trans e uma fiel”. Ela ajuda as pessoas, através da cura espiritual, a aprenderem a amar uns aos outros, sem julgamentos, “mas as pessoas não encontram essa ausência de julgamento na Igreja”.
“Eu consigo continuar com a fé em Cristo, mas para muitos isso não é possível porque eles não estão na Igreja. Desejo construir pontes, laços, de forma que as fronteiras e os muros desapareçam”, completou.
“Há doze anos sou uma mulher trans e quero dizer à Igreja para que ela abra suas portas e janelas. A Igreja é universal. Há muros que dividem as pessoas em categorias”, disse, Rocher expressando o desejo de ajudar os demais a “difundir o amor ao redor do mundo”.
Conan-Vrinat também disse que o seu chamado é o de ser diácona. Ao longo da vida, ela diz sentir a “presença de Deus em mim, e isso me levou a espalhar essa luz, a se manifestar publicamente”.
Observando que é mãe de duas filhas, Conan-Vrinat lembrou que submeteu o seu formulário por elas, “porque quero uma Igreja aberta, acolhedora da diversidade”.
Ser diácona, segundo ela, “ajudará em dar mais sentido, mais sinergia, aos meus compromissos paroquiais. Isso é bem importante para mim”.
Em 2016, o Papa Francisco instituiu uma comissão para estudar a história e uma possível retomada do diaconato feminino. No entanto, em 2019, ele disse que os achados do grupo não foram conclusivos e que os participantes continuavam a estudar a questão, porém de forma individual.
Landrivon, professor da Universidade Católica de Lyon, candidatou-se para o episcopado. Considerando um “ato simbólico” mais do que um desejo genuíno de ocupar um cargo episcopal, ela falou que escreveu quatro livros sobre personagens bíblicas femininas, entre elas Judite e Maria Madalena, porém percebeu que este trabalho “não era o suficiente para as mulheres na Igreja”.
Com o envio do formulário, Landrivon acredita que tornou a questão da mulher “mais visível”, algo que até agora a sua obra não conseguiu fazer.
“Estou convencida de que os homens e as mulheres são iguais, mas diferentes na forma como abordam o mundo”, disse, acrescentando que há a necessidade de “interpretar as escrituras a partir de um ponto de vista feminino”.
Ela expressou também a crença na necessidade de “reduzir o controle que os clérigos têm sobre a Igreja a fim de restaurar o espírito da Igreja Católica primitiva”, transformando-a num lugar “onde homens e mulheres possam contribuir sem nenhuma subordinação, jogos de poder (...) uma Igreja na qual todos se sintam acolhidos”.
De Bourbon, que se identificou como mestre espiritual e se candidatou para pregadora leiga, disse que, há mais de quinze anos, encontra “alegria em compartilhar a mensagem de Jesus” e que acredita que a pregação é algo que as mulheres devem ter o direito de fazer na Igreja, citando o pedido de Jesus a Maria Madalena para que contasse aos apóstolos sobre sua ressurreição.
“Esse é o novo caminho, o caminho que devemos percorrer na terra”, disse ela. “O que quero é que as mulheres se pronunciem nos diversos setores e movimentos que prestam atenção à palavra universal do Senhor. Devemos ouvir o que as mulheres sentem, ouvir a versão feminina da vida. Eu própria me libertei enquanto mulher vivendo nesta terra, e esta liberdade é o que me dá voz e vez”.
Thépot, que se candidatou ao diaconato, falou que “foi um passo audacioso”, mas que decidiu fazê-lo porque “não estou produzindo uma mudança positiva, eu não tenho o direito de estar aqui. Quero ser uma daquelas pessoas que abalam as coisas”.
Como diácona, “quero contribuir para uma Igreja alegria, plural (…) e abrir espaço para que todos levem o Evangelho pelo mundo. Tenho vontade, ânimo, sou determinada, e se ajo a partir de um sentimento de orgulho, não tem problema”, acrescentou ela, para concluir que é melhor isso do que não fazer nada.
Algumas das palestrantes se definiram como feministas, enquanto outras não. Algumas, entre elas Moreira, defenderam o sacerdócio feminino. Outras, como Landrivon, pediram pelo respeito às diferenças entre homens e mulheres.
“A mulher tem um papel diferente”, disse Landrivon, porém insistiu que “devemos organizar o poder de uma outra maneira”.
“É possível desempenharmos um papel sem ser ordenadas ao sacerdócio, pois a Igreja tem a ver com o ensino, a partilha e o serviço, e nós podemos assumir todas essas responsabilidades”, disse, acrescentando: “Para desempenhar bem essas coisas, não é preciso um conjunto de habilidades que exalem poder”.
Ela propôs que as faculdades de teologia tenham uma maior abertura a mulheres e homens, insistindo que “somos diferentes, mas nos encontramos em pé de igualdade”.
Referindo-se às opiniões e perspectivas diversas compartilhadas no diálogo, Alix Bayle, representante da coalizão Toutes Apôtres!, notou que “nós não concordamos necessariamente sobre o que precisa ser feito”, e que isso “mostra a riqueza da diversidade das nossas candidatas”.
Na breve introdução que fez, Soupa disse que desde que os formulários foram enviados, “sentimos o apoio de todo mundo. Esperamos que isto seja o começo de algo grande”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Coalizão recém-formada mostra rostos diferentes do ‘‘feminismo’’ católico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU