26 Junho 2020
Homens e mulheres recebem – ou receberiam – os ministérios de caridade, pregando e presidindo em comum oração. Estes ministérios não seriam conferidos por substituição, mas por direito; não por delegação, mas em vista da dignidade. E a comunidade precisa ser a primeira a reconhecer isso, não em subordinação, mas em plena responsabilidade", escreve Pascal Wintzer, arcebispo da Arquidiocese Poitiers, na França, em artigo publicado por La Croix International, 25-06-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A candidatura de Anne Soupa para dirigir a Arquidiocese de Lyon despertou um grande número de reações e comentários, provavelmente em quantidade maior do que aquela havida dentro da Igreja Católica e entre seus representantes.
É pouco comum a imprensa francesa dar uma ampla cobertura a questões relativas à Igreja Católica, exceto quando se trata de escândalos sexuais.
Sem pretender expressar as intenções de Soupa, o que desejo aqui fazer é simplesmente refletir sobre como o papel do bispo tem sido percebido. De fato, tal candidatura e os comentários que ela provocou giram não exatamente em torno do exercício da autoridade, mas sim – e quase exclusivamente – em torno da questão do poder.
Tornar-se bispo ou bispa é receber a capacidade de decidir e liderar. Não nego que isso exista, e me encontro bem situado para mensurar a sua extensão.
Mas será essa a natureza profunda do episcopado? É por essa razão, para o exercício do poder, que o Senhor convocou e enviou os seus apóstolos e os bispos que os sucederam?
“Vocês sabem: os governadores das nações têm poder sobre elas, e os grandes têm autoridade sobre elas. Entre vocês não deverá ser assim: quem de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês; e quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se servo de vocês. Pois o Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir e para dar a sua vida como resgate em favor de muitos.” (Mateus 20,25-28)
Olhar para as Igrejas do Oriente pode lançar alguma luz em nossa reflexão. Lá os bispos são escolhidos, não dentre os padres, a maioria dos quais são casados, mas dentre os monges. A razão principal não é o celibato. Ou, se for, é porque esse modo de vida expressa a doação de si a Deus.
Portanto, os bispos são homens de Deus; pessoas religiosas e consagradas. Antes de tudo, não são líderes nem administradores. Eu não idealizo as Igrejas orientais. Aliás, há exemplos aqui e ali que contradizem esse ideal, mostrando como os vínculos com o poder político podem perverter a liberdade da Igreja e do Estado.
Mas, em virtude do celibato, os bispos e os padres da Igreja latina são homens de Deus que servem em oração e anunciam a Palavra. Eles servem alimento para a alma, o que devem prover a todos.
Entretanto, principalmente por razões históricas e diante do enfraquecimento das instituições do Império Romano, os bispos gradualmente assumiram funções administrativas. Eles atuavam como substitutos até a introdução da tiara pontifícia ou das prisões eclesiásticas.
Atualmente aqui na França os bispos são responsáveis por tudo, especialmente pelas proibições. Eles devem constantemente arbitrar e dedicar tempo a tarefas que seriam de responsabilidade de outras pessoas mais competentes nessas áreas.
Lembremo-nos da pergunta feita por quem está prestes a conferir o Sacramento da Ordem: “Sabeis se ele é digno?”
A natureza indeterminada de tais dignidades pode moderar as expectativas e exigências. E isso é bom, pois nos permite considerar o contexto humano, social e eclesial no qual se é ordenado ou chamado a esta ou àquela missão.
Essa pergunta sobre a dignidade é decisiva; ela deve guiar todo chamado, ou mesmo este ou aquele candidato. Ela deve se estender para além dos ministros ordenados, tanto aos que são chamados e enviados quanto aos que chamam e enviam.
Eu emprego o plural aqui para marcar que uma das respostas às perguntas formuladas por Anne Soupa reside nas práticas de tomada de decisão que se recusam a ser exercícios solitários, mas que unem opiniões e palavras diversas.
O bispo ou o ministro ordenado toma o seu lugar, é claro, mas nunca sozinho. Ele deve sempre permitir que o tempo e os métodos levem à concordância do maior número de pessoas envolvidas. Nesse processo, todos devem tomar o seu lugar – o ministro ordenado, os leigos e, portanto, a comunidade cristã inteira.
Mas isso, por si só, não pode honrar as perguntas formuladas. Entre elas, está a questão de se reconhecer as pessoas de fé madura, sejam elas quem forem, independentemente de ministério que realizam, da missão que assumiram ou do sexo.
O exercício de um papel que envolve tomadas de decisão – responsabilidade primordial de um bispo, tendo os padres como colegas – não pode prescindir do chamado e da formação para outros ministérios na Igreja.
Homens e mulheres recebem – ou receberiam – os ministérios de caridade, pregando e presidindo em comum oração. Estes ministérios não seriam conferidos por substituição, mas por direito; não por delegação, mas em vista da dignidade. E a comunidade precisa ser a primeira a reconhecer isso, não em subordinação, mas em plena responsabilidade.
Práticas como essas já existentes levam – mas deveriam levar ainda mais – a uma releitura do ministério apostólico dos bispos, aos quais eu associo os padres celibatários, à luz dos Atos dos Apóstolos e das Cartas dos Apóstolos, para que possa ser expresso, em primeiro lugar, na itinerância, na fundação e na inovação.
Escrevo estas poucas linhas como forma de contribuir para o debate sobre as escolhas e decisões, o qual seria grave não ser abordado seriamente, assim com a questão levantada por Anne Soupa é grave.
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Uma arcebispa em Lyon? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU