26 Agosto 2020
No final de junho, Timor-Leste, um minúsculo país sul-asiático de maioria católica, encerrou o seu estado de emergência por covid-19.
Enquanto Taiwan, Nova Zelândia e até recentemente Hong Kong, Coreia do Sul e a Austrália vinham sendo, com razão, elogiados pelos esforços empreendidos para ter sob controle o novo coronavírus – e os países do sul-asiático Myanmar, Tailândia e Camboja também mantiveram a pandemia sob controle –, o Timor-Leste merece destaque por não ter, até agora, nenhum caso de transmissão comunitária.
A reportagem é de Michael Sainsbury, publicada por UCA News, 25-08-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Timor-Leste. (Mapa/Fonte: Human Rights Watch)
Segundo dados levantados até 21 de agosto, o país tinha 26 casos de coronavírus, com apenas um ativo – todos importados – e nenhuma morte.
O governo do país, que sofre com a pobreza e que tem um sistema de saúde desgastado, agiu com rapidez a partir do final de março, impondo regras emergenciais, em sintonia com o vizinho rico do sul, a Austrália, porém com regras mais rígidas do que a maioria dos estados australianos.
“Em vista da declaração de um estado de emergência, o governo, por meio deste decreto, assegura a sua implementação adotando as medidas necessárias que impedem a doença, contêm a pandemia, salvam vidas e asseguram a subsistência da cadeia de suprimentos dos bens e serviços essenciais para a nossa população, mesmo se [estas medidas] limitem alguns dos direitos e liberdades fundamentais”, lê-se no decreto oficial.
Logo após a suspensão do estado de emergência, o país reabriu as suas fronteiras internacionais, inclusive a sua fronteira terrestre com a província indonésia de Nusa Tenggara Oriental, com a condição de que haveria uma quarentena de duas semanas a quem entrasse no país e que todos os bens trazidos ao território nacional seriam desinfetados.
Aqueles que estiveram em quarentena no Timor-Leste parecem ter tido boas experiências, pelo menos é o caso do padre jesuíta Erik Gerilla. O sacerdote filipino, ex-coordenador dos Centros Sociais Jesuítas no Timor-Leste, retornou para uma visita em junho.
“Assim que chegamos ao aeroporto, nossas roupas foram desinfetadas com spray, até mesmo a sola dos sapatos. Para voar ou viajar por terra, precisamos testar negativo. Uma quarentena de 14 dias é obrigatória a todos os viajantes, e os hotéis e instalações são bastante confortáveis e bem administrados. Autoridades sanitárias vêm diariamente monitorar se estamos desenvolvendo os sintomas da doença”, escreveu o religioso em sua página no Facebook.
“Numa escala bem menor, comparada com outros países asiáticos, era de se esperar que os sistemas de saúde fossem gerenciáveis. Mas a intencionalidade e a deliberação das iniciativas para conter a transmissão do vírus vindo do exterior é o que falta, realmente, em muitos outros lugares”.
Até agora, apesar de o vírus estar disseminado pela vizinha Indonésia, o Timor-Leste conseguiu se manter livre da doença no único grande triunfo do país na região. Isso inclui surtos na metade indonésia da ilha de Timor.
“O governo respondeu cedo à pandemia de covid-19, fechando as fronteiras em meados de março, primeiro para não cidadãos e, depois, para todo mundo”, escreveu um grupo de acadêmicos da Universidade de Melbourne.
“Os cidadãos timorenses que estavam fora do país (a maioria estudantes, pessoas que trabalham em ocupações de baixa remuneração na Inglaterra, Irlanda e Coreia do Sul, ou trabalhadores sazonais na Austrália) receberam apoio para ficar no exterior”.
Os timorenses ganharam cestas que incluem sabão, ovos e arroz de parte de agências não governamentais e do setor privado. Famílias com renda abaixo de 500 dólares mensais receberam um subsídio de 100 dólares do governo. A fronteira com a Indonésia contou com a patrulha das autoridades que reforçaram as ordens de fechamento e lockdown.
Mesmo assim, como todos os lugares onde houve um confinamento geral em grande escala, essa decisão tomada pelo governo teve o seu custo. O Timor-Leste aproxima-se rapidamente de um futuro no qual as receitas de petróleo e gás, que têm sustentado a economia, estão prestes a acabar, com os direitos para exploração dos campos de energia no alto mar, adquiridos nos últimos anos, ficando presos na fase de pré-desenvolvimento. O acesso aos 100 milhões de dólares de um fundo soberano de riqueza, o Fundo Petroleum, é significativo.
Timor-Leste. (Mapa/Fonte: Wikipédia)
De fato, pesquisadores da Universidade Nacional Australiana descobriram que o Timor-Leste gastou muito mais em sua resposta à covid-19 do que qualquer outro país do Pacífico, algo em torno dos 8,3% de seu produto interno bruto, mais perto dos números apresentados pela Austrália (9,5%) do que a Papua Nova Guiné (0,8%). A resposta do Timor-Leste ocorreu quase 100% com financiamento próprio. O país recebeu um pequeno auxílio, apesar estar classificado em 20º lugar no ranking mundial dos países dependentes de auxílio.
Como em outros lugares, as mulheres e crianças tenderam a sofrer de forma mais tangível com as situações impostas pelo confinamento geral em termos de aumento da violência doméstica e na perda da formação escolar face a face.
“No Timor-Leste, 59% das mulheres que já se casaram, com idades entre 15 e 45 anos, sofreram violência física e/ou sexual de parte do companheiro íntimo. Este número provavelmente aumentará, uma vez que as preocupações com segurança, saúde e dinheiro acabam criando mais estresse nos agregados familiares confinados”, diz a Agência Internacional de Desenvolvimento da Mulher.
Porém, o cálculo correto feito pelo governo do Timor-Leste foi o de que um surto em nível nacional devastaria o país, que tem um sistema de saúde fragilizado.
Por isso, o seu povo, que desempenhou um importante papel nesta história notável, deve ser grato.
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O minúsculo Timor-Leste declara vitória contra a covid-19 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU