21 Agosto 2020
"Com os altos salários que recebem, conceder aos magistrados o 'auxílio-saúde', o 'auxílio-alimentação' e outros 'auxílios' não é imoral e uma afronta a todos os trabalhadores e trabalhadoras? Não é um pontapé na cara dos pobres, que são a grande maioria do povo brasileiro? Não é uma injustiça que clama a Deus? Podem os pobres confiar na 'justiça' desses magistrados?", escreve Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia da UFG.
No início deste mês de agosto foi publicada mais uma reportagem sobre a remuneração líquida mensal dos magistrados - juízes e desembargadores - do Estado de Goiás (parece-me que nos outros Estados a situação não é muito diferente). O conteúdo da reportagem deixa qualquer pessoa, que tem um mínimo de consciência moral, profundamente indignada.
“Juízes têm ganhos acima de R$ 100 mil desde 2017”. “Ao todo 127 magistrados de Goiás receberam remuneração líquida que extrapola em mais de R$ 60 mil o teto constitucional do setor público (que é de R$ 39,3 mil mensais), ao menos uma vez, desde setembro daquele ano”.
“Desse total, 38 magistrados contaram com valores acima de R$ 200 mil e, em 1 caso, o pagamento foi de mais de R$ 300 mil” (O Popular, 1-2/08/20, p. 4).
Na remuneração mensal dos magistrados (ao menos de setembro de 2017 a abril deste ano) - além do salário (de R$ 28.884,25 a R$ 35.462,28) - constam também os chamados “pagamentos retroativos” das diferenças de direitos (que direitos?) que ficaram para trás (de até R$ 97,2 mil), o “auxílio-saúde” (de R$ 1,28 mil), o “auxílio-alimentação” (R$ 1,21 mil) e outros (Cf. Ib.).
O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) afirma “que todos os pagamentos ocorreram dentro da legalidade” e a Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (ASMEGO) diz que “restaura a verdade dos fatos, reafirmando seu compromisso com a ética (que ética?) e a transparência na gestão pública” (Ib.). É um descaramento e um cinismo tão revoltante que dá vômito!
Não entro no mérito da questão da legalidade ou não dos “pagamentos extra”. Podem até ser legais, mas - com certeza - são imorais. Caso sejam legais, trata-se de uma imoralidade pública institucionalizada. Ora, diante de uma lei imoral, os magistrados - como também todos e todas nós em casos semelhantes - deveríamos praticar a objeção de consciência e desobedecer. Não o fazendo, nos tornamos coniventes com a imoralidade da lei.
Com os altos salários que recebem, conceder aos magistrados o “auxílio-saúde”, o “auxílio-alimentação” e outros “auxílios” não é imoral e uma afronta a todos os trabalhadores e trabalhadoras? Não é um pontapé na cara dos pobres, que são a grande maioria do povo brasileiro? Não é uma injustiça que clama a Deus? Podem os pobres confiar na “justiça” desses magistrados?
“Ai daqueles que fazem decretos iníquos e daqueles que escrevem apressadamente sentenças de opressão, para negar a justiça ao fraco e fraudar o direito dos pobres do meu povo” (Is 10,1-2).
Diante desses absurdos, como entender, por exemplo, as inúmeras dificuldades que o Governo Federal coloca para conceder e manter o “auxílio emergencial” de R$ 600 para os trabalhadores e trabalhadoras que se encontram em situação de extrema necessidade por causa da pandemia do novo coronavírus (a Covid-19)? Percebendo, porém, que o “auxílio” (mesmo sendo uma mixaria) aumenta sua popularidade, o Governo muda de estratégia. Quanto oportunismo!
Por que o Governo Federal não taxa as grandes fortunas, sobretudo nesse tempo de pandemia, para socorrer todos e todas que estão passando fome? Não é isso um sinal mais do que evidente que o Governo é dos ricos para os ricos?
Como cristão - numa situação injusta como essa - o que mais me doe é o silêncio e a omissão da Arquidiocese de Goiânia. Não dá para entender! A Igreja não deve cumprir a missão profética de anunciar ao mundo o Projeto de vida de Jesus e denunciar tudo aquilo que é contrário a esse Projeto?
Além do mais - reafirmando o que já disse no escrito sobre o “auxílio-saúde” dos magistrados (veja aqui ou em outros sites) - como pode ser mantida no TJ-GO (que, inclusive, é claramente inconstitucional) uma Capela Católica com o Santíssimo Sacramento da Eucaristia? Sem querer julgar a consciência das pessoas (só Deus pode fazer isso), esse comportamento da Arquidiocese não é conivência com a imoralidade e traição do Evangelho?
“A vida se encontra no caminho da justiça; o caminho da injustiça conduz para a morte” (Pr 11, 28).
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Tudo dentro da legalidade imoral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU