17 Agosto 2020
Rudá Guedes Ricci
Crianças ajudam a retirar os materiais pedagógicos da Escola Eduardo Galeano, durante ação da Polícia Militar no acampamento Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio. Posteriormente, a escola foi destruída por uma retroescavadeira.
Crédito foto e texto: Cassio Diniz.
Salvatore Santagada
Christian Edward Cyril Lynch
O papel político do Ministro Gilmar Mendes.
1. Para muitos, a ação do ministro Gilmar Mendes parece errática. Ela não é, todavia. Ela é coerente. Seu papel tem sido o de defender de forma intransigente o establishment político de centro-direita que domina o Congresso Nacional.
2. Quando o governo do Lula e da Dilma lhe parece querer corromper o sistema político para favorecer a perpetuação da situação petista, ele apoia de modo intransigente todas as ações que levem à sua remoção do poder, desde pelo menos o mensalão.
3. Quando a Lava Jato, porém, avança sobre os políticos do establishment de centro-direita, como PMDB, PSDB e Temer, ele se posiciona no sentido de estrangular aquela operação. O ápice dessa defesa foi absolver Temer no julgamento da chapa eleitoral no TSE.
4. Quando Bolsonaro ameaçava, até outro dia, fechar o STF por um golpe de Estado, incentivando manifestações nesse sentido, Gilmar botou a boca no trombone. "Live" e entrevista todo dia esculhambando o presidente e dizendo que o exército não era sua milícia particular.
5. Agora que Bolsonaro parece renunciar ao golpismo e aceitar o sistema, se acertando com as forças do establishment de centro direita no Congresso, Gilmar passa a tratá-lo com o mesmo carinho desvelado que dedica àqueles, mantendo o Queiroz em prisão domiciliar.
6. As decisões do ministro Gilmar em matéria política são todas orientadas tendo em mente, portanto, nos últimos 15 anos, a defesa do status quo do establishment político-partidário parlamentar de centro-direita. Pensa muito provavelmente que o funcionamento regular do sistema constitucional, do ponto de vista político empírico, depende da conservação do establishment político, visto por ele como sua pedra angular.
7. O resultado de sua ação é uma faca de dois gumes. Ele garante a estabilidade sistêmica contra a esquerda e à direita radical, mas sempre extrapolando ostensivamente a dimensão de imparcialidade de que as decisões judiciais devem de revestir pelo menos na aparência.
8. O ministro Gilmar pode ser criticado por seu viés abertamente anti-petista, e pelo modo ostensivo como manifesta em seus julgamentos suas preferências ou visões políticas. Só não pode ser criticado como incoerente. Coerência política, há. Jurídica, já não sei.
Cesar Benjamin
Eu Passarinho
São 4:10 da manhã de domingo para segunda. Mais uma vez verei, com certeza, o dia nascer, trabalhando. De vez em quando passo por aqui, para espraiar. Na verdade, cada vez menos, por motivos óbvios.
No debate da esquerda brasileira, parece que duas coisas predominam amplamente: autocríticas tardias, feitas com bastante hipocrisia, pois cheias de atenuantes artificiais, e racialismo.
Sobre o primeiro tema, republico abaixo, no link, um pequeno artigo que publiquei em 2003, quando o primeiro governo Lula apenas começava, tendo diante de si uma conjuntura brilhante, repleta de empregos e verbas.
Eu o republico não para dizer "eu avisei", mas para dizer algo muito pior: o que está ali, muito resumidamente, todos os que já eram adultos, na época, conheciam. Muitos conheciam melhor do que eu, que havia deixado o PT oito anos antes, em 1995.
Por que se calaram? Que intelectuais são esses, que apenas seguem a maré das coisas em cada momento, que não suportam nenhuma tensão entre pensamento e aparência, que estão sempre farejando a moda do momento? Qual a credibilidade de tais autocríticas tendo em vista a construção de um futuro?
O artigo chama-se "O triunfo da razão cínica". Está no link. Foi publicado na revista Caros Amigos. Em seguida, fui defenestrado dela, ouvindo impropérios.
As sementes da intolerância já estavam sendo plantadas, nas barbas dos nossos intelectuais amestrados, que agora pedem uma autocrítica genérica e condescendente.
Não por acaso, embarcaram no bonde do racialismo, sempre em busca de um pensamento cômodo, que lhes permita surfar nas ondas.
Como dizia o Quintana: "Eles passarão, eu passarinho."
Abraços,
Cesar Benjamin
Tatiana Roque
Gostaria de manifestar toda minha solidariedade a Thais Ferreira.
Nos filiamos ao PSOL no mesmo dia e fizemos várias atividades juntas na campanha. Acompanhei de perto a luta, os discursos e o compromisso de Thais com a defesa das mães, da primeira infância e com o combate ao racismo.
Uma mulher negra, lutadora e de esquerda que está sofrendo uma perseguição do partido por ter feito um curso no Renova BR e por integrar uma rede plural pela sustentabilidade, a RAPS (de que também faço parte e não envolve nenhum financiamento ou apoio a campanhas).
Realmente, o sectarismo que ainda existe no PSOL é inacreditável, justamente quando precisamos que o partido se amplie e ocupe o vácuo que vivemos na esquerda. Endosso os pedidos para que a decisão seja revertida, pois na data em que foi tomada impede Thais de buscar outro partido. Ou seja, na prática, caça o direito de uma mulher negra, que teve 25000 votos, de se candidatar. Nada justifica uma violência dessas.
André Aroeira
Paulo Guedes anuncia a privatizção da pobreza
Renato Terra, Folha de São Paulo
Empenhado em reformar o Estado, o ministro Paulo Guedes anunciou um pacote disruptivo de medidas para exterminar a pobreza. “O primeiro passo é delegar a responsabilidade pelos pobres para a iniciativa privada. Já chega! Isso não tem que ser preocupação nossa. Vamos privatizar as favelas, os subúrbios e toda a periferia”, explicou.
Segundo a equipe econômica, a privatização da pobreza vai gerar milhões de empregos e vai injetar mais de R$ 1 trilhão nos cofres públicos. “O pobre criou uma relação de dependência do Estado. Quer consulta médica? Procura o Estado. Quer matricular o filho numa escola? Estado! Tudo é o Estado! Finalmente conseguimos institucionalizar a política do Estado mínimo. Para os pobres”, explicou.
No pacote, está prevista a criação do Imposto sobre Grandes Pobrezas, o ISGP. “Quem ficar pobre vai pagar mais. Isso é um incentivo para que pessoas arrumem força de vontade para enriquecer. É o maior projeto para redução da desigualdade social que esse país já viu”, explicou Caco Antibes, coordenador federal para assuntos de pobreza.
A privatização da pobreza pretende criar uma legião de empreendedores individuais. “É o trabalhador do século 21. Aquele que faz os seus horários, faz sua própria vida, faz seus próprios direitos trabalhistas e faz sua própria rede de proteção social. Como os entregadores de aplicativos, motoristas de Uber, cortadores de cana de açúcar”, elogiou o economista Roberto Constantino. “A nota de R$ 200 funciona como um ótimo estimulante. Decisão acertadíssima.”
O planejamento, coordenado pelo deputado Justo Veríssimo, prevê a venda da Cidade de Deus para um consórcio que pretende transformá-la num estacionamento. “Assim como a reforma trabalhista e a reforma da Previdência, vamos gerar empregos como a curva da Nike”, explicou. Já estão adiantadas conversas sobre a venda de todas as reservas indígenas para a Amazon, a gestão de Roraima pela Disney e a realização de um IPO do Capão Redondo na Ibovespa.
Com a arrecadação, o governo pretende investir em áreas prioritárias, como o centrão. “Em situações de crash, temos que ter coragem de realizar o downsizing para moldar um business model baseado na experiência do underprivileged e seus stakeholders com o coworking”, explicou um colunista liberal.
O senador Flávio Bolsonaro adiantou que as privatizações poderão ser feitas no crédito e no débito. “Aceitaremos até cheques”, confirmou.
Maurício Caleiro
Uma criança que vem sendo estuprada dos 6 aos 10 anos, submetida a procedimentos abortivos em um hospital, precisaria de anos de terapia, em ambientes seguros, de modo a possibilitar-lhe reconstituir a própria auto-imagem, deixar de associar sexo a violência e violação e, na melhor das hipóteses, depois de anos, ser capaz de conciliar em termos positivos vida afetiva e sexualidade.
No entanto, a irresponsável, cruel e criminosa ação de hoje, protagonizada por grupos de extrema-direita que se dizem cristãos e que tumultuaram as medidas hospitalares e expuseram sua identidade, coloca um estigma permanente sobre a vítima, tornando ainda mais dificultosa sua recuperação de um trauma profundo.
Que motivações políticas determinem o comportamento de seus algozes diz muito sobre a falta de humanidade dessa extrema-direita inculta e cruel.
Eduardo Sterzi
Uma ética, por Carlos Drummond de Andrade:
Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos móveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
e é a parte mais feliz
de sua arquitetura
Mas há também as presas,
dessa matéria pura
que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos,
onde se deposita
a parte do elefante
mais fluida e permanente,
alheia a toda fraude.
Eis meu pobre elefante
pronto para sair
à procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê nos bichos
e duvida das coisas.
Ei-lo, massa imponente
e frágil, que se abana
e move lentamente
a pele costurada
onde há flores de pano
e nuvens, alusões
a um mundo mais poético
onde o amor reagrupa
as formas naturais.
Vai o meu elefante
pela rua povoada,
mas não o querem ver
nem mesmo para rir
da cauda que ameaça
deixá-lo ir sozinho.
É todo graça, embora
as pernas não ajudem
e seu ventre balofo
se arrisque a desabar
ao mais leve empurrão.
Mostra com elegância
sua mínima vida,
e não há na cidade
alma que se disponha
A recolher em si
desse corpo sensível
a fugitiva imagem,
o passo desastrado
mas faminto e tocante
Mas faminto de seres
e situações patéticas,
de encontros ao luar
no mais profundo oceano,
sob a raiz das árvores
ou no seio das conchas,
de luzes que não cegam
e brilham através
dos troncos mais espessos,
esse passo que vai
sem esmagar as plantas
no campo de batalha,
à procura de sítios,
segredos, episódios
não contados em livro,
de que apenas o vento,
as folhas, a formiga
reconhecem o talhe,
mas que os homens ignoram,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada.
E já tarde da noite
volta meu elefante,
mas volta fatigado,
as patas vacilantes
se desmancham no pó.
Ele não encontrou
o de que carecia,
o de que carecemos,
eu e meu elefante
em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa,
caiu-lhe o vasto engenho
como simples papel.
A cola se dissolve
e todo seu conteúdo
de perdão, de carícia,
de pluma, de algodão,
jorra sobre o tapete,
qual mito desmontado.
Amanhã recomeço
[Transcrevo para me convencer.]
Sergio Tück
Ódio sem limites
Hoje a noite, estávamos, depois de muito tempo assistindo a um filme. Não temos feito muito isso por aqui. Decidimos assistir ao "Rede de Ódio", filme polonês que mostra o trajeto de como psicopatas manejam toda a rede em prol da destruição de pessoas. Demos uma pausa e nisso vi um perfil de pré candidato aqui da cidade e perguntei: imagina se uma criatura dessa, com bandeirinha e tudo, e pose de denunciante vira chefe de governo. Brinquei dizendo "vamos voltar a realidade do filme porque a ficção do real tá difícil demais".
O filme é um retrato do que ocorre hoje no Instagram, Facebook, Twitter e onde for, afinal o problema não é o canal e sim o que vem sendo canalizado: o ódio do ser humano coisificado. O ódio não é de hoje. Sempre existiu. Hoje tá na lupa, veiculado na velocidade da luz! Você antes desconfiava, mas hoje já sabe que dentre seus vizinhos há pelo menos um odiador psicótico em potencial. Quando acaba o filme bate aquela bad.. mas daí as redes te trazem o "pior que a ficção": Sara Winter.
O que ela fez hoje, divulgando o nome de uma criança de 10 anos (que foi estuprada nos últimos quatro pelo tio) e convidando pessoas para fazerem um linchamento de médico em hospital é exatamente o que o filme retrata, em todos os seus processos neste mecanismo vil. Parece Brasil, mas é mundial.
Sara Winter é a personificação do ódio que justifica acabar com vidas para defender valores que teoricamente defendiam vidas. Ah, mas o aborto.. Eu sinceramente não tenho opinião formada sobre, mas tenho certeza que minha opinião vale 10x menos que o de uma mulher, 20x menos que a de uma pessoa violentada, 50x menos que a de uma criança violentada. Ou seja, independente da minha opinião quanto a isso, o peso dela é mínimo, mesmo eu sendo a favor da vida. E sempre estando do lado de quem foi vítima e não dá caroncha que sai da sua casa pra linchar alguém motivada no que uma maluca disseminou. Mas a grande parte da discussão está coberta de hipocrisia. Por que?
Sara Winter é uma armamentista, e não existe defesa da vida com arma na mão. Ainda mais porque ela não é uma policial defendendo pessoas indefesas em situação de risco e injustiça. Ela não dispara sua arma ou sua raiva contra quem fez o despejo em Minas. Ela defende um único valor, o ódio. E usa de nomenclaturas e inimigos fictícios pra manipular quem quer um messias pra combater um mal comum, indo de "esquerdistas" a reptilianos. É esse valor que queremos partilhar?
Qualquer pessoa que empunhe um revólver pra impor sua opinião não passa de um assassino em potencial. Qualquer pessoa que não se importa com vidas sendo dizimadas em prol de um projeto de poder e enriquecimento não passa de um açougueiro humano em potencial. Qualquer pessoa que incite linchamento e joga na rede a identidade de uma criança que já vem de traumas subsequentes é um psicopata em potencial e qualquer pessoa que finja ser vítima de atentados, perseguições e narrativas é um mentiroso patológico. E não, não há absolutamente nenhuma religião ou ateísmo que pregue esse ódio! Não justifique sua sede de sangue e apatia existencial com uma fé, filosofia, uma ideologia ou o que for.
Sara Winter é uma criminosa que surfa na onda de ódio, na onda do politicamente incorreto (afinal a vida ao teria graça diminuindo, zombando, cancelando e esculachando os outros), na onda do foda-se e do fundamentalismo. E ganha dinheiro assim.
Mas meu coração está com as crianças. Quem trabalha em escola sabe a proximidade que temos com casos como esses. Todo ano pelo menos um é descoberto, e tantos outros seguem na penumbra! Provavelmente ainda tem gente que vai falar que a menina usava short curto... Provavelmente há que dirá que a Sara faz isso pra defender o Brasil dos comunistas, esquerdistas, reptilianos e qualquer outro inimigo imaginário comum.
Mas as cem mil vidas não importavam. Nenhum desses estéricos foi chamar 'autoridade' de assassino. Não chamaram Ricardo Salles de assassino. Porque? Não chamaram os assassinos da vereadora de assassino, Porque? Não chamaram João de Deus de assassino, porque? Não chamaram os soldados que fuzilaram um senhor com oitenta tiros de assassinos, porque? Nem o que matou o menininho que ia pra escola... Onde andava essa gente estérica?
Que esta menina, e tantas outras crianças, possam ao menos ter a sorte de crescerem longes desses seres doentes.
Waltinho Sferra
Paulo Cardoso
Não há pecado mais vergonhoso.
Que enganar quem acredita em você
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