10 Agosto 2020
"Na perspectiva feminista, a importância de Madalena entre os seguidores de Jesus (no mesmo plano, se não superior ao dos discípulos do sexo masculino) foi sistematicamente despotencializada paralelamente com a afirmação de uma estrutura eclesiástica caracterizada em sentido patriarcal (a identificação com uma prostituta seria a última peça dessa dinâmica). Em outras palavras, as sucessivas comunidades cristãs não resultaram à altura da atitude revolucionária de Jesus, que não fazia distinção entre sexo e condição social; em vez disso, decidiram reproduzir dentro delas as mesmas relações sociais existentes nas sociedades mediterrâneas da tardia antiguidade", escreve Marco Rizzi, professor de literatura cristã antiga da Università Cattolica del Sacro Cuore, de Milão, em artigo publicado por La Lettura, 02-08-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Para todos os baby-boomers, ou seja, aqueles nascidos entre o final da Segunda Guerra Mundial e meados dos anos 1960, Maria Madalena tem o rosto e, acima de tudo, a voz de Yvonne Elliman, que a encarnou no filme Jesus Cristo Superstar de 1973, baseada no homônimo disco duplo gravado há cinquenta anos com músicas de Andrew Lloyd Webber, e letras de Tim Rice, (muito) livremente inspiradas no Evangelho de João. Enquanto isso, o disco, o filme e o musical trazidos à cena ainda desfrutam de grande sucesso (a produção mais recente teve lotação esgotada no Barbican, em Londres, no verão passado, enquanto Stefano Bollani fez uma releitura da partitura no piano). No filme, Madalena vigia Jesus adormecido e se questiona sobre si mesma, como ela mudou depois de conhecê-lo, um homem tão diferente de todos aqueles que ela conheceu, mas não amou antes, sobre o amor que sente por ele, que gostaria confessar a ele, mas ela sabe que não pode fazê-lo.
Prostituta redimida, ao lado de Jesus durante sua pregação e ao pé da cruz, primeira testemunha de sua ressurreição, quando Jesus lhe ordenou para não o tocar (Noli me tangere, o episódio entre os mais representados da iconografia do Cristo ressuscitado): esses são os traços que uma longa tradição atribuiu a Maria de Magdala.
Na realidade, essa imagem nasce da fusão, se não de confusão, de pelo menos três figuras distintas: a autêntica Maria Madalena é a única entre as mulheres itinerantes com Jesus cujo nome é relatado nos quatro evangelhos canônicos, provável indício uma posição de destaque entre elas (e não apenas), e que se diz curada de doenças e demônios graças a Cristo; Maria de Betânia, irmã de Lázaro, que derrama óleo perfumado na cabeça de Jesus em sua casa, de acordo com o Evangelho de João; e finalmente, a prostituta anônima que no relato de Lucas unge os pés de Jesus com lágrimas e perfume.
A afinidade do gesto (apesar da diversidade de lugares e interlocutores) determinou a sobreposição da pecadora com Maria de Betânia e a homonímia a aproximação de ambas com Maria de Magdala. Um percurso que durou alguns séculos e consagrado pelas palavras do Papa Gregório Magno em uma homilia: Essa que Lucas menciona como pecadora, chamada Maria por João, acreditamos seja aquela Maria da qual, como Marcos atesta, sete demônios foram expulsos. E o que são estes sete demônios, se não todos os tipos de vícios?”.
Maria Maddalena: Equivoci, storie, rappresentazioni
Adriana Valerio
il Mulino
Uma confusão que gerou uma série de obras artísticas, literárias e musicais (Jesus Cristo Superstar chega depois de uma série discreta de oradores dos séculos XVI e XVIII dedicados à Madalena), mas atenuou outros aspectos bem presentes nos primeiros exegetas cristãos, entre todos o caráter de "apóstola dos apóstolos", ou seja, aquela que primeiro é "enviada" (esse é o significado da palavra grega "apóstolo") para anunciar a ressurreição de Jesus aos discípulos, para que, por sua vez, levem as boas novas até os confins da terra.
Para Ambrósio, Agostinho e o próprio Gregório Magno mais tarde, Maria Madalena representa a anti-Eva. Esta última introduziu a morte, Madalena anunciou a ressurreição.
A crítica histórica moderna há muito esclareceu o equívoco de sua identidade, e nas últimas décadas, Maria de Magdala tornou-se uma bandeira da teologia feminista: nessa chave, faz uma releitura da figura e da longa história hagiográfica, Adriana Valerio, uma das mais importantes teólogas e exegetas italianas (e não apenas) no livro Maria Maddalena (il Mulino).
Na perspectiva feminista, a importância de Madalena entre os seguidores de Jesus (no mesmo plano, se não superior ao dos discípulos do sexo masculino) foi sistematicamente despotencializada paralelamente com a afirmação de uma estrutura eclesiástica caracterizada em sentido patriarcal (a identificação com uma prostituta seria a última peça dessa dinâmica). Em outras palavras, as sucessivas comunidades cristãs não resultaram à altura da atitude revolucionária de Jesus, que não fazia distinção entre sexo e condição social; em vez disso, decidiram reproduzir dentro delas as mesmas relações sociais existentes nas sociedades mediterrâneas da tardia antiguidade.
Nos textos canônicos, apenas poucos vestígios da verdade histórica permanecem e resulta atenuada a primazia de Madalena no apostolado, que teria implicado um papel ativo das mulheres na anunciação e na pregação (como no filme Mary Magdalene de Garth Davis, com Rooney Mara e Joaquin Phoenix, de 2018). Após Madalena, o antagonismo teológico com Eva também foi removido, transferido para Maria, Mãe do Salvador.
Pelo contrário, a figura de Maria Madalena é central em alguns textos provenientes dos chamados grupos cristãos gnósticos. Nesses escritos, entre todos o evangelho de Maria do século II, Madalena é portadora de um conhecimento salvífico diretamente revelado a ela por Jesus, que a coloca em contraposição direta a Pedro, símbolo da Igreja institucional que considerava heréticos aqueles grupos.
A crítica feminista vê na exaltação de Madalena um testemunho, ou pelo menos um possível eco, de sua proximidade particular a Jesus e de seu papel de absoluta importância entre os discípulos (deve-se lembrar, no entanto, que em outros textos a função de reunir o ensino esotérico de Jesus era confiada a Judas, talvez uma companhia não totalmente recomendável).
No complexo sistema gnóstico, uma mulher a ser associada a Jesus era de alguma forma necessária para restabelecer o equilíbrio originário entre os elementos masculino e feminino que caracterizavam o mundo divino antes da queda que gerou o mundo material e a condição de sofrimento da humanidade. Tal desprezo pela criação torna impossível ler nesses textos qualquer implicação de natureza sexual no relacionamento entre Jesus e Madalena (como, diferentemente, acontece no Código Da Vinci de Dan Brown): "He scares me so...I love him so" ("Ele me assusta muito ... eu o amo muito"), na voz de Yvonne Elliman.
Nascida em Sperone (Avellino) em 1952, Adriana Valerio ensinou História do Cristianismo e das Igrejas na Universidade Federico II de Nápoles. Entre as fundadoras da Coordenação das teólogas italianas, de 2003 a 2007, foi presidente da Afert (Associação feminina europeia de Mulheres para pesquisa teológica) e dirige a série internacional e inter-confessional "A Bíblia e as mulheres". Entre suas últimas publicações: Le ribelli di Dio (Feltrinelli, 2014); Donne e Chiesa (Carocci, 2016); Il potere dele donne nella Chiesa (Laterza, 2017); Maria di Nazaret (il Mulino, 2017).
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A décima terceira apóstola - Instituto Humanitas Unisinos - IHU