28 Julho 2020
"O continente mais socialmente desigual do mundo está assistindo ao agravamento das condições de saúde, emprego e pobreza e vendo o futuro de prosperidade cada vez mais distante", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e pesquisador titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 27-07-2020.
A América Latina e Caribe (ALC) está vivendo mais uma década perdida com estagnação da renda per capita. A primeira aconteceu em 1981-90 e a segunda em 2011-20. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) divulgou em 21/04/2020 o estudo “Dimensionar los efectos del COVID-19 para pensar en la reactivación”, onde mostra que a pandemia da covid-19 pegou a ALC em um momento de debilidade macroeconômica, pois, no decênio posterior à crise financeira de 2008/09, o continente apresentou em média o menor crescimento desde a década de 1950.
No dia 15/07 a CEPAL divulgou o relatório “Enfrentar los efectos cada vez mayores del COVID-19 para una reactivación con igualdad: nuevas proyecciones” onde atualiza as projeções e mostra que a situação se agravou. A projeção de abril indicava uma queda do PIB da ALC de 5,3% em 2020 e, agora em julho, a estimativa é de queda de 9,1%.
Segundo o relatório, a economia mundial experimentará sua maior queda desde a Segunda Guerra Mundial e PIB per capita diminuirá em 90% dos países, em um processo sincrônico sem precedentes. Em 2020, o PIB mundial deve diminuir em 5,2%. A queda será 7,0% nas economias desenvolvidas e 1,6% nas economias emergentes.
A forte contração em 2020 se traduzirá em uma queda de 9,9% no PIB per capita da ALC. Depois de praticamente haver uma estagnação entre 2014 e 2019 (quando o crescimento médio anual foi de apenas 0,1%), essa queda no PIB per capita implica um declínio de dez anos: o nível em 2020 será semelhante ao registrado em 2010 (ver gráfico abaixo).
Os países (com mais de um milhão de habitantes) que vão apresentar maior queda do PIB em 2020 são: Venezuela (-26%), Peru (-13%), Argentina (-10,5%), Brasil (-9,2%) e México e Equador (-9%). A Guiana vai ter um grande crescimento devido às descobertas recentes de petróleo.
A América Latina e Caribe (ALC) é, preocupantemente, a região mais atingida pela pandemia do novo coronavírus. Com 8,4% da população mundial, responde por 45% das mortes globais da covid-19. No dia 29 de fevereiro de 2020 o mundo registrou 86,6 mil casos e 3 mil mortes, sendo que a China concentrava 80 mil casos (92% do total) e 2,9 mil mortes (96% do total). Do país asiático, o coronavírus se espalhou para o mundo. Entre março e abril a Europa e os Estados Unidos (EUA) passaram a concentrar a maior parte das mortes diárias provocadas pela covid-19, mas a partir do mês de maio o destaque coube à ALC, conforme mostra a figura abaixo, do jornal Financial Times que apresenta a média móvel de 7 dias do número diário de mortes no mundo.
A forma da figura reflete o fato de que o número médio de mortes diárias no mundo era de 393 óbitos entre 15 e 21 de março, passou para 6,8 mil morte diárias em meados de abril, caiu para 3,8 mil no final de maio e voltou a subir para 5,6 mil na semana de 17 a 23 de julho. A Europa e os EUA respondiam por apenas 6% das mortes diárias em 29 de fevereiro, mas deram um salto para cerca de 80% em meados de março e para 90% na primeira quinzena de abril. Mas ambos passaram a ter uma menor participação nos meses seguintes e na semana de 23 a 29 de junho a Europa respondia por 10% e os EUA por 15% das mortes diárias.
O grande destaque nos meses de maio e junho foi a ALC que passou a concentrar mais da metade dos óbitos diários no mês de junho. Entre os dias 02 e 08 de junho, a média diária de mortes foi de 4.700 no mundo e de 2.361 mortes na América Latina (50% do total global). O Brasil, México, Peru e Chile foram os países que tiveram o maior número de mortes diárias na América Latina. Na semana de 17 a 23 de julho a ALC teve 2,5 mil óbitos, 45% do total de 5,6 mil vidas perdidas globalmente. Outros países que estão apresentando números crescentes são a Índia, Paquistão e Bangladesh na Ásia, África do Sul, Egito e Nigéria na África e alguns países do Oriente Médio.
Ou seja, a ALC está vivendo uma pandemia combinado a um pandemônio na economia. No ritmo que as coisas vão a região será incapaz de cumprir com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e com a Agenda 2030 da ONU. O continente mais socialmente desigual do mundo está assistindo ao agravamento das condições de saúde, emprego e pobreza e vendo o futuro de prosperidade cada vez mais distante.
ALVES, J. E. D. A pandemia de Coronavírus e o pandemônio na economia internacional, Ecodebate, 09/03/2020. Disponível aqui.
Financial Times. Coronavirus tracked: the latest figures as countries start to reopen. The FT analyses the scale of outbreaks and the number of deaths around the world. Disponível aqui.
CEPAL. Enfrentar los efectos cada vez mayores del COVID-19 para una reactivación con igualdad: nuevas proyecciones, 15 de julio de 2020. Disponível aqui.
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A América Latina terá mais uma década perdida com o impacto da covid-19 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU