23 Julho 2020
Aprovado na Câmara dos Deputados nesta segunda (20), o projeto de lei 735/2020 será encaminhado para análise do Senado.
A reportagem é de Lu Sudré, publicada por Brasil de Fato, 21-07-2020.
A Câmara dos Deputados aprovou, nesta segunda-feira (20), um projeto de lei que prevê a extensão do auxílio emergencial de R$600 para agricultores que ainda não receberam o benefício, assim como o fomento de crédito e incentivos para a produção.
As medidas têm como objetivo socorrer os pequenos produtores, duramente atingidos pela pandemia do novo coronavírus.
Fruto da mobilização popular e da atuação dos parlamentares da oposição, o projeto estabelece que os agricultores que não tiveram acesso à verba emergencial receberão o total de R$ 3 mil, dividido em cinco parcelas de R$ 600. Já para as mulheres agriculturas chefes de família, o valor é de R$ 6 mil, referente a cinco parcelas de R$ 1,2 mil.
As condições para a concessão do auxílio são as mesmas estabelecidas aos informais. Entre elas, idade mínima de 18 anos, não ter emprego formal, o não recebimento de outro benefício previdenciário, com exceção ao Bolsa Família e seguro-defesa, e renda familiar per capita de até meio salário mínimo ou renda familiar total de até três salários mínimos.
O PL 735/2020 também cria o Fomento Emergencial de Inclusão Produtiva Rural, que conforme o texto, será destinado às famílias que se encontram em situação de pobreza e extrema pobreza. A definição do conceito de extrema pobreza, não irá considerar os benefícios previdenciários rurais.
A política prevê a ajuda de R$ 2.500 por unidade familiar, em parcela única, transferida diretamente pela União. No caso de famílias chefiadas por agricultoras, o fomento será de R$ 3 mil.
Caso o projeto seja aprovado, os agricultores interessados poderão contar com o apoio do Serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) para o projeto de estruturação da unidade produtiva familiar. Caso os planos contemplem a construção de cisternas para acesso à água para consumo humano e produção de alimentos, a verba será de R$ 3,5 mil.
Além dos agricultores familiares, pescadores, extrativistas, silvicultores e aquicultores também podem ter acesso às medidas. Os pagamentos deverão ser feitos por bancos federais com o uso de contas de poupança social digital, sem taxas.
Alexandre Conceição, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ressalta a relevância das medidas previstas no PL, “principalmente em meio a um governo que abandonou a agricultura familiar e a produção de alimentos”.
“Nesse momento, o conjunto das organizações, os partidos da oposição, junto à Câmara Federal, terem aprovado um projeto dessa magnitude é de fundamental importância para fazer com que o Estado, o Executivo brasileiro, possa cumprir sua função e missão de apoiar a agricultura familiar para que o Brasil não passe fome”, afirma Conceição.
Rosângela Piovizani, dirigente do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), também comemora a aprovação do PL 735 diante das dificuldades impostas pela pandemia. “Esse aporte de recursos é fundamental para recuperar a capacidade de produção para além do consumo das famílias e feiras locais. É um projeto de lei construído por muitas mãos dos movimentos sociais que tem compromisso com o alimento. É um ganho histórico”, avalia.
O texto do relator Zé Silva (Solidariedade-MG) também autoriza o Conselho Monetário Nacional (CMN) a criar linhas de crédito rural no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
O valor máximo do crédito será de R$ 10 mil por beneficiário, com taxa prevista de 1% ao ano. No caso das agriculturas, a taxa cairá pela metade e será de 0,5%. Se o pagamento das parcelas ocorrer em dia, haverá um desconto adicional de 20% para elas.
De acordo com o projeto, os agricultores terão dez anos para pagar o empréstimo, com carência de cinco anos incluída nesse tempo. Até 20% do valor obtido poderá ser usado para a manutenção da família. O empréstimo poderá ser solicitado até 30 de dezembro de 2021.
O PL também concede o auxílio Garantia-Safra aos agricultores aptos a receberem o benefício durante o estado de calamidade pública, desde que o produtor apresente laudo técnico da vistoria municipal que ateste a perda da safra por fatores ambientais, como excesso ou falta de chuva.
Alexandre Conceição, do MST, destaca também a elaboração do chamado PAA-E, uma extensão do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Conforme o projeto de lei, os agricultores que não tenham vendido à Companhia Nacional de Alimentos (Conab) nos últimos dois anos por meio do PAA, poderão ser atendidos por sua versão emergencial.
A ideia do programas é realizar a compra de alimentos dos pequenos agricultores com a doação simultânea dos produtos para abastecer famílias em situação de vulnerabilidade.
A execução do PAA-E também será de responsabilidade da Conab, por meio de uma cadastro simplificado para os agricultores interessados. A compra será no valor máximo de R$ 4 mil por unidade familiar produtora e R$ 5 mil no caso da mulher agricultora responsável pela família.
“Esse programa tem a ideia de ser um programa de segurança alimentar, de recuperar o que o governo destruiu, que são os estoques de alimentos, a política do PAA e do PNAE, fortalecendo a agricultura familiar. O agronegócio, como todos sabem, não produz alimento”, frisa Conceição.
O coordenador do Movimento complementa ainda que os pequenos agricultores são responsável pela produção de 70% dos alimentos na mesa dos brasileiros.
“A agricultura familiar é um sistema de produção que gera mais emprego, gera renda, distribui melhor as riquezas. É fundamental para recuperarmos a segurança alimentar que está completamente ameaçada com a política desastrosa desse governo”, critica.
A maioria das políticas previstas no projeto de lei prevê benefícios diferenciados para as agricultoras. Rosângela Piovizani explica que o maior aporte voltado para as experiências de produção das mulheres vai de encontro a uma luta histórica das camponesas, que buscam a reparação e igualdade de direitos.
“As mulheres tem um papel fundamental na produção de alimentos. Especialmente na produção dos quintais. Criação de pequenos animais, hortas, frutas, doces, queijos. Essas coisas, na cultura camponesa, é muito mais função das mulheres na unidade de produção. É o alimento que de fato chega nas comunidades, nas feiras”, detalha.
Para a coordenadora nacional do Movimento de Mulheres Camponesas, é essencial que as políticas façam um recorte de gênero.
“É de fato reconhecer e valorizar o papel central das mulheres na produção de alimentos. A invisibilidade do trabalho da mulher no campo é grande, devido a essa cultura machista que se tem no Brasil e no campo se acentua mais. É uma luta história das mulheres camponesas para valorizar e reconhecer esse trabalho. Quando vemos um projeto de lei que faz essa diferenciação, que enxerga o papel central das mulheres, não há nada mais justo”, ressalta.
O PL 735 também estabelece que, durante o estado de calamidade pública, encaminhamentos para cobrança judicial, execuções e prazos de prescrição das dívidas dos agricultores sejam suspensos. Também estão contempladas no texto políticas de renegociação de dívidas, como a prorrogação por um ano de parcelas vencidas do PAA, e de operações de crédito rural, tanto em bancos comuns quanto no âmbito do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF).
Segundo o projeto, os devedores de alguns tipos de dívidas rurais tratadas pela Lei 13.340/16 contarão com novo prazo para a concessão de descontos na quitação ou na renegociação dos débitos.
O substitutivo também aumenta o universo de contratos passíveis de renegociação da lei citada. Atualmente, para obter a renegociação, os contratos devem ter sido firmados até 31 de dezembro de 2016. A data final passa a ser 31 de dezembro de 2019.
O projeto será enviado ao Senado para análise, e, caso aprovado, irá para sanção presidencial. Os movimentos populares do campo esperam que o texto seja aprovado da forma como está, explica Alexandre Conceição.
“Esperamos que no Senado não haja modificação, para que o projeto não volte para a Câmara. Em seguida, faremos pressões políticas como sempre fizemos, com apoio da sociedade, intelectuais e artistas, para que o governo sancione, sem veto, esse projeto, e consigamos de imediato contatar os primeiros fomentos, primeiros créditos, primeiros auxílios emergenciais”, explica o coordenador do MST.
“A agricultura familiar não pode esperar. Temos que começar o plantio agora, se não, não teremos o que colher mais na frente”, reitera.
Enio Verri (PT), deputado autor do projeto ao lado de Paulo Pimenta (PT), propôs que a futura lei seja chamada de Lei Assis Carvalho, em homenagem ao ex-deputado federal pelo PT do Piauí. Carvalho, defensor da agricultura familiar, morreu no início de julho após ser vítima de infarto.
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Conheça as políticas previstas no PL que socorre agricultores em meio à pandemia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU