22 Julho 2020
"Acredito que se possa anunciar o Evangelho para a nossa geração, denunciando certamente o mal (que em si é sempre radical e trágico!) e, portanto, apelando para a graça de Deus, mas sem ficar enredados por uma formal e repetitiva confissão de pecado que hoje, especialmente em seu aspecto litúrgico, assemelha-se mais à nostalgia de um poder perdido do que a uma resposta real ao mal no mundo", escreve Angelo Cassano, em artigo publicado por Riforma – semanal das igrejas evangélicas batistas metodistas e valdenses, 22-07-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
«Si deus est unde malum?» dizia Agostinho. O problema do mal desde sempre acompanha a humanidade e toda tentativa de encontrar alguma explicação aceitável para esse nó crucial intraexistencial e a relação entre o ser humano e Deus, em vez de encontrar respostas, nada mais faz que aumentar as perguntas. O mal e o pecado andam de mãos dadas. Se não podemos entender a origem do mal em um nível ontológico, podemos pelo menos tentar compreender onde se aninha o pecado e que formas historicamente determinadas ele pode assumir de tempos em tempos. Um fato parece evidente: o pecado, independentemente de como se queira interpretá-lo, produz injustiças, destrói a natureza, alimenta o ódio, cava abismos no indivíduo e nas relações interpessoais. A cada oportunidade deve ser desmascarado, denunciado, contrastado.
Reconhecer o pecado em suas manifestações históricas nos ajuda a construir passo a passo relações sociais, políticas e ambientais fundadas em um maior senso de civilização. O que me parece causar perplexidade, é o que eu poderia definir de "nostalgia do pecado", à qual o protestantismo histórico ainda parece muito ligado. Numa sociedade cada vez mais desencantada, aqueles que estão ancorados em uma tradição fundada em um radical pessimismo antropológico são relutantes diante daqueles que tentam colocar em discussão uma praxe eclesial ainda fundamentada em uma perene "confissão de pecado". Parece que diante de Deus seja sempre necessário reiterar que somos pecadores. É precisamente aqui que minhas perplexidades surgem. Não tanto no que diz respeito à relação com Deus, mas no que esse fato implica em um nível horizontal. Eu me pergunto se essa "nostalgia do pecado" não esconda uma "nostalgia de poder".
Para os nostálgicos do pecado, a fé é avaliada em função do pecado: não há sequer um pingo de fé naqueles que colocam em discussão o radical pessimismo antropológico e, portanto, a ortodoxia do pecado. Não basta denunciar as injustiças, criticar aqueles que usam a palavra como pedra ou tentar ser construtores e construtoras da paz. Não basta reconhecer os próprios limites e abrir espaço para o amor inclusivo de Deus. Não, para expressar a verdadeira fé sempre é preciso recomeçar a bater no peito diante de Deus, pelo menos no domingo! Para os nostálgicos pelo pecado, a verdadeira conversão a Cristo não pode escapar, não apenas no nível litúrgico, de uma perene e intocável confissão de pecado. Não nego que tal visão tenha razões bem fundamentadas, não apenas teológicas, mas também históricas. Não se pode falar da graça de Deus sem reconhecer o pecado. Mas é a obsessão pela repetitividade que gera perplexidade.
Eu me pergunto por que os "nostálgicos do pecado" não se perguntam mais profundamente sobre o quanto o conceito de pecado tenha sido historicamente explorado e usado como poder para subjugar e não para libertar as consciências. Nesse caso, seria redutivo apontar o dedo para o catolicismo. O protestantismo não pode pensar que não tenha tropeçado nesse mecanismo de poder! Que venha então uma sociedade desencantada com relação a uma forma de poder eclesial que, durante séculos, fez do medo seu ponto de força! Eu me pergunto se não chegou o momento histórico de superar a intocável ortodoxia do pecado, apostando mais nos recursos positivos das pessoas, levando mais em consideração a tradição tomista! Acredito que se possa anunciar o Evangelho para a nossa geração, denunciando certamente o mal (que em si é sempre radical e trágico!) e, portanto, apelando para a graça de Deus, mas sem ficar enredados por uma formal e repetitiva confissão de pecado que hoje, especialmente em seu aspecto litúrgico, assemelha-se mais à nostalgia de um poder perdido do que a uma resposta real ao mal no mundo.
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A nostalgia do pecado perdido - Instituto Humanitas Unisinos - IHU